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Análise: redação nota 1000 cita apenas a Constituição como repertório

A redação de uma estudante de Minas Gerais prova que repertório não precisa ser a citação de filósofos ou da literatura nem referências da cultura de massa

Por Karolina Monte
Atualizado em 20 out 2022, 23h39 - Publicado em 19 out 2022, 23h16

Emanuelle Severino Gontijo Boucinhas, de 20 anos, foi uma dos 22 candidatos que alcançaram a nota 1000 na redação do Enem 2021. A redação da estudante de Minas Gerais provou que repertório não precisa ser a citação de filósofos ou da literatura nem referências da cultura de massa. Sobre o tema proposto, “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”, ela redigiu uma dissertação-argumentativa com a Constituição Federal como principal repertório.

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O documento garante a cidadania a todo e qualquer indivíduo nascido em território brasileiro. Sob este argumento, a estudante baseou sua defesa em torno da garantia de acesso aos registros formais. Também citou o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 2019, e o auxílio emergencial, criado durante a pandemia da covid-19.

Em entrevista ao jornal O Tempo, a estudante contou um pouco sobre sua rotina de estudo: muita disciplina e prática de escrita. “Uma coisa que me ajudava era organizar um caderninho dividido por eixos temáticos. Nele, eu escrevia citações, filmes, informações importantes, artigos da constituição, teorias de sociólogos e filósofos”, disse Emanuelle ao portal.

Além disso, a candidata, que sonha em entrar para o curso de Medicina, relatou que estudava nove horas por dia e fazia três redações por semana para praticar. Também acostumou a ficar ligada nas reportagens dos noticiários, e não perdia uma discussão nas redes sociais.

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Confira abaixo a redação de Emanuelle na íntegra. Logo em seguida, os comentários sobre o texto publicado na Cartilha do Participante – A redação do Enem 2022, onde a redação foi usada como exemplo.

A cidadania, no contexto relativo à Grécia Antiga, era restrita aos homens aristocratas, maiores de vinte e um anos, que participassem do sistema político de democracia direta do período. Diferentemente dessa conjuntura, a Carta Magna do Estado brasileiro, vigente na contemporaneidade, concede o título de cidadão do Brasil aos indivíduos nascidos em território nacional, de modo que a oficialização dessa condição está atrelada ao registro formal de nascimento. Nesse contexto, convém apresentar que, em virtude da ausência dessa documentação, diversas pessoas passam a enfrentar um quadro de invisibilidade frente à estrutura estatal e, com isso, são privadas da verdadeira cidadania do país.

Acerca dessa lógica, é necessário pontuar a dificuldade da parcela da população brasileira, em situação de vulnerabilidade socioeconômica, acesso ao procedimento de registro civil. Sob esse viés, destaca-se que, segundo relatório de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil é o último país mais desigual do mundo, condição que implica a existência e indivíduos tupiniquins detentores de rendas extremamente baixas, as quais, muitas vezes, não são suficientes para fornecer condições de vida dignas a essas pessoas. A essa linha de raciocínio, os limitantes recursos financeiros podem impossibilitar o deslocamento desses indivíduos até os cartórios, devido aos custos com o transporte e, por conseguinte, impedir a realização do registro. Assim, a acentuada desigualdade social da nação dificulta a promoção da documentação pessoal, especialmente, para as classes menos abastadas.

Além disso, é importante relacionar a falta de documentos de nascimento com o sentimento de invisibilidade desenvolvido pelos indivíduos sem registro, tendo em vista a privação dos direitos sociais, civis e políticos, desencadeada pela problemática discutida. Sob essa óptica, somente a partir da certidão de nascimento pode-se emitir as carteiras de identidade e de trabalho, bem como o título de eleitor e o cadastro de pessoa física. Nesse sentido, o acesso de programas do governo, a exemplo do auxílio emergencial – assistência financeira concedida durante a pandemia da Covid-19 -, à seguridade social e ao exercício do voto, dependem, diretamente, da existência do registro civil. Portanto, a ausência da documentação formal, torna parte da população invisível socialmente, já que essas pessoas não podem beneficiar-se dos serviços e das garantias do Estado Democrático de Direito brasileiro.

