Respire!, série da Netflix, é repertório para discutir abandono parental
No Brasil não existe lei que obrigue pais a darem amor aos filhos, mas há um entendimento jurídico que o abandono é passível de punição

Por Paulo Eduardo Akiyama
Respire!, série recém-lançada pela Netflix, é “um soco no estômago” acerca das brutais consequências sofridas pela protagonista em razão do abandono afetivo. Conflitos familiares dão o tom da trama aliados ao desejo de sobrevivência de uma jovem e brilhante advogada que sofre um acidente aéreo e precisa se salvar sozinha em uma área deserta. Lutando pela sobrevivência de forma voraz, ela faz um mergulho em suas relações familiares e pessoais durante essa jornada. O desenrolar da série é sobre todo sofrimento e consequências que Liv carrega em seu mundo emocional – um verdadeiro alerta sobre o abandono afetivo das crianças e adolescentes.
Ao longo da série, Liv avalia sua vida e os seus conflitos internos emocionais, em especial pelo abandono que teve na infância por parte de mãe, que subitamente deixou pai e filha e partiu em busca de seu projeto de vida. Os anos de abandono culminam com a morte do pai. Liv, então já uma jovem advogada, encontra diversas cartas de sua mãe em busca de notícias e que nunca chegaram a ser entregues pelo pai.
Liv, revoltada pela traição do pai, sai desesperadamente à procura da mãe. É neste ponto da trama que a jovem sofre um acidente aéreo. Toda a série é permeada por flashes da sua vida: a convivência com o pai, com a mãe e o sentimento de abandono. A jovem reluta em se relacionar amorosamente com alguém por não confiar e por medo de sofrer novo abandono. Além disso, desenvolve problemas alimentares e, grávida de poucas semanas, tem recorrentes pensamentos de que não se tornará uma boa mãe. É todo um tormento que suas relações familiares tempestuosas acarretaram em sua jornada.
Este comportamento emocional de adultos que sofreram com o abandono afetivo extrapola a ficção. É uma realidade e, muitas vezes, atos e atitudes adotadas ao longo da vida tornam-se inexplicáveis e até brutais aos olhos de quem assiste sem saber do abandono vivenciado na infância e adolescência.
Transpondo as ideias da série para a seara jurídica, podemos conceituar o abandono afetivo como a falta do apoio emocional e psicológico por aquele ou aqueles genitores que abandonam sua prole, seja na convivência familiar habitual ou abandono da obrigação de visitas.
Não há lei que obrigue a convivência parental com seus filhos, muito menos que defina o que é abandono afetivo. No entanto, a Constituição Federal brasileira de 1988 traz em seu artigo 227 as obrigações e deveres familiares, determinando que crianças e adolescentes devam ficar a salvo de toda forma de negligência e discriminação.
Entende-se o abandono afetivo exatamente como sendo um ato de violência psicológica contra a criança ou adolescente, que se sentirão preteridos, discriminados e certamente negligenciados por aqueles que os abandonaram. O ato poderia até mesmo ser equivalente à alienação parental ou abandono de incapaz, tamanha violência e consequências que ocasiona.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é taxativo com relação às obrigações da família e do poder público. Certamente recai sobre a família a obrigação de convivência familiar, destacando a promoção do desenvolvimento físico, mental, espiritual e social, sempre em condições de liberdade e de dignidade.
Existem ainda outras formas de abandono afetivo para além daquele praticado pelo pais em relação aos filhos. Os papéis podem, por exemplo, se inverter: os filhos se distanciam de seus pais e deixam de cumprir a obrigação de convivência quando estes se tornam idosos.
Não haverá lei que possa obrigar a alguém dar amor a outro alguém, mas a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados aprovou, em 2021, um projeto de lei que permite a aplicação de indenização no caso de abandono afetivo. Mesmo que a lei ainda não tenha sido sancionada, algumas pessoas chegaram a ser condenadas por abandono afetivo. Indenizar não traz o amor perdido e o sentimento de vazio que o abandono afetivo provoca, mas trata-se de uma sanção pedagógica para aquele que deixou os seus ao abandono.
Também corre um projeto de lei que pretende alterar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para obrigar os pais a prestarem assistência afetiva aos filhos, em especial em momentos de intenso sofrimento ou dificuldade. Em resumo, busca regulamentar a obrigação do apoio parental. O pai ou a mãe podem estar cumprindo com a obrigação financeira (pensão alimentícia), mas não fomentam o principal: apoio parental, que é fazer os filhos sentirem-se amparados pelo carinho e apoio emocional.
No contexto socioeconômico brasileiro, o abandono afetivo e econômico de crianças e adolescentes, a delinquência juvenil e a criminalidade são acontecimentos associados. Estudos apontam que os cuidados com educação, o apoio emocional às crianças e jovens em formação são papéis centrais na prevenção e combate à criminalidade.
Na série “Respire!”, Liv externa todos os sentimentos em relação ao abandono sofrido. Certamente, uma indenização não lhe trará de volta tudo o que perdeu, nem tão pouco sanará todas as consequências traumáticas. Mas, para aquele que é condenado a pagar, poderá ser uma medida educativa.
É necessário lutar para que o abandono afetivo seja punido. Afinal, aquele que não possui amor ou sequer respeito aos seus descendentes ou ascendentes deve indenizar. Quem sabe aprenda pela perda material que o respeito ao direito dos seus deve ser praticado.
Paulo Eduardo Akiyama é advogado e economista há mais de 25 anos. Possui longa trajetória de atuação em casos de Direito da Família, Abandono Afetivo e Alienação Parental.
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