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Confira redações nota mil do Enem 2023

Estudar para o Enem analisando redações nota máxima pode te ajudar a melhorar seu desempenho. Confira algumas da edição de 2023

Por Ludimila Ferreira
Atualizado em 29 abr 2024, 19h09 - Publicado em 20 mar 2024, 12h24
Mão escrevendo de caneta preta em folha de redação do Enem
 (Karolina Monte/Guia do Estudante)
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No Enem 2023 (Exame Nacional do Ensino Médio), a banca solicitou que os candidatos escrevessem um redação sobre o tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. O resultado do exame está disponível desde janeiro, mas só agora, em março, os espelhos dos textos foram liberados.

Ao todo, 60 candidatos atingiram pontuação máxima na redação em 2023. Para quem está se preparando para o exame, ler textos nota mil pode inspirar e ajudar melhorar seu próprio texto.

Confira abaixo algumas redações que atingiram o feito no Enem 2023.

Nicolas Dominic Soares Brito

espelho redação nota mil enem 2023
(Nicolas Dominic/Reprodução)

Na obra autobiográfica “Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, a autora Carolina Maria de Jesus desvela aspectos de sua dificultosa vivência no exercício de papel sociodoméstico enquanto uma mãe subalterna. Nesse sentido, ela, ao longo da trama, assume uma posição identitária atravessada por questões de gênero e da própria sociedade corrente, as quais fomentam sensos latentes de discriminação. Seguindo tal recorte literário, é fato que a história pessoal de Carolina reflete as mesmas dimensões enfrentadas por muitas mulheres no Brasil atual, contornada por interfaces invisibilizadoras de suas práticas cotidianas quanto ao trabalho de cuidadora. Logo, para se enfrentar esse cenário, cabe a análise de seus principais desafios, sendo os quais a lógica patriarcal e o apagamento curricular. 

De início, vale apontar a mentalidade machista arraigada no tecido civil do país na acentuação dessa problemática. Acerca disso, a filósofa Simone de Beauvoir, em seu livro “O Segundo Sexo”, aponta que o imagético da figura feminina foi cunhado, historicamente, pelo ideal segregador do sexismo, de forma a dimensionar privilégios de conduta aos homens, à medida que direciona ações restritivas às mulheres, a citar a provação de lar. 

Por essa ótica, atesta-se o juízo da retórica, ainda, na contemporaneidade nacional, tendo em vista que a maior parte da comunidade feminina está inserida, desde a infância, no contexto comportamental alicerçado sob as lentes retrógradas do machismo, modulando uma lógica cuja mulheres – apenas – tornam-se encarregadas dos afazeres domésticos, como o cuidado à criança ou à pessoa idosa. Como consequência de tal quadro assimétrico, o contingente feminino, em geral, sofre a pressão do cuidado afetivo convencionado socialmente,impondo a elas agressivas facetas físico-psicológicas, a exemplo da depressão e da ansiedade, derivadas de um empenho cotidiano traduzido como uma “obrigação natural”. Assim, evidencia-se que o ímpeto patriarcal, cada vez mais, limita a abstração feminina ao contínuo labor como ação enraizada. 

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Além disso, é importante mencionar a crônica invisibilização dos currículos escolares brasileiros localizada no âmago desta questão. Sob esse viés, a teórica feminista bell hooks, na defesa de uma pedagogia culturalmente transgressora, sugere que os intuitos acadêmicos incubem-se de formular vertentes pluralizadas do ensino, incorporando à realidade dos discentes saberes capazes de desmantelar antigas estruturas de exclusão. 

No entanto, a visão da pensadora colide com uma outra conjuntura presente nas escolas do país: a estruturação de uma grade disciplinar alheia à valorização da independência dos sujeitos, com destaque às meninas estudantes. Isso ocorre, em grande medida, devido à cristalização das correntes opressoras, como o machismo basilar, nas competências pedagógicas nacionais, fato o qual, por exemplo, toma das alunas o acesso educacional às vertentes libertadoras, manutencionando um modelo de educação tradicionalizado. Por conseguinte, o trabalho de cuidado feminino – enquanto forma de legado marginalizador – persiste em um cenário no qual a equidade mostra-se pouco estimulada desde a sala de aula. Nota-se, então que a desatualização curricular, sem dúvidas, embasa esse perfil desproporcional da gestão familiar.