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Diante do exposto, conclui-se que o registro civil é um aspecto intrínseco à cidadania do Brasil. Por isso, o Governo Federal deverá propiciar a acessibilidade das populações mais carentes, que sofrem com a falta de acesso à documentação, a esse tipo de serviço, por meio da articulação de unidades móveis para os cartórios do país. No que tange à esse aspecto, os veículos adaptados transportarão os funcionários dos órgãos de registros até as áreas de menor renda per capita de seus respectivos municípios, um dia por semana, com o intuito de realizar o procedimento formal de emissão dos documentos de nascimento dos grupos sociais menos favorecidos economicamente. Desse modo, um maior número de brasileiros acessará, efetivamente, a condição de cidadão.

Análise do Inep

A participante demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa, uma vez que a estrutura sintática é excelente e o  texto apresenta apenas um desvio, quando ela escreve “A essa” no lugar de “Nessa”, no segundo parágrafo.

Em relação aos princípios da estruturação do texto dissertativo-argumentativo, percebe-se que a redação da participante apresenta introdução em que se inicia a discussão, desenvolvimento com justificativas que comprovam seu ponto de vista e conclusão que encerra a discussão, demonstrando excelente domínio do texto dissertativo-argumentativo. O tema é abordado de forma completa já no primeiro parágrafo, no qual a participante trata da invisibilidade causada pela ausência de documentação.

Quanto ao uso de repertório sociocultural, nota-se que ele aparece de maneira produtiva e pertinente à discussão em diversos momentos: no primeiro parágrafo, a participante apresenta o contexto da Grécia Antiga, em que apenas um grupo restrito tinha acesso à cidadania, para compará-lo com a realidade atual do Brasil, em que todo indivíduo nascido no país tem direito a ser reconhecido como cidadão – o que é oficializado por meio do registro civil.

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No segundo parágrafo, há uma referência ao relatório de 2019 do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em que se aborda a questão da desigualdade, que, seguindo a argumentação da participante, seria um dos motivos pelos quais algumas pessoas não têm acesso ao registro civil.

Percebe-se, também, ao longo da redação, a presença de um projeto de texto estratégico, com informações, fatos e opiniões relacionados ao tema proposto, desenvolvidos de forma consistente e bem-organizados em defesa do ponto de vista. A participante inicia seu texto com uma contextualização histórica, comparando a cidadania na Grécia Antiga com o que ocorre atualmente no Brasil – em que todos têm direito à cidadania, o que é garantido por meio do registro civil.

Ainda no primeiro parágrafo, ela aponta a problematização relacionada a essa questão: aqueles que não têm acesso à documentação são privados da cidadania e acabam se tornando invisíveis para a sociedade.

No segundo parágrafo, é apresentado o motivo pelo qual muitas pessoas não têm acesso ao registro civil: a desigualdade econômica. A argumentação da participante se baseia no fato de que a falta de recursos financeiros pode dificultar o deslocamento de algumas pessoas até um cartório.

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Já no terceiro parágrafo, são apresentadas as consequências da falta de documentos, como a ausência de direitos e de acesso a programas governamentais. No último parágrafo, então, é proposta uma solução para o problema, que consiste em promover o acesso das pessoas de baixa renda aos cartórios, para que, com o registro civil, elas possam se tornar cidadãs.

Quanto à coesão, observa-se, nessa redação, um repertório diversificado de recursos coesivos, sem inadequações. Há articulação tanto entre os parágrafos (“Acerca dessa lógica”, “Além disso” e “Diante do exposto”) quanto entre as ideias dentro de um mesmo parágrafo (como “dessa conjuntura”, “de modo que”, “Nesse contexto”, “com isso”, no 1º parágrafo; “Sob esse viés”, “essas pessoas”, “devido a”, “por conseguinte”, “Assim”, no 2º parágrafo; “tendo em vista”, “Sob essa óptica”, “bem como”, “Nesse sentido”, “Portanto”, no 3º parágrafo; e “Por isso”, “por meio de”, “No que tange a”, “Desse modo”, no 4º parágrafo).

Por fim, a participante elabora proposta de intervenção muito boa: concreta, detalhada, articulada à discussão desenvolvida no texto e que respeita os direitos humanos. A proposta apresentada aponta que o Governo deve propiciar o acesso da população mais pobre ao registro civil, criando cartórios móveis que irão até as regiões com menor renda per capita, com o objetivo de promover a cidadania.

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