Brasil: Corrupção no Congresso Deputados e senadores sob pressão
Deputados e senadores na mira da Justiça
Lava Jato investiga esquema de desvio de dinheiro na Petrobrás que envolve congressistas de diversos partidos. Entenda como o ambiente político do Legislativo influencia a corrupção
por Décio Trujilo
O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou em 3 de março a abertura de um processo criminal contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB–RJ). Ele é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em agosto de 2015, o deputado recebeu propina como parte do esquema de corrupção da Petrobrás investigado pela Operação Lava Jato. Cunha teria ganho 5 milhões de dólares para utilizar sua influência e viabilizar a contratação sem licitação de dois navios-sonda em 2006 e 2007.
A decisão ocorreu apenas três meses e meio após outra medida incomum, também determinada pelo STF: a ordem de prisão em flagrante do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), sob acusação de dificultar as investigações da Operação Lava Jato. Uma gravação mostrou o senador oferecendo fuga e dinheiro para que o ex-diretor da Área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró, investigado pela Lava Jato, não o delatasse. Ao ser detido em 25 de novembro de 2015, Delcídio tornou-se o primeiro senador preso no exercício do mandato desde a redemocratização do país, em 1985. Ele foi solto em 19 de fevereiro e teria acertado acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (veja mais sobre a Lava.
As acusações contra Delcídio e Cunha representam mais um passo no cerco ao Congresso Nacional, impulsionado pelo crescimento do número de denúncias contra deputados e senadores acusados de corrupção. Como consequência das investigações promovidas pela Lava Jato, o STF já autorizou a abertura de inquérito contra 50 parlamentares do PT, PMDB, PSDB, PP, PTB e SD. Além de Delcídio e Cunha, outro político de peso que engrossa essa lista é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB).
À medida que avançaram, as investigações referentes à corrupção na Petrobrás foram mostrando que não eram apenas os funcionários e dirigentes da empresa ou os empresários que prestavam serviço à estatal que armavam esquemas para atacar seus cofres. A cada nova fase da operação, apareciam nomes de parlamentares apontados pelos delatores como beneficiários da corrupção.
Política de alianças
Mas por que tantos parlamentares aparecem envolvidos em praticamente todos os escândalos que vêm a público? A resposta tem a ver com o poder que eles detêm e com o ambiente político no Congresso. A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, criou um regime híbrido: é presidencialista, mas tem um parlamento forte. Suas normas obrigam o presidente da República, que é chefe do Poder Executivo, a submeter à aprovação do Congresso Nacional, que é o Poder Legislativo, quase todos os temas relevantes: nomear os diretores do Banco Central e embaixadores, aprovar projetos de lei e medidas provisórias, definir as diretrizes do Orçamento da União, implementar programas sociais e até autorizar questões de rotina, como definir o reajuste do salário mínimo.
Logo, para governar, o presidente tem de ter uma base aliada, com a maior parte dos deputados e dos senadores ao seu lado. Isso facilita a aprovação de propostas do Poder Executivo, o que chamamos de governabilidade. Do contrário, ele corre o risco de ver suas iniciativas recusadas pelo Parlamento, o que pode inviabilizar o governo. Na essência, a ideia era de que o presidente obtivesse maioria parlamentar aliando-se a partidos que tivessem compromissos político-ideológicos semelhantes. Ou seja, a base governista compartilharia um conjunto de princípios básicos e as negociações seriam em torno de prioridades.
“Dando que se recebe”
Mas no Brasil há uma deturpação do sentido original. Para aderir ao governo, parlamentares e partidos não impõem temas que defendem, mas exigem favores, como verbas para projetos regionais, cargos na administração pública ou apoio político. Essa prática levou o deputado federal paulista Roberto Cardoso Alves, morto em 1996, a resumir as alianças que o presidente é obrigado a fazer para governar na frase “é dando que se recebe”. Mais claro, impossível: para ter o voto dos congressistas, o governo federal tem de oferecer algo em troca – prática conhecida como fisiologismo.
É graças a essa realidade que políticos tradicionais como o ex-presidente e ex-senador José Sarney (PMDB) e Renan Calheiros permanecem em evidência por décadas. Eles lideram grandes grupos de parlamentares e têm alto poder de negociação com os partidos do Congresso e também com o governo federal, pois manobram muitos votos no Parlamento. Sarney e Calheiros, por exemplo, tiveram posição de destaque tanto no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso quanto nos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
A distribuição de cargos para congressistas e aliados é uma das principais fontes de corrupção
O sistema também dá muita força aos partidos maiores. O PMDB, por exemplo, que elegeu 66 deputados em 2014, formando a segunda maior bancada, atrás apenas do PT, com 70 eleitos, tem grande poder de pressão e, consequentemente, de barganha.
