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Ditadura Militar: Tempos de chumbo

Com o golpe de 1964, o Brasil passou mais de 20 anos sob uma ditadura militar caracterizada pela violação dos direitos políticos e civis

A ditadura militar no Brasil, instaurada pelo golpe de Estado de 31 de março de 1964, durou 21 anos. Chamada por seus defensores de “revolução”, foi marcada pela ruptura do regime democrático, por forte centralismo e autoritarismo, pela cassação dos direitos políticos de opositores e pela violação das liberdades individuais da população. No período, o país viveu ainda a euforia – e, mais tarde, a decepção – do “milagre econômico”.

Após a deposição de João Goulart seguiu-se uma onda de repressão, que atingiu entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e as Ligas Camponesas. Os militares passaram a decretar os atos institucionais (AI), utilizados para dar força de lei às suas ações. O primeiro deles, o AI-1, imposto em abril de 1964, cassou mandatos e suspendeu a imunidade parlamentar, o caráter vitalício dos cargos dos magistrados, a estabilidade dos funcionários públicos, entre outros direitos constitucionais. Com a cassação de membros da oposição, os apoiadores do golpe tornaram-se maioria no Parlamento, que referendou como próximo presidente o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.

HUMBERTO CASTELO BRANCO (1964-1967)

O militar assumiu com a promessa de que a intervenção seria curta e o poder voltaria aos civis logo que o país superasse os problemas que levaram ao golpe. No entanto, o que se viu foi apenas o início do que seria um longo período de desmandos militares. Três meses após sua posse, Castelo Branco promulgou a emenda constitucional que prorrogou seu mandato até 1967. Em outubro de 1965, editou o AI-2, que estabelecia a eleição indireta para presidente, extinguia partidos políticos e permitia ao Executivo cassar mandatos. O presidente também instituiu o bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de situação, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição – ou o que sobrou dela após as cassações. Foi criado, ainda, o Serviço Nacional de Informações (SNI), uma espécie de polícia política.

Em fevereiro de 1966, como resposta às pressões pelo fim do regime, foi editado o AI-3, tornando indiretas as eleições para governador. Em dezembro veio o AI-4, que fechou o Congresso e determinou as regras para a aprovação da nova Constituição, votada em janeiro de 1967. O texto incorporou os atos institucionais, ampliou os poderes do presidente e reduziu ainda mais a força do Legislativo.

No plano econômico, Castelo Branco implementou uma política recessiva, com seu Plano de Ação Econômica, cuja principal meta era conter a inflação. Para isso, cortou os gastos públicos e aumentou impostos.

ARTHUR DA COSTA E SILVA (1967-1969)

O sucessor de Castelo Branco foi o general Arthur da Costa e Silva, ex ministro do Exército. Em seu mandato, a oposição se acentuou e as manifestações pelo fim do regime se multiplicaram. Em março de 1968, o estudante Edson Luiz Lima Souto é morto pela polícia militar durante uma passeata no Rio de Janeiro. O incidente provoca nova onda de protestos e passeatas estudantis. Em junho, uma manifestação organizada pela UNE contra a ditadura, a Passeata dos Cem Mil, tomou o centro da capital fluminense. Enquanto isso, o governo também era pressionado pelos militares da linha dura, que defendiam a intensificação das ações repressivas. Em setembro, num ousado discurso contra o regime, o deputado oposicionista Márcio Moreira Alves, do MDB, convocou, na tribuna da Câmara, a população a boicotar a parada militar de 7 de Setembro. Profundamente irritados, os militares solicitaram ao Congresso licença para processar o parlamentar. Por não ter obtido autorização para processá-lo, o governo decidiu fechar o Congresso Nacional. Em seguida, decretou o AI-5, iniciando a fase mais dura do regime.

As forças policiais e militares passaram a ter carta branca para prender opositores do governo sem precisar de acusação formal nem registro. A repressão policial aumentou em larga escala, enquanto grupos radicais de esquerda se voltaram para ações de guerrilha urbana.