Portanto, é inegável que o cuidado realizado pela mulher no Brasil enfrenta circunstâncias de invisibilidade, pressupondo intervenções coletivas para a sua reformulação. Com isso em mente, o Ministério das Mulheres – proeminente instância federal afirmadora dos direitos femininos – deve promover uma ação perene de combate ao imperativo patriarcal em toda jurisdição do país. Nessa proposta, serão suscitados projetos de visibilização ao esforço das mulheres, mediante um maior repasse de verbas às administrações municipais, as quais fornecerão ajuda financeira, como auxílios justificados pelo trabalho doméstico, e também psicológica, a partir de psicólogos profissionalizados na ampla atuação feminina, com a finalidade de estabelecer diretrizes cruciais para a valorização feminina, de modo a contornar o machismo totalmente operante. Somado a isso, o Ministério da Educação, por intermédio da reformulação da Base Nacional Comum Curricular, necessita abranger essa situacionalidade díspar em sala de aula, na disciplina de Sociologia, o que fundamentará, da mesma forma, discussões transgressoras ao patriarcado a fim de, com o tempo, reverter essa moeda instrutiva. Feito isso, os desafios do gênero encarados por Carolina serão, por certo, desvencilhados da realidade brasileira.

Arthur Sanches Sales

Espelho_Arthur Sanches _ Enfase
(Arthur Sanches/Reprodução)

Conforme estudos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de idosos crescerá drasticamente nas próximas décadas. Nesse contexto, o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres é fundamental para acolher essa parcela populacional. Todavia, a invisibilidade e a omissão estatal são desafios que perpetuam o descaso sofrido por essas trabalhadoras no Brasil. Logo, faz-se imperiosa a tomada de medidas que resolvam esse contexto de emergência generalizada.

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Sob essa perspectiva, é crucial que a escassez de debates acerca da importância das atividades de assistência seja superada. A esse respeito, a ilustre filósofa Djamila Ribeiro defende que, para atuar em uma situação, deve-se, antes de tudo, tirá-la da invisibilidade. Entretanto, o panorama nacional destoa do pensamento da autora, já que o alto índice de empregadas domésticas em condições ocupacionais precárias não é enxergado pelo círculo social, de modo que discussões sobre essa questão sejam priorizadas, dificultando intervenções nesse problema. Então, essa nebulosidade precisa ser exposta para conscientizar a sociedade.

Outrossim, vale ressaltar de que maneira a negligência do Estado fomenta a marginalização das cuidadoras. A partir disso, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman utiliza o termo “Instituição Zumbi” para simbolizar as entidades que não cumprem seu papel previamente estabelecido. Seguindo o raciocínio, é possível compreender o Poder Executivo como um exemplo da ideia do expoente da Sociologia, uma vez que a sua função de garantir dignidade profissional a todos não está sendo cumprida em sua totalidade, pois muitas trabalhadoras de acolhimento ainda encontram-se em situações indignas. Por isso, a conduta governamental necessita ser reformulada para assegurar os direitos dessas profissionais.

Portanto, torna-se primordial mitigar a marginalidade do trabalho de cuidado realizado pelo gênero feminino. Dessa forma, o Ministério da Cidadania, enquanto responsável por políticas cidadãs, deve propagar dados e pesquisas que revelam a gravidade do esquecimento sofrido pelas cuidadoras, por meio de plataformas midiáticas de destaque, a fim de atingir o maior contingente possível e conscientizá-lo. Ademais, a coletividade, por intermédio do Ministério Público, precisa cobrar do Governo Federal ações efetivas de proteção ocupacional às empregadas domésticas, com o intuito de promover o labor digno a esses indivíduos. Assim, a acolhida da nova geração de pessoas da terceira idade poderá ser efetiva.

