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Descobertas recentes sobre as origens do ser humano

Pesquisas antropológicas e genéticas mostram que nossa espécie, o Homo sapiens, carrega em seu DNA as heranças de outros hominídeos

por Martha San Juan França

Imagine a cena: em vários momentos, entre 135 mil e 50 mil anos atrás, hominídeos fortes e parrudos, de uma espécie irmã da nossa (Homo sapiens), carregaram cerca de 35 cabeças de animais enormes com chifres para o interior de uma caverna pequena, escura e sinuosa. Pareciam seguir um padrão que pode ter se repetido por várias gerações. Bisões, rinocerontes, bovinos selvagens, cervos-vermelhos eram mortos fora da caverna e seus crânios trazidos para serem “tratados” ao lado de pequenas fogueiras. Cérebros, mandíbulas e maxilares eram retirados e os crânios com os chifres ficavam amontoados como se fossem troféus de caça.

O que tinham em mente esses hominídeos quando faziam esse ritual? Será que buscavam um significado simbólico nessa atividade? E por que, sendo uma espécie inteligente, acabaram desaparecendo?

Respostas para questões assim é o que busca a equipe de pesquisadores do Museu Arqueológico da Comunidade de Madri, responsável pelas escavações no local, cujo nome é um trocadilho, Cueva Des-Cubierta – em Pinilla del Valle (região central da Espanha). O local também é chamado Vale dos Neandertais, pela quantidade de vestígios de Homo Neanderthalensis ali encontrados.

A descoberta, publicada em janeiro de 2023 na revista Nature Human Behaviour, reforça a hipótese mais aceita hoje de que os neandertais, espécie de hominídeo que se extinguiu há cerca de 40 mil anos, conviveram e intercruzaram com os humanos. Eles não só desenvolviam rituais de caça como produziam artefatos de pedra-lascada. Além dessas ferramentas, também usavam o fogo e possuíam capacidades estéticas e espirituais, como foi sugerido por outros vestígios encontrados em sítios na Europa e no Oriente Médio.

Árvore de muitos galhos

Há cerca de 50 anos, acreditava-se que a evolução humana havia seguido uma progressão linear, uma sucessão de primatas e hominídeos, vindo do Australopithecus para o Homo habilis, daí para o Homo erectus, até chegar na nossa espécie, o Homo sapiens. Provavelmente, foi assim que nossos pais aprenderam na escola, e foi dessa ideia que surgiu aquela velha ilustração sobre a evolução do homem – com hominídeos caminhando em fila – que ainda hoje conhecemos. Segundo a teoria então vigente, os Neandertais eram um fracasso evolutivo, uma espécie de homem das cavernas muito mais primitivo e obtuso do que os humanos, e por isso foram extintos.

Ocorre que, nos últimos anos, o conhecimento sobre nossas origens deu um salto, não só pela descoberta de novos vestígios como pela contribuição fundamental da genética. Hoje é reconhecido que não há linearidade nesse trajeto, e que a chamada “árvore da evolução humana” tem tantos ramos que mais parece uma moita cheia de pequenos galhos. A maioria dos cientistas acredita que existiram muitas espécies diferentes de hominídeos que conviveram entre si (em condições ainda incertas, podendo ter sido esporádica, prolongada, harmoniosa, dominadora, conflituosa…). Há dúvidas e discordâncias, além disso, sobre muita coisa, entre as quais como essas espécies estão relacionadas (e há registros nos DNA de todos nós), quais fatores ambientais ou humanos teriam impactado sua sobrevivência e quais delas simplesmente se extinguiram, sem deixar vestígios.


Ilustração feita pela Enciclopédia Britânica das aparências presumidas do Australopithecus afarensis e de diferentes espécies do gênero Homo (Encyclopaedia Britannica/Universal Images Group via Getty Images)

Quando tudo começou

Sabe-se que, há pelo menos 6 milhões de anos, uma população de primatas na África dividiu-se em duas linhagens, que passaram a evoluir independentemente. A primeira continuou no ambiente da floresta tropical e originou os chimpanzés de hoje, e a segunda, que deu origem aos humanos, foi aos poucos se adaptando a outros ambientes mais abertos nas savanas do leste africano.

Vários desses ancestrais diretos ou relacionados ao nosso passado evolutivo foram e estão sendo descobertos a todo momento. Alguns, como o Australopithecus garhiAustralopithecus sedibaAustralopithecus africanus, são apontados como “irmãos” dos hominídeos. Os vestígios fósseis indicam que muitos haviam se tornado bípedes – ou seja, ficaram eretos no chão sobre dois pés – e assim ganhavam vantagem evolutiva à medida em que o clima das savanas se tornava mais seco e as florestas diminuíam.

Entre todos, o Australopithecus afarensis, conhecido como a espécie de Lucy (cujos fósseis foram encontrados na Etiópia, no nordeste da África), é provavelmente o mais antigo ancestral humano identificado, tendo vivido há cerca de 3,2 milhões de anos. O estudo dos ossos mostrou que Lucy já era capaz de andar de pé, embora talvez se sentisse mais confortável em cima das árvores do que caminhando no chão.