Ditadura Militar: Tempos de chumboNINGUÉM SE MEXE: Estudantes deitados, sob revista da polícia no Campo de Botafogo (RJ), em 1968: a repressão militar se intensificou após o AI-5

EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI (1969-1974)

Afastado por problemas de saúde, Costa e Silva foi substituído por uma junta militar, que governou o país durante dois meses e realizou a própria reforma constitucional, instituindo, entre outras medidas, a prisão perpétua e a pena de morte a quem praticasse ações “subversivas”. Ao fim do período, os ministros reabriram o Congresso para que os parlamentares pudessem oficializar a escolha do novo presidente, o general Emílio Garrastazu Médici.

Conhecido como “anos de chumbo”, o mandato de Médici foi caracterizado pela multiplicação das acusações de tortura e de desaparecimento de opositores. Espalharam-se pelo país os centros de tortura do regime, ligados ao Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A guerrilha urbana perdeu terreno nas capitais e tentou afirmar-se no interior, como no Araguaia, mas acabou enfraquecida e derrotada. Os dirigentes de esquerda Carlos Marighella e Carlos Lamarca foram mortos nessa época.

Enquanto isso, o regime apelava ao ufanismo, tentando criar a imagem do “Brasil Grande” com projetos megalomaníacos, como a rodovia Transamazônica e slogans do tipo “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Como trunfo, o governo alardeava o vigor da economia. De fato, entre 1969 e 1973, o Brasil viveu o “milagre econômico”, crescendo, em média, 11,1% ao ano. Tal pujança se deveu, entre outros fatores, a uma política de investimentos no setor financeiro, a subsídios e incentivos fiscais para a indústria e a agricultura, à imposição de um arrocho salarial, ao apoio às exportações e a intensos empréstimos no exterior.

A euforia começou a se transformar em decepção com a eclosão da crise mundial do petróleo, ocorrida em 1973, e a escalada das taxas dos juros internacionais. Uma das consequências da política governamental, por exemplo, foi o salto vertiginoso da dívida externa no período, que passou de 3,5 bilhões para 17 bilhões de dólares.

Ditadura Militar: Tempos de chumbo

ERNESTO GEISEL (1974-1979)

O presidente seguinte, o general Ernesto Geisel, enfrentou uma série de dificuldades econômicas e políticas. Era o fim do milagre, e a oposição se fortalecia, provocando temores na cúpula militar pela estabilidade do regime. Diante do contexto adverso, o governo decidiu iniciar um processo de liberalização controlada, e Geisel anunciou o projeto de abertura política “lenta, gradual e segura”.

Ela, de fato, foi lenta e teve grandes solavancos. Apesar da diminuição das denúncias de tortura e da suspensão da censura prévia à imprensa, em outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi encontrado morto nas dependências do Exército, em São Paulo. Segundo a versão oficial, tratava-se de suicídio, mas protestos e manifestações públicas enunciavam a morte de Herzog por tortura.

Um ano depois, foi editada a Lei Falcão, que proibia o debate no rádio e na televisão. Mesmo assim, a oposição venceu as eleições legislativas. O MDB ampliou sua bancada de 12% para 30% no Senado. Na Câmara, o salto foi de 28% para 44%.

Em 1977, ante a iminência de nova derrota eleitoral, Geisel fechou temporariamente o Congresso e editou um conjunto de regras eleitorais conhecido como Pacote de Abril. Entre as principais mudanças estavam a ampliação das bancadas do Norte e do Nordeste na Câmara dos Deputados – o que garantia maioria parlamentar à Arena –, o aumento do quórum para mudar a Constituição de 50% dos parlamentares para mais de dois terços (medida que seria decisiva, em 1984, para a não aprovação da emenda das Diretas Já) e a criação do senador biônico: dos três senadores de cada estado, um passou a ser escolhido diretamente pelos deputados estaduais.