Francisco Roney Sousa Suriano

redação francisco roney
(Inep/Reprodução)

A Constituição Federal, promulgada em 1988, foi esboçada com o objetivo de delinear direitos básicos para todos os cidadãos – como condições satisfatórias de trabalho. Contudo, hodiernamente, esse postulado constitucional é deturpado, visto que o contato com a área trabalhista, por meio do trabalho de cuidado realizado por mulheres, se encontra na invisibilidade e não efetivado na sociedade nacional. Acerca disso, para discutir a questão de maneira ampla, hão de ser analisados os seguintes fatores: as desigualdades no acesso à informação e a inobservância governamental.

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Em primeiro âmbito, é válido perceber o panorama de assimetria social como fator potencializador da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil. Segundo Ariano Suassuna, ilustre pensador brasileiro, o território nacional está dividido em dois países distintos; o dos privilegiados e o dos despossuídos. Sob essa lógica, o autor faz um alerta a respeito da desigualdade de renda, de oportunidades e de acesso à informação vigente no Brasil. Nesse sentido, parcela da população feminina, majoritariamente jovem e preta, padece frente à carência de informações relacionadas às garantias de assistência previstas para esse setor trabalhista, pois tem dificuldade em obter meios de comunicação, como o aparelho celular, pelo custo elevado. Esse cenário potencializa a invisibilidade do trabalho de cuidado, tendo em vista que a desinformação permite que muitas mulheres fiquem passivas e inativas na busca por seus direitos, ocasionamento, consequentemente, explorações de jornadas de trabalho exaustivas, muitas vezes, não remuneradas. Dessa maneira, por não reconhecer a importância da assistência e da regulamentação do trabalho, por exemplo, muitas mulheres assumem trabalhos de cuidado sozinhas e na informalidade, conduta que dá margem à formação de diversos problemas, como desgastes físicos e psicológicos, dificultando, assim, o combate à invisibilidade do trabalho de cuidado. É essencial, então, a difusão de informações sobre a assistência para esse setor laboral.

Outrossim, cabe enfatizar a negligência governamental como um dos principais fatores que viabilizam a invisibilidade do trabalho de cuidado no tecido social. Nesse aspecto, por não investir suficientemente na criação e na implementação de projetos que fiscalizem e promovam assistência para as trabalhadoras de cuidado, o país omite esse impasse do meio comunitário e permite, dessa forma, a continuidade desse infeliz cenário de exploração feminina. Nessa perspectiva, como afirmou o filósofo Gilberto Dimenstein, em sua obra “Cidadão de Papel”, a legislação brasileira é ineficaz, dado que, embora aparente ser completa na teoria, muitas vezes não se concretiza na prática. Prova disso é a escassez de políticas públicas satisfatórias voltadas para a aplicação do Artigo 23 da “Constituição Cidadã”, que garante, entre tantos direitos, condições dignas e satisfatórias de trabalho. Sob esse viés, evidencia-se que a pouca atuação do Estado no que concerne à garantia de condições laborais dignas para as mulheres possibilita, de certa forma, a existência de várias “cidadãs de papel”, no Brasil, uma vez que embora um ambiente de trabalho satisfatório seja um direito constitucional, muitas mulheres sofrem com a falta de assistência ao realizar trabalhos de cuidado. É preciso, pois, como alternativas ao enfrentamento da invisibilidade do labor de cuidado, a reformulação dessa postura estatal.

Portanto, é nítido que o debate sobre o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil é relevante e precisa ser difundido. Para tanto, urge, que as instituições educacionais, a exemplo de escolas e faculdades, promovam, por meio de verbas governamentais, campanhas e palestras em espaços públicos, validando a importância da valorização do trabalho de cuidado e informando as garantias assistenciais desse setor para a sociedade, visando garantir a construção de uma mentalidade crítica na coletividade. Ademais, cabe ao Ministério do Trabalho desenvolver, em parceira com o Ministério da Mulher, fiscalizações em ambientes de trabalho de assistência, aspirando mitigar formas de exploração de laborais de cuidado. Quiçá, nessa vida, tornar-se-á notável a amenização do infortúnio, e a Constituição será cumprida de forma precisa.

Catharina Gonçalves Alexandre Simões Ferreira

espelho redação de Catharina Ferreira
(Catharina Ferreira/Reprodução)

O trabalho de cuidado se mostra necessário na medida em que é o responsável pelo zelo de crianças, idosos, pessoas com deficiências e afazeres domésticos. Entretanto, nota-se na comunidade brasileira, a invisibilidade desse serviço e seu protagonismo majoritariamente feminino. Isso ocorre por duas causas principais: o baixo prestígio social estigmatizado a essas tarefas e as convenções de gênero estabelecidas pela sociedade brasileira. 

