Ah, o Dia dos Namorados… alguns arriscam dizer que nesta época do ano o amor fica no ar e se vê casais por toda a parte. Se você, vestibulando, já está se sentindo invadido – e até um pouco distraído – por toda essa aura romântica, saiba que é possível conciliar tudo isso: diversão, Dia dos Namorados e, de quebra, um pouquinho de estudo.
Pensando nisso, o GUIA DO ESTUDANTE separou uma lista dos casais mais icônicos de livros que já apareceram em vestibulares como a Fuvest e a Unicamp. Até mesmo o Enem, que não cobra leituras específicas, acaba abarcando questões de clássicos da literatura na prova de Linguagens.
Confira um pouco sobre estes casais que marcaram a literatura e sobre o enredo dos livros em que aparecem:
Pedro Bala e Dora – “Capitães da Areia”
Em Capitães da Areia, livro de 1937 de Jorge Amado, o leitor conhece um grupo de menores de idade abandonados que vivem nas ruas da cidade de Salvador. Descritos como esfomeados, sujos e agressivos, os meninos, que fazem de um armazém abandonado o seu lar, vivem nas margens da sociedade baiana e sobrevivem a partir de esmolas e roubos. O líder do grupo é o corajoso Pedro Bala, jovem que foi parar na rua aos 5 anos depois de seu pai, um líder grevista, ser morto no cais. Pedro é descrito como um jovem ágil, habilidoso, de cabelos loiros e uma cicatriz no rosto.
Certo dia, dois novos órfãos se integram ao grupo: Dora e Zé Fuinha. A mãe dos dois havia morrido em meio a um surto de varíola. A menina Dora, entre seus 13 e 14 anos, tem olhos grandes e cabelo também loiro, seus seios “já haviam começado a surgir sob o vestido”. A beleza da jovem, e o fato de ser a primeira garota do grupo, logo chama atenção dos meninos, a fazendo centro de uma disputa para saber quem teria relações sexuais com ela.
Pedro Bala, de início, é contra a permanência de Dora no grupo, mas personagens como Professor e João Grande a defendem e a jovem passa a representar uma função quase maternal no grupo. A presença de Dora vai se tornando cada vez mais vital, se fazendo não apenas uma mãe, mas uma igual.
Pedro e Dora se apaixonam e desenvolvem um relacionamento de cumplicidade, tal qual o rei e a rainha daquele reino de meninos perdidos. Para Pedro, que até então só se relacionava com mulheres para o seu prazer sexual, Dora representa a descoberta do amor verdadeiro e do companheirismo.
Jerônimo e Rita Baiana – “O Cortiço”
O Cortiço, de Aluísio Azevedo, é a principal obra quando se fala da corrente literária do Naturalismo no Brasil. Escrito em 1890, o livro acompanha o dia a dia de um cortiço na região central do Rio de Janeiro. O local concentra pequenas moradias baratas para figuras de pouco poder aquisitivo da sociedade carioca. Entre seus moradores, está o português Jerônimo, um homem trabalhador e disciplinado que trabalha como cavouqueiro na pedreira de João Romão, o dono do cortiço.
A estética naturalista dá o tom em “O Cortiço” ao mostrar o lado mais primitivo de seus personagens. Cada um ali representa um comportamento ou um sentimento humano, mas não de uma forma idealizada como se faz no Romantismo, mas, sim, apresentando a sua versão mais animalesca.
Jerônimo é um dos melhores exemplos do livro sobre a capacidade do cortiço de instigar em seus moradores instintos selvagens. Casado, o homem se apaixona por sua vizinha, a calorosa e sensual Rita Baiana, descrita como uma “mulata” que encanta homens, mulheres e crianças. A paixão, porém, não é movida por um sentimento de amor, mas por uma ânsia sexual.
A personagem de Rita é a síntese dos estereótipos associados a mulher brasileira pelos colonizadores: “respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas”.
A jornada pela conquista de Rita Baiana, que inicialmente é parceira de outro homem, é marcada pela transformação de Jerônimo. De homem trabalhador, disciplinado e dedicado se reduz a uma fera insaciável pelo corpo de Rita Baiana, negligenciando no caminho a própria esposa e filha.
No Marca Texto, o podcast do Guia do Estudante que analisa os livros do vestibular, há um episódio dedicado a “O Cortiço” que reflete sobre os principais aspectos da obra.
Iracema e Martim – “Iracema”
Talvez um dos casais mais idealizados da literatura brasileira, Iracema e Martim incorporam não somente os ideais da primeira geração do Romantismo no Brasil, como também o próprio senso da época sobre a fundação da nação brasileira. Na obra de José de Alencar, escrita em 1865, o leitor acompanha o romance histórico entre um homem branco colonizador e uma mulher indígena, união que representaria o florecer do caráter miscigenado da identidade nacional.
Os dois personagens são abordados no livro não como indivíduos únicos com pensamentos e experiências próprias, mas sim como embaixadores de suas culturas e povos. Martim é a própria Europa, a cultura civilizada, polida e moderna dos brancos; enquanto Iracema é a “selvageria”, a inocência e a liberdade dos povos originários.
