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Questões Sociais – Direitos da Mulher: elas quebraram o silêncio

Denúncias de assédio feitas por atrizes de Hollywood vêm à tona e desencadeiam campanhas de apoio à luta das mulheres contra a violência e a desigualdade

Denúncias de assédio feitas por atrizes de Hollywood vêm à tona e desencadeiam campanhas de apoio à luta das mulheres contra a violência e a desigualdade

“Se todas as mulheres assediadas ou agredidas sexualmente escrevessem #MeToo em suas redes, talvez o mundo passaria a ter noção da magnitude do problema”, escreveu a atriz norte-americana Alyssa Milano em seu Twitter, em outubro de 2017. O post, feito em apoio às denúncias de assédio e estupro contra o produtor hollywoodiano Harvey Weinstein, acusado de abusar de dezenas de mulheres, foi o estopim de um movimento estrondoso nas redes sociais, que ganhou a adesão de mulheres de todo o mundo. A hashtag #MeToo foi utilizada milhões de vezes no Twitter, no Facebook e no Instagram em mais de 80 países.

Embora não tenha sofrido assédio por parte do produtor, Milano contracenou com a atriz Rose McGowan, umas de suas vítimas. As denúncias contra Weinstein tiveram início com a atriz Ashley Judd, logo seguida por outras artistas famosas, como Mira Sorvino, Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Uma Thurman, Lupita Nyong’o, Léa Seydoux e Salma Hayek. Depois das acusações, o produtor foi afastado de suas funções e chegou a se desculpar, mas negou as acusações de estupro.

Após os relatos das mulheres de Hollywood, as denúncias de assédio se multiplicaram e atingiram personalidades de diversas áreas. Ainda na indústria cinematográfica, as acusações recaíram sobre atores como Kevin Spacey, Dustin Hofman, Ben Afeck e o diretor dinamarquês Lars von Trier.

Na política, atingiram congressistas americanos, como os democratas Al Franken (senador) e John Conyers (deputado), que renunciou ao cargo. E do esporte veio um dos mais assombrosos casos: mais de 150 atletas e ex-ginastas juntaram forças para apontar os abusos sexuais de Larry Nassar, ex-médico da equipe olímpica de ginástica artística dos Estados Unidos. Nassar foi condenado a, no mínimo, 40 anos de prisão, podendo chegar a 175 anos, pena que se junta a outra de 60 anos que já cumpre, por crimes de pornografa infantil.

#MeToo e o manifesto francês

O espaço conquistado pelo #MeToo e as manifestações que vieram na sequência – como as atrizes se vestirem de preto no Globo de Ouro 2018 como forma de denunciar os assédios sexuais em Hollywood – reacenderam, por sua vez, um outro debate: o limite entre o assédio e o flerte. Cem mulheres francesas, incluindo a atriz Catherine Deneuve e a crítica de arte Catherine Millet, assinaram um manifesto no jornal francês Le Monde, em janeiro de 2018, contra o que consideram exageros do movimento feminista. No artigo, elas afirmam que é preciso não confundir uma “paquera desajeitada” com assédio sexual e ressaltam que muitos homens não tiveram a oportunidade de se defender e foram colocados no mesmo nível que agressores sexuais. O conteúdo da carta – que não deixou de condenar o assédio e considerar o estupro um crime – também destacou que há uma onda de puritanismo por parte da campanha feminista, que por vezes assume feições de ódio contra os homens e a sexualidade.

O posicionamento das intelectuais francesas, por sua vez, também recebeu duras críticas. Uma delas foi não considerar que os homens denunciados utilizavam de sua importância dentro da indústria cinematográfica para assediar as atrizes de maneira sistemática, o que seria diferente de um flerte onde não há relação de poder envolvida. Com a repercussão, Deneuve pediu desculpas às vítimas de abuso sexual, mas reafirmou sua posição inicial.

A cultura do estupro

A reverberação dessas denúncias e a dimensão que elas tomaram levaram a revista norte-americana Time a escolher o movimento #MeToo e as mulheres que romperam o silêncio como a “Personalidade do Ano” de 2017. O silêncio das vítimas a que se refere a revista, e que só agora começa a ser quebrado, é uma conduta constante nos casos de assédio e de violência que atingem mulheres de todo o mundo e de todas as classes sociais – cerca de 35% delas já sofreram algum tipo de violência física ou sexual em algum momento da vida, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Um retrato dessa situação foi divulgado em março de 2017 pelo estudo Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto Datafolha.