Para atender a seus aliados, um dos principais instrumentos que o governo federal tem é a distribuição de cargos, tanto a congressistas quanto a aliados que eles indicam. São milhares de postos, muitos deles em funções de alto escalão em órgãos públicos e empresas estatais. E é justamente aí que se perpetua a grande base da corrupção desvendada pela Operação Lava Jato.
Como a máquina federal é gigantesca, é praticamente impossível que o presidente da República controle tudo o que cada um desses altos funcionários faz. Assim, eles têm enorme liberdade para movimentar grandes volumes de dinheiro e, quando agem de má-fé, roubar. A Lava Jato está desvendando o caminho do dinheiro tirado da Petrobrás e mostrando que a empresa vem sendo lesada sistematicamente há décadas. Como ela é muito grande, os valores desviados chegam a bilhões de reais.
Mas a roubalheira, obviamente, não se restringe à petroleira ou às empreiteiras, como outras investigações já demonstraram. E o trabalho policial revela também que nem todo desvio é para benefício próprio. Boa parte do dinheiro desviado é utilizado para sustentar o funcionamento dos partidos e as campanhas eleitorais.
FLAGRANTE Delcídio do Amaral (PT) foi o primeiro senador preso no exercício do mandato desde a redemocratização
ENTENDA A OPERAÇÃO LAVA JATO
A Lava Jato é uma grande operação iniciada pela polícia Federal (PF) em março de 2014 no Paraná para investigar corrupção na Petrobrás. por meio dela, foi denunciado um grande esquema de desvio de recursos envolvendo funcionários da estatal, empreiteiras e políticos, com pagamento de propina e lavagem de dinheiro.
Segundo as conclusões da PF, um grupo de construtoras formou um cartel que decidia a distribuição entre elas dos contratos da Petrobrás. nas licitações, os valores eram superfaturados. a prática ocorria pelo menos desde os anos 1990. parte do dinheiro excedente ficava com diretores da Petrobrás e parte iria para políticos e seus partidos.
Um dos principais instrumentos utilizados pela Justiça durante as investigações para desvendar os crimes é a delação premiada. trata-se da concessão de benefícios a um réu que dê informações sobre um esquema criminoso. se os atos relatados forem comprovados, o réu tem sua pena reduzida ou pode cumpri-la em regime mais brando, como prisão domiciliar, por exemplo. as informações da delação premiada devem correr em segredo de Justiça, mas na lava Jato muitos depoimentos estão sendo seletivamente vazados à imprensa. o governo critica esses vazamentos e afirma que eles estão sendo usados como arma política para prejudicar o PT e poupar outros partidos também denunciados pela Lava Jato.
Nos primeiros meses de 2016, a investigação chegou ao núcleo do PT. segundo denúncia da polícia Federal, o marqueteiro do PT, João santana, teria recebido dinheiro ilegalmente da construtora odebrecht no exterior como pagamento por seu trabalho em campanhas do partido. a confirmação dessa denúncia poderia levar à impugnação da candidatura de Dilma Roussef em 2014 e à consequente perda do mandato. Já o senador do PT Delcídio do amaral teria acertado acordo de delação premiada com o Ministério público Federal. Pela denúncia vazada à imprensa, ele teria acusado dilma de tentar ajudar na libertação de executivos de empreiteiras presos pela Lava Jato.
As denúncias atingem também o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. em março, ele foi conduzido pela polícia Federal a prestar depoimento de forma obrigatória – a chamada condução coercitiva. o Ministério público Federal afirma que lula teria sido beneficiado na compra e reforma de um apartamento na cidade de Guarujá, litoral de São Paulo, e de reformas realizadas num sítio utilizado por ele e sua família em Atibaia, no interior paulista, mas de propriedade de um amigo, Fernando Bittar. as benfeitorias e bens das propriedades teriam sido bancados por empreiteiros com negócios na Petrobrás que queriam agradar lula. o Ministério público Federal ainda acusa o instituto Lula e a empresa lils, ambas ligadas ao ex-presidente, de receber 30 milhões de reais de empreiteiras denunciadas no esquema de corrupção na Petrobrás.
Defesa dos pares
Quando as investigações apontam congressistas como autores de delitos, é comum que haja uma reação de defesa do acusado por seus pares. É o que se chama corporativismo ou espírito de corpo. Os processos de cassação são raros e na maioria dos casos as investigações parlamentares não costumam dar em nada. No entanto, as denúncias recentes são muito graves e colocam os acusados contra a parede. No caso de Eduardo Cunha, há documentos bancários apontando a existência de contas em seu nome na Suíça com milhões de dólares depositados. O deputado nega ser o dono das contas e do dinheiro.