Ao avistar Martim pela primeira vez, Iracema atira nele um flecha certeira para se defender, mas logo percebe que o homem não tem intenções de machucá-la. O movimento remete à própria flecha do cupido e já demonstra os talentos e o lado bruto de Iracema. Durante toda a obra, a “virgem dos lábios de mel” é descrita usando analogias que remetem à fauna e à flora brasileira e também a um certo misticismo acerca da cultura indígena.
Ela tem “cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira”, é “mais rápida que a ema selvagem”, seu sorriso é “mais doce que o favo da jati” e “nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado”.
Para muitos, o casal pode lembrar a história de Pocahontas, a jovem indígena que se apaixona por um explorador inglês nas colônias norte-americanas. A diferença entre as duas, porém, é que a mulher Iracema nunca existiu. Ela é fruto da interpretação de José de Alencar da cultura indígena (incluindo estereótipos e clichês) e da própria visão que se queria cultivar dos povos originários durante o Romantismo – de ser um povo valente, porém inocente e puro.
O fato de o nome Iracema ser um anagrama para América mostra a intenção do autor. Já Martim realmente existiu. Foi um colono português que esteve presente na primeira expedição ao Ceará, em 1603.
Fabiano e Sinhá Vitória – “Vidas Secas”
Nem mesmo a aridez e as dificuldades descritas em Vidas Secas foram capazes de separar o casal Fabiano e Sinhá Vitória, a mãe e o pai de uma família de retirantes no nordeste brasileiro. O livro clássico de Graciliano Ramos, publicado em 1938, é apontado como uma das principais obras da vertente regionalista da segunda fase do Modernismo.
Na história, o leitor acompanha a saga da família de sertanejos tentando sobreviver em meio aos períodos de seca da caatinga. Fabiano trabalha como vaqueiro em uma fazenda; é um homem rude, de poucas palavras e, com frequência, enxerga a si mesmo como um animal. A esposa Sinha Vitória trabalha ao seu lado, mas também cuida da casa e dos filhos. É ela quem faz as contas das finanças da casa e alerta o marido em situações de trapaça. Juntos, o casal cria dois filhos e uma cadela.
Uma das razões que fez de “Vidas Secas” um clássico é a fidelidade com a qual o autor conseguiu retratar as dificuldades da vida retirante. Descrições curtas, com poucos adjetivos parecem imitar a própria aridez da caatinga. Essa fidelidade também se aplica ao casal protagonista; Fabiano e Sinhá Vitória incorporam toda uma camada da população da brasileira que vive na miséria, lutando contra a fome e sem condições básicas.
Ele, um homem sem instruções, que sofre nas mãos de chefes que abusam de seu trabalho e que gostaria de saber se comunicar melhor. Ela, uma mulher de fé, que sonha em dormir em uma cama de fita de couro e oferecer uma vida melhor aos filhos. Mesmo que durante as páginas do livro não se encontre grandes demonstrações de afeto, é nítido a fortaleza do relacionamento.
É juntos que toleram as adversidades da vida sofrida.
Bentinho e Capitu – “Dom Casmurro”
Traiu ou não traiu? O casal mais célebre da literatura brasileira é, sem dúvidas, Bentinho e Capitu, da obra-prima de Machado de Assis, Dom Casmurro. Neste romance realista de 1899, o autor narra a história de Bento Santiago, da juventude até o fim de sua jornada, como se a “atar as duas pontas da vida”. No meio tempo, é contado como (e por que) o jovem recebeu a alcunha de “Dom Casmurro”.
Entre altos, baixos, amores e frustrações, as figuras que passaram pela vida de Dom Casmurro são apresentadas ao longo dos capítulos. Mas um nome marcou não apenas o coração do jovem, mas a própria liga de personagens femininas mais fascinantes da literatura brasileira: Capitu. A jovem de “olhos de cigana oblíqua e dissimulada“, é descrita como um ser enigmático, magnético, dona de um “fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro”, tal qual o mar em um dia de ressaca.
Bentinho e Capitu se conhecem ainda na adolescência e o relacionamento, mesmo com o nariz torcido de alguns, tem tudo para dar certo a não ser por um detalhe: o rapaz foi prometido pela mãe para se tornar padre. E é antes de ser enviado ao seminário que os dois selam o primeiro beijo.
Depois de a mãe do jovem ter dado um “jeitinho” para Bento escapar da promessa, o casamento com Capitu por fim acontece. Mas não demora muito para os problemas começarem a aparecer. O romance entre Bentinho e Capitu, que pode ser visto como o ponto alto da vida de Dom Casmurro, é contaminado por atos de ciúmes e suspeitas de adultério.
Tudo é piorado com a dificuldade dos dois em ter filhos. Quando finalmente conseguem, a criança, aos olhos de Bento, é a cara de seu melhor amigo.
O caloroso debate que sempre figura nas discussões sobre “Dom Casmurro” envolve a suposta traição de Capitu. No meio dessa discussão que divide leitores tal qual gregos e troianos, todos costumam concordar: a complexidade do casal Bentinho e Capitu é o grande destaque da obra.
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