Um aspecto da pesquisa que chama a atenção é a alta incidência de assédio contra mulheres em espaços públicos (39% na rua), o que ilustra bem a tolerância cultural e social à violência contra as mulheres. Isso porque, quando uma atitude é socialmente aceita, não há constrangimento por parte da pessoa que a realiza ou das outras pessoas que presenciam essa violência, contribuindo para perpetuar o comportamento. É a “violência invisível”, a que se refere o título da pesquisa, aquela que se incorpora à cultura de tal forma que faz com que os homens não a reconheçam e admitam que a praticam, além de dificultar em muitos pontos as denúncias das mulheres vítimas de assédio e violência sexual.

A expressão “cultura do estupro” expressa o modo como a sociedade naturaliza o comportamento sexual violento dos homens e culpa as vítimas de assédio. Muitas mulheres também não têm consciência do ato que sofreram, vivenciando a agressão como algo “natural” ou que não tem solução – daí também o silêncio. A pesquisa mostra que mais da metade das mulheres entrevistadas não tomou nenhuma atitude, como denunciar ou prestar queixa em uma delegacia, após sofrer o assédio.

Entre 2005 e 2015, há um aumento de 18,9% no número de homicídios. Por volta de 2007, devido à Lei Maria da Penha (2006), ocorre uma retração, mas logo depois a violência recupera sua força, até cair 4,4% no último ano. Mas há profundas diferenças entre os estados, o que se verifica também em relação à taxa por 100 mil mulheres (clique para ampliar) ()

Machismo e patriarcado

Uma das raízes da tolerância à violência está no ordenamento patriarcal da sociedade – a organização da família heterossexual e monogâmica em torno da figura do homem e da autoridade masculina. O homem é considerado o chefe da família e à esposa cabe “se dar ao respeito” e se comportar segundo o papel que foi determinado a ela – o de dona de casa, esposa e mãe. Para validar essa autoridade e corrigir comportamentos femininos que transgridem o esperado, o uso da violência – física ou psicológica – é uma possibilidade sempre sugerida ou exercida por esse chefe patriarcal.

Essa visão da superioridade do homem sobre a mulher, por sua vez, constitui a ideia central do pensamento machista, persistente na sociedade, e o “autoriza” a praticar esse tipo de violência. Segundo o estudo do FBSP e do Datafolha, cerca de 60% dos agressores são pessoas conhecidas das vítimas.

Legislação e feminicídio

Infelizmente, existem formas ainda mais extremas de violência contra a mulher. Em 2015, 4,6 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, uma média de 12 homicídios por dia, segundo o Atlas da Violência 2017.

A promulgação da Lei 11.340 de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, aumentou o rigor das punições para violência doméstica e familiar. Com ela, era esperada uma reversão importante no crescimento da violência contra as mulheres, o que acabou não se concretizando. Em um primeiro momento, em 2007, ocorreu uma queda nos números e na taxa de homicídios, mas já no ano seguinte os índices voltaram a aumentar.

Alguns fatores ajudam a explicar essa situação. São recorrentes os casos em que uma mulher registra sucessivas ocorrências policiais contra o ex-parceiro, mas a lei não é aplicada. As chamadas medidas protetivas, que determinam, por exemplo, uma distância mínima entre agressor e vítima, muitas vezes também não são respeitadas. E em outros casos, a mulher retira a queixa, por diferentes motivos, entre eles não querer que o companheiro seja preso ou por causa dos filhos.

Nove anos depois da promulgação da Lei Maria da Penha, mais um passo importante foi dado no combate à violência contra a mulher: a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), que colocou o assassinato de mulheres no rol de crimes hediondos. Os condenados podem receber a pena máxima de reclusão (30 anos), não têm direito a indulto (perdão) ou anistia, e nem a responder ao processo em liberdade mediante o pagamento de fiança.

Desigualdade global de gênero

Depois de algumas décadas de avanços lentos e constantes em direção à igualdade de gênero, o Fórum Econômico Mundial constatou aumento das disparidades entre homens e mulheres no mundo. Segundo o Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2017, o Brasil caiu 11 posições no ranking em comparação com o ano anterior, ficando em 90º lugar. Em relação à primeira edição da pesquisa, em 2006, a queda foi de 23 posições.

O relatório leva em conta a comparação da desigualdade entre homens e mulheres sob quatro pilares: acesso à educação; saúde e sobrevivência; oportunidade econômica; e empoderamento político. O país mais bem colocado no índice geral foi a Islândia, que resolveu 88% da desigualdade de gênero e permanece no topo da lista há nove anos.