O que aconteceu entre 3 e 2 milhões de anos atrás é cercado de mistério. Mudanças climáticas estavam acabando com florestas, forçando a evolução dos hominídeos para se adaptarem à vida nos campos abertos e enfrentarem grandes predadores. Sabe-se que o gênero Homo apareceu há cerca de 2 milhões de anos. O mais antigo hominídeo de que se tem notícia foi chamado de Homo habilis. Levava uma vida nômade nas savanas do leste da África, alimentando-se de caça e frutas.

Ancestrais diretos

H. habilis recebeu esse nome pois se acreditava ser o primeiro a utilizar ferramentas de pedra lascada. No entanto, hoje se sabe que essas ferramentas já eram usadas anteriormente por outras espécies de hominídeos com quem parece ter coexistido. Para a maioria dos cientistas, no entanto, ele é considerado um dos ancestrais diretos do homem moderno. Recentemente um estudo de pesquisadores de universidades brasileiras, publicado em julho no Quarternary Science Reviews, data artefatos de pedra lascada que teriam sido feitas pelo H. habilis há 2,5 milhões de anos na Jordânia (Oriente Médio), sugerindo que essa espécie teria emigrado 400 mil anos antes do registro considerado até agora como o mais antigo fora do continente africano.

Os mais antigos fósseis de um grupo de outra espécie, o Homo erectus, são datados de 2 milhões a 1,8 milhão de anos. O H. erectus foi o primeiro a ter pernas longas e braços mais curtos, que tornaram possível andar, correr e se deslocar pelas paisagens da Terra como fazemos hoje. Também tinha um cérebro muito maior do que os hominídeos bípedes anteriores, fabricava e usava instrumentos de pedra. Os antropólogos consideram que foi um dos primeiros membros de nosso gênero HomoH. habilis e H. erectus coexistiram por cerca de meio milhão de anos, o que sugere que o erectus não evoluiu do habilis, mas sim de um ancestral comum.

Sabe-se que grupos de H. erectus deixaram a África há cerca de 1,7 milhão de anos e migraram para a Ásia e Europa, sendo seus vestígios encontrados na China e na Indonésia. Uma parte dos antropólogos considera que os fósseis de cérebro grande datados desde 1,7 milhão de anos até 120 mil anos atrás, apesar de nomes diferentes, são todos H. erectus.

Os mais recentes foram batizados de Homo heidelbergensis na Europa ou Homo rhodesiensis na África. Por causa dos tamanhos dos cérebros semelhantes aos tamanhos encontrados atualmente em humanos modernos, já foram chamados de H. sapiens arcaicos, da mesma forma que o Homo neanderthalensis da Europa e do Oriente Médio.

Duas hipóteses

Ao comparar sequências de DNA de neandertais com as do Homo sapiens, descobriu-se que, em algumas populações da Europa, cerca de até 2% do genoma era originário dos neandertais. Isso significa que as duas espécies tiveram cruzamentos durante milênios de convivência. Essa constatação, aliás, deu o Prêmio Nobel de Medicina de 2022 ao geneticista sueco Svante Pääbo, por ter conseguido sequenciar, pela primeira vez, o genoma de um neandertal.

O cientista também fez outra descoberta surpreendente. Ao analisar um fragmento de osso de um dedo de 40 mil anos atrás, sua equipe descobriu que a sequência de DNA não era equivalente a nenhuma das sequências conhecidas de neandertais nem de Homo sapiens. Pertenciam a uma outra espécie de hominídeo, que recebeu o nome de Denisova, em homenagem à caverna localizada na Sibéria onde o osso foi encontrado.

Comparações com sequências genéticas de humanos da atualidade de diferentes regiões do planeta mostraram que também houve interação entre os denisovanos e o Homo sapiens, bem como com os neandertais. Esta relação foi vista em populações da Oceania e em partes do Sudeste Asiático, onde humanos modernos chegavam a portar até 6% do DNA de denisovanos.

Há dois modelos diferentes que interpretam as evidências paleoantropológicas e genéticas sobre a origem da espécie humana. As duas consideram a África como berço da humanidade.

+ o modelo multirregional defende que o Homo sapiens se originou dos vários Homo erectus e dos seus descendentes que coexistiram e intercruzaram;

+ o modelo de origem única considera que o homem moderno se originou há apenas 200 mil anos, na África, exclusivamente do Homo erectus africano. Esse grupo teria feito uma segunda migração da África, inicialmente para a Ásia e a Europa, e substituído todas as populações humanas do mundo, inclusive os seus parentes europeus que deram origem aos neandertais e os descendentes do Homo erectus que haviam emigrado antes para a Ásia.

Seja qual for a teoria correta, é certo que esses diferentes hominídeos conviveram e se relacionaram de forma que hoje somos uma mistura de todos esses ancestrais. O aprofundamento da pesquisa genética e antropológica nos próximos anos promete muitas novidades e descobertas sobre o passado de nossa espécie e suas decorrências até hoje.

 

Para saber mais

A Origem do Homem, documentário do Discovery Channel.

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