Literatura: Parnasianismo
A arte pela arte
Os poetas do Parnasianismo (1882-1922) comparam seus poemas a joias e trabalham minuciosamente as palavras e as frases para atingir o belo e a forma perfeita
No Brasil, a poesia parnasiana (durante um período contemporânea do Pré-Modernismo)representou uma oposição à sentimentalidade romântica. A racionalidade e o tratamento objetivo dos temas tinham bases clássicas e buscavam alcançar a perfeição formal. O ideal estético é a principal questão para os parnasianos: os autores não demonstram preocupação com os problemas sociais e valorizam o princípio da “arte pela arte” (segundo o qual a poesia é válida pela beleza expressa). O soneto e a métrica regular são privilegiados. São frequentes as alusões a temas mitológicos clássicos e a informações eruditas. A linguagem rebuscada e a adoção de um vocabulário pouco usual exigem a atenção do leitor. Olavo Bilac é o maior nome do Parnasianismo no Brasil. Forma a “tríade parnasiana” ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.
Os poemas abaixo têm características marcantes do Parnasianismo, como a objetividade, questões estéticas e o uso de vocabulário rebuscado.
Vai-se[1] a primeira pomba despertada …
Vai-se[1] outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada …
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas[2], serenas,
Rufando[2] as asas, sacudindo[2] as penas,
Voltam[2] todas em bando e em revoada…
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais; [3]
No azul da adolescência[4] as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais…[5]
Melhores Poemas, Global Editora, 2001
[1]“SE” COMO REALCE: O uso de “vai-se…”, além de permitir a obtenção do verso decassílabo (12 sílabas) e evitar a cacofonia (“vai a …”), tem a função apenas de um reforço de expressão.
[2]VERBOS: Note a refinada construção sintática: o sujeito “elas” (relativo às pombas) ligase aos verbos seguintes (tanto os que estão no gerúndio, indicando ação em curso, quanto o que está no presente do indicativo, sugerindo uma ação habitual).
[3]COMPARAÇÃO: O poema estabelece uma comparação entre o voo das pombas e o percurso dos sonhos humanos.
[4]MARCADOR TEMPORAL: O trecho remete à manhã (quando as pombas partem) e se refere aos sonhos da juventude.
[5]DIFERENÇA: Uma diferença é estabelecida: enquanto as pombas retornam à tarde aos pombais, os sonhos juvenis não são retomados e, geralmente, não voltam aos corações humanos.
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármore luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.[1]
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera[3] o coração doentio[2]
Em rubras fores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura[4],
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.
Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.[5]
Melhores Poemas, Global Editora, 2007
[1]PERFEIÇÃO FORMAL: O eu lírico descreve o momento de contemplação de um refinado vaso chinês. A perfeição das peças decorativas inspira a perfeição formal que se procura alcançar nos poemas.
[2]METALINGUAGEM: A metalinguagem é um recurso frequente em poesias que falam de procedimentos artísticos. No Parnasianismo, é comum uma obra de arte tratar de outra e dos mecanismos do fazer poético. Aqui, o eu lírico exalta o detalhismo perfeccionista do inspirado artesão.
[3]PRETÉRITO MAIS-QUE-PERFEITO: O poeta diz que viu (pretérito perfeito) o vaso, no qual o artista antes já tinha colocado o “coração doentio”. “Pusera” é uma ação anterior a “vi”, portanto, pretérito maisque-perfeito.
[4]DESCRIÇÃO DE DETALHES: O poema realiza um procedimento de análise da obra de arte: para compreender o todo (no caso, a obra de arte chinesa), o autor se concentra na observação dos detalhes constitutivos das partes do objeto.
[5]SENSIBILIDADE: O eu lírico mostra como o artista chinês conseguiu estimular a sensibilidade do espectador da obra de arte.
O século XVI testemunhou inúmeras modificações no modo de ver o mundo. O teocentrismo medieval cedeu lugar à visão antropocêntrica, e o ser humano passou a ser valorizado. A perfeição formal, buscada pelos poetas da estética clássica – tanto no Classicismo quanto no Parnasianismo –, constituía também o ideal dos demais artistas do Renascimento. Michelangelo, um dos grandes mestres renascentistas, introduz profundas mudanças artísticas ao valorizar a figura humana. Uma de suas principais obras, Davi, é uma gigantesca escultura que retrata o herói bíblico antes da batalha com Golias. Essa luta, da qual Davi se saiu vitorioso, era considerada impossível de ser vencida – a escultura, exaltando a força do herói, revela a confiança depositada nos poderes humanos.
PRINCIPAIS FUNÇÕES DO “SE”
A palavra “se” desempenha diversas funções em português:
- Pronome reflexivo: Indica que o sujeito pratica a ação sobre si mesmo: A pomba se machucou.
- Conjunção subordinativa condicional: Para construir orações subordinadas adverbiais condicionais: Se as pombas voarem, poderão partir dos pombais.
- Conjunção subordinativa integrante: Introduz orações subordinadas substantivas: Preciso ver se as pombas voaram.
- Construção de sujeito indeterminado: Precisa-se de um novo pombal.
- Construção de voz passiva: Compôs-se um novo poema parnasiano (= Um novo poema parnasiano foi composto).
SÁTIRA À FORMA
O poema Os Sapos, de Manuel Bandeira, foi lido por Ronald de Carvalho na noite de 14 de fevereiro, no segundo dia da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo. Trata-se de uma feroz sátira aos versos formais e retrógrados das estéticas literárias atreladas ao passado – entre elas o parnasianismo.
Enfunando os papos,
Saem da penumbra[1],
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”[2]
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado[3],
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.[4]
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
(…)
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”– “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.[5]
(…)
Carnaval. Poesia Completa e Prosa.
Rio de Janeiro: Aguilar, 1974, p.158 (fragmento).
[1]SUPERIORIDADE: A referência ao suposto ar de superioridade parnasiano aparece como escárnio.
[2]TRADIÇÃO: A alusão aos títulos de nobreza e ao parentesco é uma crítica ao tradicionalismo das estéticas literárias do passado.
[3]FORMALISMO: A crítica ao formalismo parnasiano é reforçada ao classificá-lo como “aguado”, sujeito desagradável e chato.
[4]BUSCA DA PERFEIÇÃO: Nova provocação é feita ao ridicularizar o gosto parnasiano pelo poema perfeito.
[5]SONORIDADE: A sonoridade para imitar o coaxar dos sapos é puro deboche. O eu lírico compara a classe dos poetas aos sapos.