Em 1977, o regime assistiu ao ressurgimento do movimento estudantil e das greves. No ABC paulista, renasceu o movimento metalúrgico, liderado pelo torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva. Em 1978, Geisel enviou ao Congresso emenda constitucional que acabava com o AI-5 e restaurava o habeas corpus. Com isso, abriu caminho para a volta gradual da democracia.

 

JOÃO BAPTISTA FIGUEIREDO (1979-1985)

A gestão do general João Baptista Figueiredo manteve o processo de abertura que culminaria na redemocratização. Em 1979, o presidente decretou a lei da anistia, que permitiu a libertação e a volta ao país dos opositores do regime. Entretanto, de acordo com a mesma lei, a anistia era ampliada aos próprios militares, que não poderiam ser processados pelos crimes cometidos durante a ditadura. No mesmo ano, o pluripartidarismo foi restabelecido e, em 1980, desapareceu a figura do senador biônico, e voltaram a vigorar as eleições diretas para governador.

No pleito de 1982, foram eleitos 12 governadores pelo partido alinhado ao governo e dez pelas legendas de oposição, entre eles os governantes de estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Além disso, a oposição garantiu maioria na Câmara Federal. Mas faltava ainda restabelecer a eleição direta para presidente da República.

O sucessor de Figueiredo deveria ser escolhido pelo Colégio Eleitoral em novembro de 1984. Um ano antes, porém, o deputado oposicionista Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou uma emenda à Constituição que previa a volta das eleições diretas para a Presidência. Ao mesmo tempo que a emenda tramitava no Congresso, a campanha ganhava as ruas de todo o país: eram as Diretas Já, e chegou a reunir 1,7 milhão de pessoas em São Paulo. Mas, apesar disso, a Emenda Dante de Oliveira não obteve os dois terços necessários para sua aprovação.

O regime, contudo, estava definitivamente abalado. O PMDB e uma dissidência do PDS, ligado à ditadura, formaram a Aliança Liberal e lançaram o governador de Minas Gerais Tancredo Neves como candidato a presidente no Colégio Eleitoral. Em janeiro de 1985, ele obteve a maioria, com 480 votos, contra 180 de Paulo Maluf, do PDS. Tancredo, porém, adoeceu três dias antes da posse e morreu sem assumir. A Presidência foi ocupada pelo vice, José Sarney, cuja posse, em 15 de março de 1985, marcou o fim do longo regime militar no Brasil.

Ditadura Militar: Tempos de chumbo
TRANSIÇÃO: Último presidente militar, o general João Figueiredo (à esquerda) seria sucedido por Tancredo Neves (à direita), que morreu antes de assumir o poder

A HISTÓRIA HOJE

COMISSÃO DA VERDADE IDENTIFICA CRIMINOSOS DA DITADURA

Instalada em maio de 2012 para investigar as violações contra os direitos humanos entre 1946 e 1988, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) teve como foco maior de atuação o período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, quando as violações ocorreram de forma mais sistemática, por meio de torturas, assassinatos, sequestros e desaparecimento de opositores do regime. Entre outras ações, a investigação da CNV confirmou um dos casos mais emblemáticos da repressão: o deputado federal Rubens Paiva foi, de fato, morto nas dependências cariocas do DOI-Codi, o órgão de inteligência subordinado ao Estado.

O relatório final, divulgado em 2014, lista 434 vítimas, entre mortos e desaparecidos, da repressão cometida pelo regime. Também foi apresentada uma lista com a identificação de 377 responsáveis por crimes durante o período. A entidade defende que os 196 responsáveis ainda vivos sejam levados à Justiça. No entanto, a comissão não tem poderes para punir criminosos. Isso porque a Lei da Anistia, aprovada em 1979, livra de qualquer processo os que cometeram crimes como funcionários do Estado. A Corte Internacional de Direitos Humanos pressiona para que esses crimes sejam apurados e punidos.

 

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