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Questões Sociais – Drogas

NOVAS POLÍTICAS ANTIDROGAS EM DEBATE

A percepção de que a guerra ao tráfico fracassou leva países a testar políticas alternativas de controle de drogas

Questões Sociais – Drogas
SEGURANÇA.  Apreensão de cocaína na Colômbia: o país é um dos mais afetados pela política repressiva de guerra às drogasSEGURANÇA Apreensão de cocaína na Colômbia: o país é um dos mais afetados pela política repressiva de guerra às drogas ()

A guerra às drogas fracassou. É o que defende a Comissão Global sobre Políticas de Drogas. O órgão formado por lideranças como o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso acredita que as estratégias baseadas no combate à produção e ao comércio de substâncias ilícitas, na proibição do uso e na punição dos consumidores não surtiram efeito. Ou seja, nem o comércio ilegal das drogas nem o seu uso diminuíram.

Com base nesse diagnóstico, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) realizou em Nova York (EUA) uma conferência extraordinária em abril de 2016 para discutir uma nova  estratégia global em relação às drogas. No entanto, o resultado do encontro decepcionou quem esperava mudanças mais ousadas. Diante da falta de consenso entre os 193 países-membros, o documento final manteve o foco na proibição do cultivo e da produção dos narcóticos e não alterou a abordagem de tratar o usuário como criminoso.

Guerra às drogas

Ativistas e diversas lideranças mundiais, em especial de países latino- americanos severamente afetados pelo narcotráfico, criticaram as evasivas do documento final. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, foi contundente: “A abordagem proibicionista falhou”.

As drogas muito viciantes e potencialmente mais letais, como o ópio, a heroína e a cocaína, começaram a ser proibidas pelos países no início do século XX. A partir dos anos 1960, a ONU aprovou três sucessivas convenções internacionais com metas para erradicar as drogas mais perigosas ao longo do tempo.

Em 1971, os EUA deflagraram a chamada “guerra às drogas”, uma ofensiva para combater a oferta e o consumo dentro do país e nos lugares e países de origem das plantações de coca (Erythroxylum coca, arbusto do qual se extrai a cocaína) e da maconha (Cannabis sativa). A ofensiva norte-americana continuou nas décadas seguintes, com acordos e instalações de bases militares na Colômbia para destruir as plantações e combater os cartéis da droga. As ações, militares ou diplomáticas, incluem também outros países andinos, como a Bolívia, o Equador e o Peru. A ofensiva norte-americana na América do Sul e Central é considerada a possível causa do surgimento e fortalecimento dos violentos cartéis de drogas no México, que são atualmente os principais fornecedores ao mercado norte-americano.

O fato é que, passadas quatro décadas da implementação desse sistema de combate às drogas, seus efeitos colaterais geraram uma série de distorções que ameaçam a segurança mundial.  As proibições legais criaram um mercado paralelo de narcóticos, controlado por organizações criminosas. Muitos desses cartéis de drogas ganharam poder ao se ramificar em redes transnacionais de tráfico mundial.

A repressão de muitos governos à atuação dessas organizações criminosas só piorou a situação. Milhares de pessoas morrem todos os anos em decorrência da guerra entre as forças públicas e os traficantes ou em consequência de conflitos entre as diversas gangues pelo controle de pontos de venda de drogas. A atual estratégia também sobrecarregou o sistema carcerário, que superlotou os presídios com traficantes e consumidores.


LEGALIZAR OU DESCRIMINALIZAR?
Termos diferentes como legalizar ou descriminalizar (descriminar também é correto) são, muitas vezes, usados indistintamente no debate da legislação sobre drogas. Conheça os significados:

LEGALIZAR – Pode ser medida estatizante, controlada ou liberal. Nos debates, a legalização de inspiração liberal é a mais abordada. Significa colocar as drogas proibidas no mesmo patamar de cigarro e álcool, com aspectos de produção e venda regulados pelo Estado.

DESCRIMINALIZAR – Refere-se a descaracterizar o consumidor como criminoso por portar ou usar uma droga, como a maconha, em quantidades definidas por pessoa. O crime seria apenas do traficante. Há brechas na lei brasileira atual, que deixa a possibilidade de prisão de consumidores enquadrados como traficantes. O assunto está em discussão no Supremo Tribunal Federal.


