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“Guerra Civil”: o que o filme com Wagner Moura ensina sobre História e política

Abordando uma guerra fictícia nos EUA, obra promove discussões sobre violência política, xenofobia e o papel da imprensa na manutenção da democracia

Por Luccas Diaz
Atualizado em 24 abr 2024, 19h14 - Publicado em 24 abr 2024, 19h00
Pôster do filme "Guerra Civil", de 2024.
 (A24/Divulgação)
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Guerra Civil” (2024) é o novo filme do diretor Alex Garland, nome por trás de outros longas premiados, como “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2015) e “Aniquilação” (2018). O longa, como o título já indica, retrata uma violenta guerra civil que assola os Estados Unidos em meio a uma polarização política extrema. A partir da viagem de quatro jornalistas pelo interior do país, acompanhamos o avançar desse conflito, que é nitidamente inspirado em questões do atual cenário estadunidense.

O thriller distópico ganhou destaque na imprensa brasileira por ter um dos protagonistas interpretados pelo ator Wagner Moura, que ao lado de Kirsten Dunst, Cailee Spaeny e Stephen McKinley Henderson, dá vida à trupe de jornalistas que cobre a guerra para a Reuters, maior agência internacional de notícias do mundo.

A obra é um prato cheio para o estudante que busca repertório sobre polarização política, o papel da imprensa, violência política, patriotismo e xenofobia. Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE adentra as principais reflexões levantadas pelo filme.

Um país dividido

Algo que chama atenção em “Guerra Civil” é o fato de que os motivos pelos quais a guerra se iniciou, ou até mesmo quais são os “lados” do conflito, não estão exatamente às claras – a história começa já com o bonde andando. É parte da função do espectador ir montando as peças do quebra-cabeça. Observa-se, porém, que o conflito já dura há um certo tempo, e algumas regiões do país até mesmo optam por ignorar o conflito e fingir normalidade – de maneira semelhante como algumas pessoas fizeram durante a pandemia da Covid-19.

O que sabemos é que os Estados Unidos está sendo governado por um presidente fascista em seu terceiro mandato, e dois estados, Texas e Califórnia, uniram forças com o intuito de se separar do país. Ainda que haja uma alusão ao ex-presidente Donald Trump e a outros políticos que ameaçam o sistema democrático, nota-se que não é um conflito travado necessariamente entre os democratas e os republicanos (os dois principais grupos políticos dos EUA).

A disputa verdadeira é entre aqueles que permanecem fiéis ao presidente – que desfez sua lealdade à constituição americana e dissolveu o FBI – e aqueles que lutam contra o tirano. Ao longa da história, vamos entendendo que o populista virou a população contra si mesma, incentivando os civis leais a sua ideologia a atacaram o tal “inimigo”. Propagando que os “vilões” seriam precisamente aqueles que se mostravam contrários aos seus valores tradicionais, políticas conservadoras, xenofóbicas e racistas. Parece familiar?

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Inspirações na vida real

Na vida real, a aliança (batizada no filme de Forças Ocidentais) entre os dois estados seria algo altamente improvável, visto que o Texas tem uma política notoriamente conservadora, enquanto a Califórnia é mais progressista. Mas o filme de Alex Garland sabe disso e usa dessa estranha união como uma forma de dimensionar o conflito. Os dois estados são justamente os que têm o maior número de imigrantes dos EUA: a Califórnia, com 10,4 milhões, e o Texas, com 5,2 milhões. E são eles, os imigrantes, que desempenham um papel de destaque na hora de entender as bases desse conflito.

Em determinada cena do longa, os personagens abastecem o carro em um posto de gasolina e, na hora de pagar, têm seus dólares americanos recusados pelos funcionários do posto. Em seguida, oferecem dólar canadense como forma de pagamento e a proposta é aceita rapidamente. A cena indica que houve uma desvalorização da moeda estadunidense e uma consequente decadência da economia do país.

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Na ótica do presidente e seus estados fiéis, um dos responsáveis pela crise econômica seriam os imigrantes, os “falsos cidadãos” que “roubam” o trabalho dos locais. Mentalidade essa que fica explícita durante a cena mais angustiante do filme, em que um homem armado pergunta para o grupo de protagonistas se eles eram americanos de verdade. Ao fundo, há uma vala comum abarrotada de corpos. Um dos jornalistas é alvejado quando responde que é de Hong Kong.

