Bancada do agro quer anular três questões do Enem 2023; veja quais
Frente parlamentar argumenta que as perguntas são de cunho ideológico e que candidatos poderiam assinalar qualquer alternativa. Professores discordam
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), formada por congressistas ligados ao agronegócio brasileiro, divulgou uma nota nesta segunda-feira (6) pedindo a anulação de três questões do Enem 2023. Segundo o grupo, as perguntas não tem “critério científico ou acadêmico” e são de “comprovação unicamente ideológica”. Professores ouvidos pelo GUIA DO ESTUDANTE discordam – apontando, inclusive, que importantes cientistas brasileiros foram referenciados nas questões.
Além disso, uma das questões ia justamente no caminho contrário do que argumentam os parlamentares, de estigmatização do agronegócio: dizia que a expansão legal da soja não deve ser vista como única culpada pelo desmatamento, e sim atividades ilegais de grileiros.
“Não cabe dizer que houve qualquer tipo de inclinação ideológica ou mesmo juízo moral, e sim uma análise muito séria sobre problemas que a gente precisa enfrentar, porque dizem respeito a direitos e garantias sociais que estão na Constituição e que estão em documentos assinados pelo Brasil e por outros países, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, afirma Luis Felipe Valle, professor de Geografia do Curso e Colégio Oficina do Estudante
A Frente Parlamentar do agronegócio afirma que vai convocar o ministro da Educação, Camilo Santana, para prestar esclarecimentos na Câmara e Senado.
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Desmatamento da Amazônia, modo de vida no Cerrado e bilionários
As questões alvo de questionamento da FPA são as de número 70, 71 e 89 (tomando como referência a prova branca), todas de Ciências Humanas. A questão 70 tratava do desmatamento da Amazônia, e o texto do enunciado afirmava que, para além do plantio de soja, “a lógica que gera o desmatamento está articulada pelo tripé grileiros, madeireiros e pecuaristas”.
Luis Felipe Valle, do Oficina do Estudante, afirma que esta questão, ao contrário do que reivindicou a Frente Parlamentar, não tinha viés ideológico contra o agronegócio. Pelo contrário, esclarecia que a devastação ambiental precisa ser vista para além da expansão da soja, com enfoque na atividade de grupos ilegais como os grileiros.
O texto do enunciado, destaca o professor, foi escrito por um renomado pesquisador que estuda há mais de 40 anos a Geografia Agrária e leciona na USP (Universidade de São Paulo). Seu objeto de pesquisa – e também tema desta questão do Enem – são as terras devolutas, porções de território que pertencem ao Estado mas estão sem finalidade. Essas terras, explica o professor do Oficina, “acabam sendo utilizadas justamente para atividades irregulares, geralmente ocupadas por grileiros, onde há o desmatamento e a extração de madeira irregular ou até mesmo a mineração”.
O propósito do enunciado era demonstrar que “a pecuária regular e a agricultura regular não podem ser confundidas com essas atividades irregulares feitas, geralmente, em terras devolutas”, conclui. A ocupação irregular destes territórios é que causa do desmatamento, segundo o autor.
A pergunta seguinte, de número 71, falava sobre o turismo espacial capitaneado pelos bilionários, e trazia dois textos de apoio com visões opostas. O primeiro afirmava que a humanidade de maneira mais ampla pode se beneficiar dessas empreitadas, enquanto o segundo apresentava uma crítica aos bilionários. A resolução era de ordem interpretativa, ou seja, os candidatos deveriam compreender qual a mensagem veiculada por cada texto de apoio.
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A última questão questionada pela bancada do agro é a 89, que trazia um texto sobre o Cerrado brasileiro. O artigo foi elaborado por pesquisadores da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e publicado na revista científica Elisée, classificada como B1 – alto nível de excelência nacional. O texto afirmava que o avanço do agronegócio está impactando o modo de vida das populações locais, submetendo-as a uma lógica mercadológica e oferecendo riscos de saúde.
De acordo com o professor do Oficina do Estudante, esta questão, de fato, trazia um olhar crítico para o agronegócio, mas pautado em evidências. “Ela é absolutamente embasada em fatos científicos que simplesmente constatam que, embora o agronegócio seja bastante lucrativo para os grandes exportadores de commodities, os efeitos colaterais para os camponeses e para os ecossistemas são muito devastadores e são muito graves”, analisa. Entre os efeitos, ele lista especialmente os agrotóxicos, que inviabilizam a agricultura familiar.
Segundo os parlamentares ruralistas, as três questões deveriam ser anuladas por “negacionismo científico” e por permitir que os alunos marcassem “qualquer resposta”, dependendo do ponto de vista. Professores de cursinhos que realizaram a correção da prova, no entanto, chegaram a uma resolução para as perguntas. Confira abaixo.
Questão 70
Questão 71
Questão 89
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