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A princípio, o prestígio social de um trabalho é um fator importante para a determinação de seu reconhecimento e remuneração. Nesse raciocínio, atividades de cuidado são estigmatizadas dentro do corpo social como inferiores e discriminalizador pelo seu baixo nível de escolaridade. Isso acontece, pois com a predominância do capitalismo no ocidente e a Revolução Tecnológica introduzida a partir da 3ª Revolução Industrial no mundo contemporâneo, houve a crescente valorização de serviços de alto grau de especialização e nível acadêmico. Dessa forma, atividades de baixo ou nenhum valor tecnológico, como o trabalho do cuidado ou tarefas domésticas, foram socialmente marginalizadas em escala global. 

Além disso, percebe-se a predominância de mulheres na realização de serviços de assistência. Essa é uma realidade que demonstra que as transformações sociais ocorridas no Brasil não foram suficientes para desconstruir convenções de gênero e seus papéis sociais, pois atividades relacionadas ao cuidado e de cunho doméstico são predominantemente associadas a mulheres. Como exemplificação, “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector, retrata esse cenário pela personagem Macabéa, nordestina que trabalha como empregada doméstica no Rio de Janeiro. Descrita ao longo da narrativa como pequena e invisível, ausente de acontecimentos ou importância em sua própria história, Clarice representa, dessa maneira, a invisibilidade e o preconceito da sociedade brasileira pelas mulheres que realizam o trabalho de cuidado e seus desafios. 

Portanto, é necessária a aplicação de medidas para o enfrentamento da desvalorização do trabalho de cuidado no Brasil. Para isso, o Governo Executivo Federal deverá realizar ações de combate à desigualdade social sofrida por essa atividade, por meio de políticas de valorização do serviço de assistência, como a validação legal dessa prestação como trabalho remunerado e a obrigatoriedade do pagamento do salário mínimo. Assim, o Brasil se tornará um país que enxerga e prioriza todos os tipos de serviço.

Letícia Vicente da Silva

redação leticia
(Letícia Vicente/Reprodução)

Como símbolo da discriminação feminina no Brasil, o papel social da mulher, originado e consolidado na colonização portuguesa, é caracterizado pelo trabalho, exclusivamente, doméstico, haja vista que a escravização de indígenas e africanas restringiu as suas funções ao laliar do lar – como cozinheiras, faxineiras e até cuidadoras de crianças e senhores de engenho. Nesse contexto, é válido ressaltar que, embora não seja um tópico de constante discussão, o serviço das mulheres, especificamente o de cuidar de outras pessoas, é invisibilizado pela desvalorização e pela invisibilidade recebidas da sociedade, sendo uma marca do desafio enfrentado por essa minoria cotidianamente. Ademais, torna-se viável relacionar essa complicação à perpetuação de valores preconceituosos e à precarização dessa atividade laboral. 

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Nessa perspectiva, é possível citar que a criação de estereótipos agrava a permanência de raízes estruturais, tradicionalmente, discriminatórias, uma vez que a mulher se torna uma figura funcional padronizada. Sob esse viés, como afirma a escritora contemporânea Chimamanda Adiche, grupos minoritários são marginalizados pelo corpo social devido às características pré-estabelecidas sobre eles, de forma que a imagem feminina seja um exemplo dessa situação ao ser relacionada, constantemente, ao trabalho de cuidado com uma conotação social negativa. Nessa conjuntura, é perceptível inferir que, analogamente à teoria de Chimamanda, a associação das mulheres ao cuidado, comunitário ou doméstico, é histórico, cultural e literário, como retratado na obra de Letícia Wischezavi, “A casa das sete mulheres” – que conta os 15 anos da Revolução Farroupilha pela visão de 7 mulheres destinadas a cuidar das feridas -, servindo de exemplo para o reforço de estereótipos femininos nos diversos âmbitos sociais, principalmente, no laboral. 

