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Oito novelas da última década que pautaram temas sociais

Você sabia que uma novela chegou a influenciar no aumento de denúncias de violência contra a mulher?

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 20 ago 2021, 10h57 - Publicado em 12 out 2020, 14h15

Vez ou outra o GUIA DO ESTUDANTE escreve textos sobre como utilizar uma série da Netflix ou um filme sucesso de bilheteria no tema da redação, já que eles servem de argumento ou exemplificação para importantes temas da atualidade. Mas você já parou para pensar que, se o Enem e outros grandes vestibulares como da Unesp optam por abordar temas da realidade social brasileira, seria interessante você usar produções do nosso país para argumentar? E mais, produções populares, que chegam a uma grande parcela da população – praticamente a todas as casas?

Pode não parecer, mas as telenovelas brasileiras dialogam, e muito, com o que acontece em nosso país, e realidade e ficção se influenciam o tempo todo. Quer um exemplo? Em 2008, a novela A Favorita foi ao ar e, entre seus muitos núcleos e personagens, estava o casal Léo e Catarina, interpretados por Jackson Antunes e Lília Cabral. Na trama, Catarina era vítima de violência doméstica, e a progressão das agressões psicológicas e verbais para a física foi tão bem construída ao longo dos capítulos que sensibilizou o país todo. Tanto que uma pesquisa realizada no final daquele ano associou a exibição da novela ao aumento das denúncias por mulheres vítimas de violência: a Central de Atendimento à Mulher registrou 32% mais denúncias em 2008 do que em 2007. 

O caminho contrário, é claro, também acontece: muitas novelas pautam (ou deixam de pautar) temas conforme a reação do público e as discussões em alta no momento. Em 1996, a professora e pesquisadora de história de cinema Esther Hamburguer escreveu ao jornal Folha de S. Paulo sobre como a novela O Rei do Gado ganhava “um toque de realidade jornalística” ao inserir o Movimento Sem Terra (MST) na trama. Apesar da tentativa de pautar o movimento, a novela recebeu críticas do líder do MST – o de verdade – que, na época, criticou o tom conciliatório assumido pelo autor da novela, Benedito Ruy Barbosa. 

Repletas de contradições, as novelas viraram tema de estudos de diversos grupos de pesquisa e teses universitárias e dão cada vez mais indícios de que são uma rica fonte de informações e reflexões sobre a sociedade brasileira. Por isso, reunimos oito novelas da última década que pautaram temas sociais amplamente explorados nos vestibulares. Quem sabe você não resolve maratonar alguma delas?

Lado a Lado

De 2012, foi uma novela de época, assim como geralmente são as exibidas na faixa 18h na Globo. Mas diferentemente de muitas outras, conseguiu lançar mão de recursos típicos das novelas – como romances conturbados e reviravoltas – sem trair os fatos históricos da época que retrata. E por isso pode ser muito bem aproveitada não só em redações, como já mencionamos, mas também para aprender história! Situados no início do século 20, os personagens de Lado a Lado vivem ou assistem a eventos importantes da época, como a Revolta da Chibata, a Revolta da Vacina e a reforma urbanística implementada no Rio de Janeiro que destruiu cortiços e forçou o surgimento da primeira favela carioca, o Morro da Providência. 

Além disso, a novela retrata as raízes do racismo estrutural brasileiro, que permaneceu e ganhou novas nuances após a abolição da escravidão. A protagonista da novela, Isabel (Camila Pitanga), era neta de ex-escravos e isso moldou profundamente a construção de sua família. 

Outros temas abordados pela novela foram a luta das mulheres por direitos (a personagem de Marjorie Estiano chega a ser internada num sanatório por divorciar-se e querer trabalhar) e os aspectos culturais da época que influenciaram para sempre a sociedade brasileira, como o futebol e o samba (que, aliás, está logo na abertura). 

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Velho Chico

A novela surpreendeu principalmente a crítica especializada quando foi ao ar, em 2016, pelos recursos audiovisuais refinados e a estética muito diferente da que é normalmente adotada em telenovelas. Mas não foi apenas nesse quesito que a novela trouxe avanços: a complexidade da trama, que teve como protagonista o próprio Rio São Francisco, também surpreendeu. A pesquisadora da Unesp Silvia Beatriz Adoue escreveu em coluna ao jornal O Globo que, apesar de se passar nos anos 1960, a novela trazia referências de três períodos complexos da economia agrícola brasileira: “o velho latifúndio, a tentativa da modernização e democratização com a formação de cooperativas de agricultores familiares, e o período atual”

Na trama, tudo isso era construído por meio do conflito entre o Coronel Saruê, dono de terras na cidade fictícia de Grotas de São Francisco – que ainda adotava um modo de produção exploratório em relação ao meio ambiente e aos pequenos produtores que produziam para ele – e os trabalhadores, que fundam uma cooperativa para buscar independência e práticas agrícolas mais conscientes ambientalmente.

Como lembra Silvia Adoue, a novela discutia mais do que questões ligadas a um modo de produção responsável com a natureza, mas pautava “práticas políticas associadas à estrutura agrária e que aparecem bem representadas na promiscuidade entre os políticos e os grandes proprietários”. 

“Tropicália”, de Caetano Veloso, foi o tema da trama.