Questão de saúde pública

De modo geral, os ativistas que defendem uma política alternativa para lidar com as drogas argumentam que os narcóticos devem deixar de ser tratados exclusivamente na esfera criminal e que passem a ser encarados como um caso de saúde pública. Essa abordagem reconhece que as drogas afetam a saúde de milhões de pessoas, sobretudo jovens, podendo levar à morte por overdose, suicídios e acidentes fatais causados pela alteração do estado de consciência. Estimativas da ONU apontam que havia 27 milhões de dependentes de drogas ilícitas no mundo em 2013, ano em que morreram 187 mil usuários. As drogas mais associadas a essas mortes são os opioides (heroína, ópio e morfina), drogas extraídas da planta da papoula, altamente viciantes, e usadas principalmente por injeções. Além dos opioides, há mortes provocadas por cocaína, ecstasy e outras drogas sintéticas.

 

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CULTIVO CASEIRO. O Uruguai regulamentou a produção individual de até 480 gramas ou seis plantas de maconha por ano ()

 

Uma política focada na saúde pública, contudo, reconhece que as drogas estão inseridas na sociedade e não parte do pressuposto da atual estratégia de querer eliminá-las, considerada simplista demais diante do atual cenário. Os que pedem mudanças sugerem tirar o foco no combate à oferta de drogas e tentar reduzir o número de consumidores e os volumes consumidos. Para isso, propõem adotar novas políticas públicas, entre as quais:

• descriminalizar os consumidores;

• ampliar a
s ações e campanhas educativas sobre os danos pessoais e sociais causados pelas drogas;

• adotar programas chamados de “políticas de redução de danos”, como distribuir seringas aos viciados para evitar que contraiam doenças e oferecer tratamento aos viciados sem prendê-los.

• adotar regulações menos restritivas de produção, comercialização e consumo para drogas consideradas leves, como a maconha.


As políticas alternativas são mais focadas na saúde pública do que no aspecto criminal


 

As ações sugeridas seriam uma forma de recuperar o poder de ação dos governos sobre a produção e o consumo, aumentar a recuperação de consumidores viciados, os quais tendem a se sentir mais seguros para procurar tratamento, e diminuir o número de prisões. Os críticos dessas alternativas argumentam que manter a proibição ainda é a melhor forma de evitar o aumento de consumidores, pois descriminalizar o uso facilitaria o acesso às drogas e ampliaria o uso e os prejuízos sociais.

Maconha

A regulamentação e a liberação do porte e do consumo da maconha tem sido a principal medida adotada por governos que buscam uma alternativa em relação à atual política antidrogas, apesar do risco de aumentar o número de usuários.

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A maconha é a droga ilícita mais consumida no mundo. Apesar de ser incluída no grupo de drogas leves, como o álcool e o tabaco, ela também afeta a saúde e pode ser perigosa por alterar os estados de consciência. Não há registro de morte direta por intoxicação, mas o uso regular da cannabis in natura pode provocar problemas pulmonares, prejudicar a memória e o aprendizado.

Pesando prós e contras em relação à liberação da maconha, alguns países já permitem o uso controlado da droga. Na Holanda, cultivo, venda e uso livre de maconha são proibidos, mas algumas lojas, os famosos “coffee shops”, nos quais só podem entrar maiores de 18 anos, têm autorização para comercializar a droga desde 1976. Em Portugal, desde 2001 o consumo de qualquer droga está descriminalizado, e o programa é considerado o caso mais bem-sucedido no continente. A Suíça, ao contrário, após liberar o uso de drogas no bairro de Langstrasse, em Zurique, voltou atrás, pois a região caíra sob o controle do crime organizado.

Já nos EUA, o canabidiol, extraído da planta, tem sido utilizado em tratamentos de distúrbios neurológicos diversos. Até meados de 2016, a maconha já havia sido regulamentada como remédio em 24 estados e no Distrito de Columbia (sede do governo federal), e o consumo médico e recreativo em quatro estados, Alasca, Colorado, Oregon, Washington, e na capital federal, Washington D.C. O consumo recreativo é legal também em duas cidades do estado do Maine.

A liberação no Uruguai

A experiência internacional mais recente é também a mais ousada. Em 2014, o Uruguai aprovou uma lei que o torna o primeiro país no mundo a legalizar e regulamentar o plantio, a produção, a distribuição e a venda de maconha sob controle de Estado. O país criou o Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (IRCC), responsável pela gestão pública do novo setor,  controlando o cultivo, a colheita, a produção, a venda e o consumo. A venda da maconha sob essas normas começou em 2015.