Outrossim, a precarização do trabalho de cuidado realizado pela mulher brasileira é um dos inúmeros desafios que essas profissionais enfrentam diariamente, sendo um modo de invisibilização a atuação no mercado profissional. Sob essa ótica, segundo o sociólogo Ricardo Antunes, a sociedade atual possui uma tendência de precarizar as atividades laborais, influenciada pela bolha ideológica que a isola no comportamento capitalista de luta desigual frequente. Nesse prisma, pode-se concluir que, em consonância com o pensamento de Antunes, um grande desafio para quem vive esse exercício trabalhista é a desvalorização, já que, além das más remunerações financeiras e sociais, há o agravante da desigualdade de gênero que, historicamente, é uma pauta em discussão para erradicação.

Portanto, é indubitável constatar que medidas são necessárias para corrigir essa problemática. Assim, é imprescindível que o Ministério do Trabalho – órgão governamental responsável pela garantia de direitos – promova por meio de incentivos fiscais, programas de fiscalização das garantias trabalhistas das mulheres cuidadoras, a fim de diminuir os desafios enfrentados por essas profissionais cotidianamente. Paralelamente, é  dever da mídia – máximo canal de informações da atualidade – viabilizar, por intermédio de comerciais televisivos, campanhas de conscientização sobre o papel da mulher na sociedade, com o intuito de eliminar estereótipos associados às funções exercidas por ela. Dessa forma, será possível uma maior visibilidade do trabalho de cuidado e das múltiplas atividades que uma mulher exerce.

Victória da Silva Nascimento

espelho redação victoria
(Victória Nascimento/Reprodução)

A canção “Se eu largar o freio”, do cantor Péricles, fala sobre a indignação de um homem que não se sente mais amado por sua esposa, já que ela abandonou os afazeres domésticos. Os versos do sambista não se limitam ao âmbito artístico, mas configuram um reflexo da triste realidade enfrentada por muitas mulheres brasileiras, cujo trabalho de cuidado é invisilibizado em razão do machismo e da negligência governamental. Destarte, é primordial combater as origens do revés, a fim de mitigá-lo.

Nesse sentido, vale salientar que a mentalidade sexista vigente na sociedade brasileira é determinante para manutenção desse cenário caótico. De acordo com Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Sob essa perspectiva, é possível ampliar o conceito de gênero, haja vista que é necessário desconstruir a ideia de que homens e mulheres desempenham papéis fixos na sociedade em razão, exclusivamente, de sua genética. Na verdade, a concepção sobre o feminino excede a Biologia, uma vez que, em conformidade com Beauvoir, a função da mulher é imposta pela sociedade que, por sua vez, é majoritariamente machista. Dessarte, pode-se dizer que a desvalorização dos serviços de cuidado fornecidos pelas mulheres está diretamente relacionada à noção equivocada de que elas nasceram para realizar tais atividades. Logo, reverter a mentalidade sexista é imprescindível para superar o entrave.

Outrossim, a ineficiência da máquina pública é também um fator que fomenta a perpetuação desse quadro alarmante. Segundo o filósofo John Rawls, é dever do Estado garantir a igualdade de oportunidade para todos. Dessa forma, a omissão do poder público agrava a invisibilidade do trabalho doméstico feminino e, consequentemente, impossibilita sua justa remuneração. Além disso, o tempo gasto pelas mulheres em suas jornadas de ofício para a família impede que elas estudem, trabalhem e cuidem da própria saúde. Dessa maneira, a ineficácia do governo em valorizar essas mulheres acentua problemas de desigualdade de oportunidades, conforme pontuava Rawls, especialmente entre homens e mulheres. Isso porque pessoas do sexo masculino são socialmente isentas desses trabalhos, como afirmava Simone de Beauvoir.

Infere-se, portanto, que medidas são necessárias para dar notoriedade às atividades laborais de cuidados desempenhadas por mulheres. Para isso, o Ministério da Educação, como órgão responsável por construir a mentalidade dos cidadãos, deve incluir, na Base Nacional Comum Curricular, a disciplina “tarefas domésticas”, de modo a orientar também os homens na realização desses trabalhos, a fim de reverter a mentalidade machista que impera. Ademais, o governo federal, como instância máxima executiva, deve criar uma agenda econômica democrática, por intermédio da destinação de recursos voltados à remuneração das mulheres que prestam serviços de cuidado, com a finalidade de valorizá-las e garantir a igualdade de oportunidades. Assim, os versos da canção do Péricles deixarão de representar o corpo social brasileiro.