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A Força do Querer

A novela, que está sendo reprisada na Globo em 2020, foi exibida pela primeira vez em 2017. Esta foi a primeira vez que uma telenovela brasileira tratou com atenção a transexualidade. Por meio da personagem interpretada por Carol Duarte, retratou o processo de transição de Ivana para um homem trans, Ivan. A ativista Helena Vieira afirmou em entrevista ao site Nexo que é importante que novelas tragam essas discussões porque elas, geralmente, têm mais que uma reportagem exibida em telejornal.

“Quando Aristóteles fala de teatro na ‘Poética’, ele  fala do efeito catártico. As pessoas se envolvem emocionalmente com uma peça e se redimem com o desfecho, quando ocorre a catarse”, explicou, dizendo que, em determinado ponto da novela, as pessoas passaram a torcer para que a mãe do menino transexual passasse a tratá-lo no gênero masculino. Isso aconteceu quando a mãe viu que ele havia sido agredido na rua.

 

O Outro Lado do Paraíso 

Além de tratar do tema da violência doméstica –  embora de forma não tão nuançada como em A Favorita –  a novela, exibida em 2017, também ganhou destaque pela personagem Laura, interpretada por Bella Piero. A menina passa boa parte da trama tentando desvendar as origens de trauma que a tornou retraída e insegura em diversos aspectos, principalmente em relacionamentos. A revelação veio próxima ao final da novela: ela havia sofrido abusos sexuais do padrasto durante boa parte da infância

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A forma como a novela retratou o processo de descoberta do trauma pela jovem, no entanto, gerou uma série de críticas, já que ela era atendida por uma coach que conduzia sessões de hipnose, e não por um psicólogo –  profissional capacitado para lidar com esses casos. 

Os Dias Eram Assim 

Era para ter sido uma série, mas acabou saindo tão longa que mesmo críticos de novelas acabaram classificando-a como mini-novela. Exibida em 2017, na faixa das 23h, trouxe para o ano em que a política brasileira já fervilhava com a polarização em torno de vários temas, entre eles a ditadura militar. A trama destacou (de forma quase didática) como mesmo as pessoas que não lutavam ativamente contra o regime militar sofriam com a perseguição, e chegou a exibir cenas de tortura e estupro que mulheres sofriam nos porões da Ditadura. 

A novela também teve êxito ao retratar o impacto do HIV nas décadas de 70 e 80, uma doença que à época era ainda mais cercada de tabus e preconceitos do que hoje e matava muitos jovens. 

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Malhação – Viva a Diferença

Exibida pela primeira vez em 2017 e 2018, esta edição da Malhação também voltou ao ar em 2020. Essa é considerada uma das temporadas mais inovadoras em relação a vários temas. Embora a orientação sexual já tenha sido pauta de outras Malhações, essa foi a primeira a retratar um casal lésbico, Lica (Manuela Aliperti) e Samantha (Giovanna Grigio). A novela também discutiu gravidez na adolescência, mostrando as dificuldades que as jovens que têm filho cedo encontram, mas sem caracterizar o momento como o fim da vida delas e muito menos sinônimo de abandono escolar. 

Por fim, a temporada também incluiu uma personagem com síndrome de Asperger, Benê (Daphne Bozaski), que mostrava a complexidade e diversidade de pessoas que fazem parte do espectro autista. 

Órfãos da Terra 

O sucesso da novela, que ganhou prêmios em eventos internacionais como o Seoul International Drama Awards e o Rose D’Or, talvez se deva, em partes, ao tema “universal” dos dias atuais tratado por ela: a migração de refugiados sírios. Na novela, o casal Jamil (Renato Góes) e Laila (Julia Dalavia), dentre outros personagens, reconstroem suas vidas no Brasil. 

A produção teve um cuidado especial para tratar da questão dos refugiados, e chegou a fazer uma parceria com a Agência da ONU para retratar os campos de refugiados sírios de uma forma fidedigna, além de pautar as dificuldades encontradas por essas pessoas para adaptar-se ao novo contexto sociocultural. 

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Amor de Mãe

Amor de Mãe começou a ser exibida em 2019, mas teve suas gravações interrompidas por causa das medidas de isolamento instituídas durante a pandemia. A novela escrita por Manuela Dias, que antes criava principalmente séries para a Globo, trouxe um turbilhão de temáticas sociais –  e todas elas muito bem trabalhadas. 

A questão ambiental, por exemplo, tem como personagem central Davi (Vladimir Brichta), um ativista que enxerga o tema em sua complexidade e percebe que a poluição em grande escala está associada a empresas e não apenas a ações individuais. Dentro do núcleo ambientalista, a violência e repressão contra ativistas também é uma pauta central, já que diversos personagens são assassinados por sua atuação na causa. Vale lembrar que, de acordo com a Frontline Defenders, o Brasil foi o 4º país que mais matou ativistas em 2019.

O racismo também é um tema importante em Amor de Mãe, abordado principalmente por meio do núcleo de Victória (Taís Araújo) e Camila (Jéssica Ellen). Camila, inclusive, também desempenha um papel central no debate sobre educação na telenovela. Professora de escola pública, sua personagem luta por uma educação gratuita de qualidade, e chega a ocupar a escola onde dá aulas junto com seus alunos. 

Alguns outros assuntos abordados em Amor de Mãe são a adoção, o tráfico e a corrupção. As gravações da novela já foram retomadas e ele deve voltar ao ar no começo de 2021.

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