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“‘Make America Great Again‘ era a máxima da campanha de Trump, assim como os meios para devolver aos EUA seu louvor: construir uma muralha anti-imigrantes”, diz Tiago Gayet, pós-graduado em Sociologia pela USP e professor de História do Colégio Oficina do Estudante, em relação às inspirações do filme. “Lembra bastante o modus operandi do nazi-fascismo do entreguerras (1919-1939), de enaltecer uma construção idílica de pátria, colocá-la ‘acima de tudo’ e apontar supostos culpados indesejáveis nesse paraíso a ser construído: comunistas, judeus, populações racializadas etc.”

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Segunda Guerra de Secessão

A única guerra civil enfrentada na história dos Estados Unidos foi a chamada Guerra de Secessão (1861-1865), travada entre o norte e o sul do país e com a escravidão no centro do conflito. De um lado, aqueles que gostariam que o formato se mantivesse, do outro, os que prezavam pela libertação dos escravizados e o aumento da população consumidora do país.

Ainda que a guerra do filme seja separada por quase dois séculos do episódio, é nítido que os tempos mudaram, mas alguns mecanismos mantiveram-se os mesmos.

“Uma guerra travada por questões raciais, iniciada nos principais centros urbanos, repleta de fake news e de pessoas que procuram a neutralidade diante do conflito e em que brancos patriotas apoiam um presidente racista e defendem o massacre de imigrantes”, explica Tiago. Para o professor, são vários os momentos da História em que a separação da sociedade em dois grupos culminou em conflitos inflamados por uma polarização política, como foi a Revolução Francesa.

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Alex Garland, o diretor do longa e que também assina o roteiro, contou que escreveu “Guerra Civil” em 2020, no fim do mandato de Donald Trump e antes da invasão do Capitólio, em janeiro de 2021. A história seria uma hipérbole do cenário não apenas estadunidense, mas mundial em frente às ondas de ataques antidemocráticos, orquestrados principalmente pelos governos de extrema-direita por meio da disseminação de notícias falsas.

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“Na França, a extrema-direita cresce e ameaça ganhar eleições; na Alemanha, núcleos neonazistas também somam recorde histórico desde o fim da Segunda Guerra. Nos EUA, Trump ressurge com forças renovadas. Não existe polarização, mas sim uma verdadeira campanha de radicalização das pessoas para que encontrem um culpado entre as minorias (pessoas racializadas, LGBTQIA+, minorias religiosas, imigrantes), e elejam políticos da extrema-direita”, afirma o professor de História. Para ele, a suposta polarização acontece quando pessoas contrárias a esses valores extremistas resolvem fazer oposição.

Papel da imprensa na cobertura de guerra

Outro ponto levantado pela história – e igualmente destacado – é o papel da imprensa na cobertura de guerra e, consequentemente, na manutenção da democracia. Fica subentendido que a internet e a comunicação foi limitada no país, e que os grandes veículos de imprensa foram ou estão sendo brutalmente atacados. Entretanto, o grupo de quatro jornalistas que acompanhamos durante todo o filme inicia uma jornada em direção a Washington, na tentativa de conseguir uma última entrevista antes que as Forças Ocidentais cerquem o presidente.

Dois deles são fotojornalistas: a personagem de Dunst, uma veterana premiada já cansada do trabalho, e a de Cailee Spaeny, uma idealista que está no início da carreira. Na relação de pupilo e mestre que se desenvolve entre as duas, observamos Dunst passar alguns dos valores éticas adotadas por profissionais da imprensa que cobrem conflitos como estes. “Nós gravamos para que outras pessoas possam fazer as perguntas”, diz a personagem de Dunst em certo momento.

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Sabe-se que em Washington, favoráveis ao presidente matam sem titubear todos aqueles que vestem o colete escrito “Press” (“imprensa”, em inglês), uma nítida referência à maneira como a imprensa é atacada em todo regime antidemocrático.

Ainda que o filme também problematize a carreira – sobretudo de jornalistas viciados em adrenalina, como o personagem de Wagner Moura –, ele mostra o papel da cobertura de guerra em cenários como esse.

Ainda que seja desconfortável ver os personagens fotografando indivíduos serem brutalmente assassinados, sem ajudar ou interferir, basta uma rápida folheada nos livros de História e Geografia para entender a importância que algumas fotos têm na compreensão de eventos. Ainda que o tempo passe, elas vão sempre nos lembrar da realidade daqueles episódios. Basta pesquisar por ‘Garota Napalm’ e ‘Sexta-feira Sangrenta’ no Google.

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“É um filme que aborda temas que são muito atuais e podem cair nas provas de História, Geografia, Redação, Língua Portuguesa, Sociologia, Atualidades, Filosofia e por aí vai. Vestibulares como a Fuvest Unesp, Unicamp e Enem são fortes candidatos para trazerem à luz esse debate”, conclui o historiador.

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