Karoline Soares Teixeixa

redação nota mil enem 2023 da candidata karol teixeira
(Karol Teixeira/Inep/Arquivo pessoal)

O filme “Como você consegue?” explora as transformações que envolvem a figura feminina durante a chegada da maternidade e o gerenciamento das tarefas domésticas. Semelhante a obra cinematográfica, no atual contexto social brasileiro, observam-se desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres relacionados às configurações de gênero historicamente construídas e a inadequação da legislação trabalhista do país. Urge, então, a modificação de tal conjuntura, tendo em vista a necessidade de acompanhar as mudanças sociais ocorridas nos últimos anos.

De início, é válido elencar o processo de construção dos parâmetros de gênero que ainda permeiam a sociedade brasileira. Nesse sentido, no período da República Velha e do coronelismo, as ideias patriarcalistas, que atribuem aos homens os papéis de chefia e de destaque, foram fortalecidas e conferiram as mulheres uma postura de subordinação, acompanhada da responsabilidade reprodutiva e da organização domiciliar, estrutura abordada no filme “Como você consegue?” e que, além de ter sido reproduzida por muitos anos, foi transferida às gerações futuras.

Sob esse viés, apesar das diversas mudanças sociais que incluem a participação da mulher no mercado de trabalho formal e a progressiva redução da taxa de fecundidade, ainda existem resquícios dos paradigmas históricos, que se manifestam por meio da permanente associação do ideal de cuidado à figura feminina, do insuficiente e reconhecimento do assistencialismo das mulheres como forma de trabalho e da contínua necessidade de reafirmação dos direitos conquistados. Dessa forma, é possível estabelecer a parcela de participação da cadeia social na invisibilização dos serviços realizados pelas mulheres.

Ademais, não há uma especificidade legislativa que reconheça o trabalho de cuidado feito pela população feminina dentro dos padrões de formalidade. Nesse ponto, ainda que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) tenha ampliado e normatizado os direitos dos trabalhadores brasileiros, há uma incoerência no que diz respeito à ausência de uma lei específica sobre o trabalho das chamadas “donas de casa” e sobre a garantia de sua cidadania fato que reverbera seus efeitos pelo elevado contingente de mulheres que desempenham funções de assistência com pouca ou nenhuma remuneração, ficando à margem dos benefícios promovidos pela admissão em cargos formais. Dessa maneira, faz-se necessária uma reorganização do complexo legislativo nacional.

Logo, torna-se evidente a necessidade da adoção de medidas que visem a minimização dos desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado desempenhado pelas mulheres no Brasil. A partir disso, o governo, como principal responsável pela manutenção do bem-estar dos brasileiros, junto aos complexos midiáticos, deve debater sobre o tema, por meio da criação de campanhas publicitárias sobre o essencialismo dos serviços feitos pelas mulheres, com o intuito de estimular a sociedade a dar mais atenção ao tema.

Além disso, o mesmo agente deve readequar a legislação, por intermédio da criação de uma lei específica sobre o assistencialismo feminino, com propósito de tirar tal parcela da invisibilidade de direitos trabalhistas. Assim haverá condições favoráveis ao desenvolvimento da equidade de gênero.

Mariane Clementino Barbosa

espelho redação enem
(Inep/Reprodução)

A série estadunidense “Grey’s Anatomy” retrata o cotidiano e as intempéries enfrentadas por um grupo de médicos em Seattle. Dentre essas, a protagonista Meredith sofre com o distanciamento de seus amigos após precisar abdicar de sua carreira de cirurgiã para cuidar de seus filhos e de sua casa, uma vez que seu marido não estava disposto a fazer o mesmo. Fora da ficção, o cenário não é muito diferente, tendo em vista os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil. Isso ocorre devido à carência de conhecimento da população e à ineficiência estatal no que se refere ao tema.

