3 fatos reais por trás de Cem Anos de Solidão
Não é à toa que o livro de Gabriel García Márquez, que acaba de virar série, é considerado uma síntese da América Latina
Uma chuva que dura “quatro anos, onze meses e dois dias”, um homem que é perseguido por um bando de borboletas amarelas aonde quer que vá, uma “peste da insônia” que acomete a população e leva a uma perda de memória. Os eventos mágicos e inexplicáveis de Cem Anos de Solidão o tornam um dos maiores clássicos do realismo mágico – mas não é à toa que o nome deste movimento artístico também leva a palavra “realismo”.
A obra-prima de Gabriel García Márquez é considerada por muitos uma síntese da América Latina e, principalmente, da Colômbia. Por isso, não é de se estranhar que alguns fatos reais ocorridos no país apareçam nas páginas do livro – até mesmo aqueles que parecem um tanto inverossímeis. “Ninguém acredita que eu não inventei nada”, afirmou o escritor em diversas ocasiões, “eu não passo de um simples escrivão”.
Veja abaixo três fatos reais por trás de Cem Anos de Solidão.
1. Aracataca é Macondo
Em 1973, a jornalista mexicana Alma Guillermoprieto fazia uma viagem com diversas paradas de Nova York para o Chile. Por acaso, precisou passar pela Colômbia – desceu em Santa Marta e pegou um trem que a levaria até a capital, Bogotá. No trajeto, tomou um susto quando viu a placa, em uma das paradas: “Aracataca”. No prefácio do livro “A caminho de Macondo“, ela conta que não teve tempo de avisar o maquinista e parar ao menos por alguns minutos na cidade que inspirou um de seus livros preferidos, lançado anos antes, em 1967. Apesar disso, vivenciou uma experiência digna do realismo mágico da obra: viu a janela do trem escurecer enquanto atravessavam uma nuvem de borboletas amarelas.
Aracataca é Macondo, de Cem Anos de Solidão. A cidade de pouco mais de 40 mil habitantes, localizada no departamento de Magdalena, Colômbia, é onde nasceu Gabriel García Márquez em 1927. Embora tenha vivido ali apenas por oito anos, quando morou com os avós maternos, Gabo ficou profundamente marcado pelo que viu e ouviu na infância. Os habitantes da cidade, em especial sua própria família, serviram de inspiração para os personagens mais marcantes da obra, como a centenária Úrsula Buendía, que lembra sua avó.
García Márquez afirmou em algumas entrevistas que o nome “Macondo” lhe foi revelado em um sonho – mas como tudo em “Cem Anos de Solidão”, a inspiração tem um pé na realidade, já que no passado de fato existiu um povoado com este nome próximo à Aracataca.
Houve, inclusive, um referendo em 2006 para mudar o nome da cidade do escritor para “Aracataca-Macondo”, mas a ideia fracassou devido ao baixo comparecimento. Hoje, uma década após a morte do escritor, o município atrai fãs da obra, e estampa o nome e o rosto de Gabo por todos os cantos.
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2. A Guerra dos Mil Dias
Assim como o coronel Aureliano Buendía, de Cem Anos de Solidão, o avô de Gabriel García Márquez, Nicolás Márquez, também era um veterano da Guerra dos Mil Dias. É isso mesmo, a lendária guerra entre liberais e conservadores que é pano de fundo do romance assolou a Colômbia na vida real.
Travada oficialmente entre os anos de 1899 a 1902, a disputa veio na esteira de outras guerras civis colombianas. Uma das motivações iniciais foi a defesa do Estado laico por parte dos liberais, que defendiam ideais alinhados à Revolução Francesa.
Com os anos de devastação que se seguiram, no entanto, a disputa pelo poder foi perdendo o propósito, e os colombianos pouco compreendiam o sentido de tudo, como Gabo bem retrata em Cem Anos de Solidão. Estima-se que 100 mil pessoas tenham morrido na guerra. Os que sobreviveram, em especial do lado derrotado (liberais), viveram o resto dos seus anos relegados ao descaso do governo e esperando uma pensão que não veio.
A disputa também ajuda a entender um importante aspecto geopolítico da região: com a guerra, a Colômbia perdeu o controle da província do Panamá, que em 1903 declarou-se independente com o apoio estadunidense. Os americanos, é claro, miravam um interesse em específico: queriam o controle do futuro Canal do Panamá, já em construção na época e que hoje liga o Oceano Atlântico ao Pacífico.
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3. O massacre esquecido
O ano era 1928, e um grupo de trabalhadores da cidade de Ciénaga (que fica a cerca de 60km de Aracataca, a Macondo da vida real), resolveu se organizar para reivindicar melhores condições de trabalho. Eles eram contratados da United Fruit, uma grande empresa americana que plantava bananas na região. Este foi o primeiro grande levante de trabalhadores da Colômbia, e terminou em tragédia.
Pouco antes da paralisação completar um mês, o exército colombiano, em acordo com os Estados Unidos e dirigentes da United Fruit, chegou à cidade e se deparou com os trabalhadores na praça principal. Eles aguardavam as negociações junto de suas famílias, incluindo mulheres e crianças, quando soou o aviso de que deveriam se retirar em 5 minutos. Transcorrido este tempo, o exército abriu fogo contra a multidão. Estima-se que 2000 pessoas tenham sido mortas, mas muitos corpos nunca foram encontrados.
Com uma pitada de fantasia (como a amnésia coletiva que abateu a população de Macondo depois do massacre), Gabo contou o evento com exatidão em seu livro. Isso inclui as demandas dos trabalhadores, que pediam por um dia de folga remunerada na semana e queixavam-se das acomodações em que viviam.
Os operários aspiravam a que não os obrigassem a cortar e embarcar banana aos domingos, e o pedido pareceu tão justo que até o Padre Antonio Isabel intercedeu em seu favor, porque o achou de acordo com a Lei de Deus. […]
[…] A revolta dos trabalhadores se baseava desta vez na insalubridade das vivendas, na farsa dos serviços médicos e na iniquidade das condições de trabalho. Afirmavam, além disso, que não eram pagos com dinheiro de verdade, e sim com vales que só serviam para comprar presunto de Virgínia nos armazéns da companhia.
Até os eventos mágicos incluídos na obra de García Márquez têm, na verdade, uma explicação bastante lógica. Na vida real, o governo tentou a todo custo encobrir o massacre, e convencer de que ele nunca havia acontecido. No livro, este esquecimento torna-se literal: nenhum dos moradores parece se lembrar do acontecido, exceto José Arcadio Segundo, um dos líderes do levante.
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