Uma simples suspeita como essa seria suficiente para forçar Cunha ao menos a renunciar à presidência da Câmara, mas ele resiste e rejeita as acusações. E, para manter-se no cargo, conta com o consentimento de um grande número de deputados que formam seu grupo de apoio, construído ao longo dos anos por meio de favores e acordos. São parlamentares que se mantêm fiéis a ele em qualquer circunstância.
Mas não é só. O presidente da Câmara tem grandes poderes: ele define a Ordem do Dia, que é a lista de projetos que serão ou não levados para votação no plenário. Assim, pode facilitar ou dificultar os trabalhos do Poder Executivo, barrando projetos de lei que são do interesse do governo. Outra ação que compete ao cargo é a abertura ou não de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que investiguem membros ou atos do governo, por exemplo.
No entanto, na atual conjuntura política, o presidente da Câmara tem uma outra prerrogativa ainda mais forte: decidir sobre a abertura de casos de processos de impeachment do presidente. Ou seja, o presidente da Câmara tem poder para barrar – ou fazer prosperar – qualquer tentativa de destituir o presidente da República.
Com a autorização da abertura do processo de impeachment contra Dilma, essa prerrogativa confere a Cunha um grande poder de barganha – tanto governo como oposição evitam se indispor contra o presidente da Câmara. Para a presidente, a simpatia dele seria uma espécie de garantia de que o impeachment não prosperaria. E os opositores pensam exatamente o mesmo – que sem Cunha não conseguiriam derrubar Dilma.
Dessa forma, ainda que as graves denúncias tenham minado a sua influência na Câmara, ele conta com o respaldo de muitos colegas na Casa. Até o fechamento desta edição, Cunha permanecia como presidente da Câmara.
SAIU NA IMPRENSA
CONGRESSO NACIONAL RECEBE PIOR AVALIAÇÃO DESDE “ANÕES DO ORÇAMENTO”
A reprovação ao desempenho dos deputados e senadores que estão atualmente no Congresso Nacional atingiu seu índice mais alto desde 1993: atualmente, 53% dos brasileiros consideram o trabalho dos parlamentares ruim ou péssimo. Esse índice é superior ao registrado em junho (42%) e só é superado pelo registrado em novembro de 1993 (56%) e dezembro do mesmo ano (55%), época da revelação do caso dos “anões do orçamento”, que envolvia deputados em casos de desvio de dinheiro do Orçamento da União. O desempenho dos deputados e senadores do atual Congresso é visto como ótimo ou bom por 8%, como regular por 34%, e 5% não têm opinião sobre o tema.
O apoio à cassação do mandato do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), é majoritário entre os brasileiros: 81% avaliam que ele deveria ser cassado, e os demais se dividem entre os que são contrários (7%), indiferentes (4%) ou não têm opinião(9%) sobre essa medida. (…)
Datafolha, 30/11/2015
RESUMO
CORRUPÇÃO NO CONGRESSO
LAVA JATO Deflagrada pela Polícia Federal em março de 2014, a Operação investiga um amplo esquema de lavagem e desvio de dinheiro da Petrobrás, envolvendo executivos da estatal, grandes empreiteiras e políticos de alto escalão. Pela primeira vez, são presos empresários e executivos de grandes empresas como corruptos.
CONGRESSO E CORRUPÇÃO À medida que as investigações da Operação Lava Jato avançam, mais políticos aparecem entre os suspeitos. Recentemente, as consequências atingiram nomes de primeiro escalão, como o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado preso em novembro, e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB–RJ), réu em processo por corrupção.
POLÍTICA E ALIANÇAS Para governar, o presidente precisa ter maioria no Congresso, pois muitas de suas decisões dependem de aprovação dos parlamentares. As alianças, porém, não são feitas sobre ideias, mas como troca de favores. Uma delas é a distribuição de cargos.
DESVIOS Grande número dos cargos negociados é de alto escalão em ministérios e empresas, e seus ocupantes têm acesso a grandes volumes de dinheiro. É aí que surgem as oportunidades de desvios de recursos públicos. Muitos políticos formam ao seu redor grupos mantidos com recursos doados legal ou ilegalmente. Esses líderes adquirem grande poder, pois eles têm nas mãos muitos votos de seus aliados leais nas votações no Congresso.
EDUARDO CUNHA O presidente da Câmara tem inúmeros poderes, como definir o que o plenário vota. Com isso, exerce enorme pressão sobre o Executivo, pois pode tolher suas ações. Eduardo Cunha atrai o interesse tanto no governo federal, pois pode impedir a tramitação do impeachment contra a presidente Dilma Roussef, quanto da oposição, pelo motivo oposto. Por isso, apesar de todas as denúncias contra si, é poupado pelos dois lados da disputa e até o início de março ele conseguia se manter na presidência da Câmara.