Em primeira análise, observa-se a ignorância como agravante da problemática até meados do século XX, quando os direitos femininos não estavam completamente assegurados, a mentalidade social estava relacionada à divisão de trabalho por gênero, em que o serviços da esfera pública, realizados, fora de casa, eram de dominância masculina, enquanto os domésticos estavam destinados às mulheres. Assim tendo por base o filósofo alemão Immanuel Kant, o qual aponta a necessidade de educação para a mudança de comportamento e de mentalidade dos indivíduos, o cenário atual é de permanência da invisibilidade do trabalho de cuidado, haja vista a ausência de ações educativas para reverter o quadro.

Ademais, é válido ressaltar a inércia governamental a respeito da temática. Assim como abordado na produção “Grey’s Anatomy”, mesmo com a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, faz-se necessária a adoção de medidas que regulamentem os trabalhos de cuidado realizados pelas mulheres no Brasil, a fim de que haja a equidade entre gêneros e a valorização dos indivíduos. Entretanto, em consonância com o filósofo Darcy Ribeiro, as leis nacionais são robustas em teoria, mas ineficientes na prática, demonstrando a fragilidade do Estado brasileiro e a consequente persistência do problema no país.

Portanto, a partir dos fatos citados, atribui-se ao Governo Federal a responsabilidade de implementar o programa de ação social “Mulheres em Foco”, que, a partir de oficinas educativas e Integradas em escolas públicas e privadas de todo o país, terá por objetivo levar mais conhecimento e visibilidade acerca do trabalho de cuidado realizado por mulheres no Brasil para jovens de 10 a 18 anos. Desse modo, espera-se que os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil sejam superados.

Letícia Fernandes de Morais

espelho redação leticia enem notal mil
(Leticia Fernandes/Reprodução)

São inegáveis os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil. A obra literária “Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen, retrata o desejo da Sra. Bennet de casar as cinco filhas. Fora da ficção, observa-se a semelhança entre a Sra. Bennet e a sociedade, a qual associa o casamento e o cuidado familiar ao sucesso feminino. Todavia, nota-se a falta de valorização, que gera invisibilidade, ao trabalho de cuidado realizado pela mulher. Portanto, é imprescindível verificar os motivos que impedem a solução do problema. 

Em primeiro lugar, há de se ressaltar a omissão governamental diante da invisibilidade do trabalho de cuidado feito pela mulher. Consoante sociólogo Thomas Hobbes, o Estado deve garantir o bem-estar social. Entretanto, a ausência de valorização do trabalho de cuidado feito pela mulher contraria o pensamento de Hobbes. Nesse contexto, 75% do trabalho de cuidado não remunerado é realizado por mulheres. Dessa maneira, as mulheres têm a qualidade de vida privada ou prejudicada, uma vez que não há programas governamentais os quais garantem segurança financeira para as mulheres que deixam o trabalho remunerado para cuidar dos entes. Sendo assim, a falta de apoio governamental corrompe o bem-estar social. 

Em segundo lugar, sabe-se que a sociedade contribuí para a ausência de valorização do trabalho de cuidado realizado pela mulher. Nessa perspectiva, a história brasileira apresenta valores e percepções sociais enraizadas em relação ao trabalho feminino. Desse modo, a imagem da mulher caracterizou-se como reprodutora e cuidadora, devido ao passado no qual a mulher foi inferiorizada. Paralelamente, na atualidade, a perpetuação de tal imagem referente à mulher impediu a valorização e o reconhecimento do trabalho de cuidado realizado pela mulher, formando assim, uma sociedade baseada no preconceito e na discriminação de gênero. 

Logo, para superar os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil, cabe ao poder público, em parceria com o Ministério da Família, promover a valorização do trabalho feminino de cuidado. Dessa forma, por meio de campanhas na mídia nacional que sensibilizem a população, bem como pela promulgação de projetos de apoio financeiro destinados às mulheres que saem do trabalho formal para realizar o trabalho de cuidado, tem-se o intuito de mitigar o legado histórico de preconceito e garantir o devido valor do trabalho de cuidado feito pelas mulheres no Brasil. Posto isso, espera-se assegurar a importância do trabalho de cuidado feito pela mulher e superar o cenário mostrado por Jane Austen.

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