A lei regulamenta três formas de acesso: ter até seis pés de maconha em casa, participar de um clube de cultivadores ou comprar até 40 gramas mensais em farmácias autorizadas. O usuário escolhe uma das três formas e submete seu cadastro ao IRCC. Para evitar um indesejável “turismo da maconha”, a lei não vale para estrangeiros. O consumo de drogas já era descriminalizado no Uruguai há décadas. Agora, o mundo acompanha quais serão os resultados dessa experiência inédita.

No Brasil

A atual legislação brasileira sobre drogas, de 2006, criou o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Ela isentou os usuários da pena de prisão, ainda que seja crime portar drogas. Ao usuário, a lei prevê as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo. A quem produz ou trafica entorpecentes, a lei atribui penas de cinco a 15 anos de prisão e multa. Porém, é prerrogativa de cada juiz determinar se um réu é apenas consumidor ou traficante conforme a quantidade apreendida, pois a lei não especifica quantidades para a diferenciação. Esse ponto é o mais criticado, pois favorece a fixação arbitrária da pena de prisão por qualquer juiz.

Uma importante decisão que pode abrir caminho para a descriminalização do uso e porte de drogas no país está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). Em agosto de 2015, a Corte começou a julgar a constitucionalidade de impor qualquer pena (de prisão ou outra) a quem estiver portando alguma substância ilícita ou cultivando maconha para consumo próprio. O julgamento estava suspenso em meados de 2016.

Já quanto ao uso medicinal da maconha, em março de 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a prescrição médica e a importação por pessoa física tanto do medicamento canabidiol quanto dos que contêm tetraidrocanabiol (THC), o princípio ativo da cannabis.

Questões Sociais – Drogas
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Questões Sociais – Drogas
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Drogas

POLÍTICAS INTERNACIONAIS – A proibição de drogas perigosas, como o ópio, a heroína e a cocaína, começou no início do século XX. A partir dos anos 1960, a Organização das Nações Unidas (ONU) encaminhou e aprovou convenções internacionais para erradicar drogas. A maioria das nações criminaliza tanto a produção quanto o consumo das drogas ilícitas.

GUERRA ÀS DROGAS – É uma política deflagrada pelo governo dos Estados Unidos em 1971, para diminuir a oferta de drogas ilícitas, como a cocaína e a maconha, dentro de seus territórios e, com isso, o consumo interno. Ela inclui instalações militares norte-americanas na Colômbia, para destruir as plantações de coca e combater os traficantes, e acordos, ações econômicas e diplomáticas junto a outros países produtores, como Peru, Equador e Bolívia.

CENÁRIO ATUAL – Há instituições e governos que avaliam que as políticas atuais não surtiram o efeito esperado. Além de o consumo de drogas ilícitas no mundo não ter diminuído, as organizações de tráfico se fortaleceram, a violência aumentou e há prisões lotadas. As propostas são da adoção de políticas com foco na saúde pública, que priorizem a redução gradual do consumo e minimizem os danos do uso das drogas em vez de tratar a questão basicamente como de segurança pública.

DESCRIMINALIZAR E LEGALIZAR – Aumenta gradualmente o número de governos que legalizam o consumo da maconha e descriminalizam o usuário, como forma de retomar o controle público, eliminar o mercado negro, o tráfico, a violência e as prisões. A droga ilícita mais consumida no mundo é a maconha, considerada leve como o tabaco e bebidas alcoólicas, porque é pouco letal, embora prejudicial. Nos Estados Unidos, quatro estados e a capital federal, Washington D.C., liberaram o consumo recreativo de maconha. O programa mais ousado foi adotado pelo Uruguai, onde o governo assumiu a produção e o controle como um programa de Estado, e liberou o consumo a todos os cidadãos cadastrados.

 

 

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NOVAS POLÍTICAS ANTIDROGAS EM DEBATE A percepção de que a guerra ao tráfico fracassou leva países a testar políticas alternativas de controle de drogas A guerra às drogas fracassou. É o que defende a Comissão Global sobre Políticas de Drogas. O órgão formado por lideranças como o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e o ex-presidente […]

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