Como eram, na realidade, os casamentos na época de Bridgerton
No sistema casamenteiro da aristocracia, as damas eram expostas aos nobres como peças em uma vitrine - e, definitivamente, não havia lugar para o amor
A terceira temporada de Bridgerton traz, enfim, a história de Penelope Featherington (Nicola Coughlan). A melhor amiga de Eloise (Claudia Jessie) é a primeira protagonista da série que não é uma Bridgerton. Mas, se dependesse ela, esse status seria temporário. A jovem nutre por anos uma quedinha por Colin Bridgerton (Luke Newton), o filho aventureiro da família, e tem esperanças de um dia engatar um casamento com o rapaz. Mas, aqui entre nós, a possibilidade de um amor romântico não era algo muito presente entre a aristocracia britânica. A vida das mulheres da alta sociedade no período era um pouco mais complicada do que a série da Netflix mostra…
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Claro, ninguém aqui está dizendo que Bridgerton é uma aula de História. Sabemos que a produção é puramente ficcional e, em vários momentos, chega a beirar os contos de fadas. A adaptação dos livros da americana Julia Quinn é famosa justamente pela sua diversidade e seus toques modernos no gênero de romances históricos.
Tratando-se da realidade, no entanto, é inegável que o jogo muda de figura. Penelope é uma jovem em sua terceira “temporada”. Não, não a temporada da série. A temporada social, como era chamado o período em que as debutantes se apresentavam oficialmente à sociedade inglesa. Isto é, é a terceira vez que a moça tenta encontrar o seu par durante as festividades sociais. Nisso a série acerta: para a sociedade da época, tantas temporadas sem arrumar um marido era o equivalente a selar o destino de “solteirona” ou de “ficou para titia”.
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Matches para poucos
Antes de embarcar no mundo dos casamentos da temporada inglesa, vamos deixar uma coisa bem clara: estamos falando de uma parcela minúscula da população. A Londres de Bridgerton é, na verdade, a representação de uma pequenina porção da realidade da cidade. No período em que a série se passa, na década de 1810, a capital borbulhava com os avanços industriais e dos transportes, mas sofria com os graves problemas sociais associados ao crescimento da classe operária, que se apertava em casebres e vivia a mercê da fome, da miséria e de doenças.
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A pirâmide social do período era rigorosa e com pouca mobilidade: havia a aristocracia, composta principalmente pela nobreza latifundiária; a classe média emergente, com profissionais liberais e comerciantes (sem títulos nobiliárquicos); e a classe trabalhadora, com os operários, mineiros e outros funcionários domésticos.
Os Bridgertons, assim como quase todos os personagens da série, estão no topo dessa cadeia. São duques, marqueses, condes, viscondes e barões que vivem dos lucros de suas propriedades. Não é à toa que são amigos e frequentam as festas da própria Rainha Charlotte (1744-1818).
Sendo assim, todos os eventos, e o próprio sistema de matches casamenteiros da temporada, era algo exclusivo à aristocracia. Um duque dificilmente se casaria com alguém da classe média, como, por exemplo, a modista da série. Essa rígida mobilidade social pôde ser vista na primeira temporada, na própria relação entre Daphne e Simon.
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O que era a “season”, a temporada social?
Agora que já sabemos a quem estamos nos referindo, vamos, enfim, ao assunto: a “season”, ou melhor, a temporada social inglesa. O que era e para que servia a maratona de eventos sociais promovida entre a aristocracia? Uma vez ao ano, usualmente por volta de novembro e até o fim do verão, os nobres saíam de suas propriedades na área rural do país para se encontrar em Londres e participar de uma série de eventos sociais. Bailes, exposições, jantares, corridas de cavalo, concertos, apresentações artísticas, competições esportivas… o céu era o limite para a alta sociedade, que se hospedava em suas próprias mansões na capital.
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Oficialmente, a temporada acontecia porque os chefes de família precisavam exercer seus deveres políticos no parlamento britânico. A nobreza e os membros das casas parlamentares eram quase uma coisa só e, por isso, precisavam estar em Londres para os deveres anuais do novo parlamento. Este costume teve origem entre o século 17 e 18, mas chegando ao 19 a temporada já era mais conhecida pela sua essência, digamos, colateral: arranjar casamentos.
Com as famílias aristocráticas todas reunidas em Londres, não havia melhor período para as mamas (como eram chamadas as matriarcas) arranjarem seus filhos e filhas com a prole de outras nobres famílias. Como acontecia também na realeza, os casamentos eram vistos como arranjos financeiros, oportunidades de agregar títulos, rendas e propriedades. Ainda que não houvessem a mesma frieza que a dos príncipes e princesas, os casamentos aristocráticos dificilmente eram feitos em nome do amor.
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Mercado de damas
Dessa forma, qual era o papel das mulheres nesse sistema casamenteiro? Ao atingirem uma certa idade, geralmente em torno dos 17 e 18 anos, as jovens eram formalmente apresentadas à rainha em uma cerimônia no Palácio de Buckingham – todas vestidas de branco, para representar sua pureza. Assim como mostrado na série, a apresentação representava o seu debut na sociedade, isto é, o registro simbólico da sua disponibilidade para se casar e, assim, dar sequência ao regime aristocrático.
A partir daquele momento, elas deixavam de ser meninas e se tornavam mulheres. O resíduo desse costume pode ser visto até os dias hoje, com as famosas festas debutantes celebradas aos 15 anos.
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Após a apresentação, se iniciava a maratona de pretendentes. Tal qual os antigos programas de namoro da televisão, as moças se introduziam e eram introduzidas a dezenas de outros rapazes aristocráticos – a quem sempre cabiam a decisão final de pedir a mão da dama. Saíam na frente aquelas que tinham talentos considerados notáveis para uma dama, como saber bordar ou tocar piano. Mas, claro, achar que características como personalidade e beleza eram os fatores decisivos seria pura inocência. No fim do dia, importavam mesmo:
- Status social da jovem;
- Conexões familiares;
- Fortuna pessoal;
- Herança e sucessão.
Aquelas que davam check em todos os itens da lista eram as mais cobiçadas. Fenômeno que, sejamos justos, também acontecia com os homens: os solteiros mais nobres eram como presas nas mãos das ansiosas mamas que queriam garantir um bom futuro a suas filhas. Mas a igualdade para por aí.
Enquanto a uma dama era considerado feio estar em sua terceira ou quarta temporada, aos homens era assegurado o direito de se divertir o suficientemente antes de decidir “sossegar o facho” e enfim se casar. A eles, eram incentivadas longas viagens pelo continente europeu, noites com prostitutas e festas em clubes. Para as mulheres, na contramão, a virgindade e o cultivo por interesses domésticos e matrimoniais eram obrigatórios.
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Ainda que fosse possível encontrar o amor em meio a esse sistema – tanto quanto é possível encontrar uma nota de cem reais na rua –, o sentimento não era uma prioridade. O mercado casamenteiro era cruel, mas especialmente cruel com as mulheres, vistas meramente como ventres para gerar herdeiros. Bridgerton, como já dissemos, é ficcional, mas um de seus aspectos mais irreais é justamente a ideia dos personagens se casarem por amor.
Na vida real, a temporada inglesa perdeu força após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando, em meio a crises financeiras, os nobres foram obrigados a venderem suas casas em Londres. No entanto, o costume prevaleceu por ainda mais algumas décadas. A própria rainha Elizabeth, e sua irmã Margaret, frequentaram alguns dos últimos bailes das temporadas. A última cerimônia oficial de debut das jovens aristocráticas inglesas aconteceu em 1976.
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