Pelo cálculo atual do estudo, seriam necessários 100 anos para acabar com a desigualdade de gênero em todo o mundo. No ano passado, a previsão era de 83 anos. Em relação às diferenças de gênero no local de trabalho, a organização ainda estima mais tempo: seriam necessários 217 anos para pôr fim à desigualdade, mesmo com mais da metade dos 144 países pesquisados tendo melhorado nesse quesito no último ano

A baixa participação política das mulheres é o principal elemento que motivou a queda do Brasil na pesquisa, embora haja modesto progresso do país no quesito de participação econômica.

Apesar da piora na classificação, o relatório destaca que o Brasil tem melhorado as diferenças de gênero na área de educação. Mas muitas diferenças ainda persistem, como mostram outros indicadores e pesquisas:

Representação política Cerca de 52% do eleitorado brasileiro é composto de mulheres, mas elas ocupam apenas 10% e 16%, respectivamente, das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados e dos 81 assentos do Senado Federal. Desde 2009, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que pelo menos 30% das candidaturas dos partidos políticos sejam do sexo que tem a menor representatividade, no caso o feminino. Mas os partidos têm dificuldade de preencher esse número. Uma das razões seria a falta de investimento e de recursos dos próprios partidos, que priorizam os candidatos homens. Muitas vezes também há falta de interesse por parte das próprias mulheres, sintoma de uma educação que não as forma ou incentiva para esse tipo de atividade. Com a falta de representação política feminina, projetos e temas fundamentais para garantir os direitos das mulheres e a igualdade de gênero são prejudicados.

Dinâmica familiar A participação das brasileiras no mercado de trabalho está estagnada e se mantém em torno de 55% nos últimos vinte anos. E uma das razões para isso está no trabalho doméstico. A responsabilização das mulheres pelos serviços da casa – como cozinha, limpeza e cuidado com os filhos – segue sendo o padrão dominante na sociedade brasileira.

Enquanto os homens solteiros dedicam quase 13 horas semanais aos cuidados domésticos e os casados apenas 12 horas, para as mulheres esse número é de, respectivamente, 19 e 29 horas, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades e Relações de Gênero (Nuderg) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Estudo e trabalho As mulheres estudam mais que os homens, mas ganham menos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística (IBGE), o nível de escolaridade da mulher é maior que o do homem em todas as etapas de estudo e em todas as faixas etárias. Porém, essa escolaridade não resulta em salários melhores. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, elas recebem, em média, 23,9% a menos que eles. As áreas de formação nas quais as mulheres estão em maior proporção – educação, humanidades e artes – são justamente aquelas com menor rendimento mensal. Mas a sociedade e o sistema escolar têm peso nessas escolhas, na medida em que a formação das meninas e dos meninos reproduz a desigualdade de gênero e prioriza determinadas áreas em detrimento de outras.

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RESUMO

Direitos da mulher

Mobilização Feminina Em apoio às denúncias de assédio e crime sexual contra o produtor hollywoodiano Harvey Weinstein, acusado de abusar de dezenas de mulheres, surgiu o movimento feminista #MeToo. A campanha tomou conta das redes sociais em 2017. Relatos de vários lugares do mundo vieram à tona e atingiram personalidades de diversas áreas, da política ao esporte.

Cultura do Estupro Entre os motivos que ajudam a explicar esse quadro estão o ordenamento patriarcal da sociedade (a organização em torno da autoridade masculina) e o pensamento machista (que considera o homem superior à mulher), que permanecem enraizados na cultura brasileira e “autorizam” o homem a praticar a violência. Grande parte dos agressores são parceiros, ex-parceiros ou parentes diretos das vítimas.

Violência Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 35% da população feminina já sofreu algum tipo de violência física ou sexual. O Brasil registra uma das maiores taxas de homicídios de mulheres do mundo, com 4,6 mil assassinatos em 2015. Também são altos os índices de relatos de assédio.

Principais leis Duas leis representam marcos no combate à violência contra a mulher no Brasil: a Lei Maria da Penha, em 2006, que aumentou o rigor das punições para violência doméstica e familiar, e a Lei do Feminicídio, em 2015, que colocou o assassinato de mulheres no rol de crimes hediondos.

Outras desigualdades As mulheres brasileiras têm mais anos de estudo em relação aos homens, mas continuam ganhando, em média, 23,9% menos do que eles. Também são sub-representadas politicamente. Cerca de 52% do eleitorado brasileiro é composto de mulheres, mas elas ocupam apenas 10% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados e 16% dos 81 assentos do Senado Federal. E continuam a despender mais tempo com os serviços domésticos em relação a eles.

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Questões Sociais – Direitos da Mulher: elas quebraram o silêncio
Questões Sociais – Direitos da Mulher: elas quebraram o silêncio
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