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A trajetória dos brasileiros que levaram ouro na Olimpíada de Matemática

Marcelo Machado Lage e Olavo Paschoal Longo levaram a melhor no evento mundial sediado na Noruega

Por Luccas Diaz
Atualizado em 17 ago 2022, 16h08 - Publicado em 9 ago 2022, 19h22
Dois rapazes com medalhes de ouro no pescoço posam com bandeira do Brasil em uma praça públcia ensolarada
Olavo e Marcelo são os brasileiros medalha de ouro na IMO 2022 (Etapa/Divulgação)
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Nada de piscinas gigantes, corridas de cem metros ou danças no gelo. No mundos das olimpíadas de matemática, os desafios olímpicos acontecem dentro de uma sala de aula, mais especificamente em um caderno de provas contendo 3 exercícios. Entre os dias 6 e 16 de julho, aconteceu em Oslo, na Noruega, a 63º edição da Olimpíada Internacional de Matemática, mais conhecida pela sigla em inglês, IMO. E deu Brasil! Não apenas um, mas dois estudantes brasileiros levaram a melhor e conquistaram uma medalha de ouro cada.

Eles são Marcelo Machado Lage e Olavo Paschoal Longo, ambos de 18 anos. Jovens calouros da Universidade de São Paulo (USP) que, graças à brecha que permite que estudantes do hemisfério sul participem das olimpíadas até um ano depois de concluir o Ensino Médio, voltaram para casa com uma medalha de ouro no pescoço. A explicação por trás dessa exceção à regra é simples: o nosso calendário escolar é, em média, seis meses adiantado em relação ao hemisfério norte.

Mas não se engane, o caminho dos dois até a IMO foi longo. Ambos estão no universo da matemática olímpica há anos e já passaram por uma série de olimpíadas menores ou de categorias regionais para serem selecionados. Foi o resultado deles em cada uma que os levou até a IMO. Diferentemente de uma prova de vestibular, por exemplo, um aluno não pode simplesmente se inscrever na olimpíada internacional: é preciso ser convidado.

A IMO é a maior e mais tradicional olimpíada do conhecimento. O evento acontece desde 1959 e reúne anualmente representantes de mais de 100 países para resolver questões de cálculo e álgebra. Assim como nas olimpíadas esportistas, os times de cada país são desafiados com provas e os atletas mais bem colocados são coroados com medalhas de ouro, prata ou bronze.

A performance de Marcelo e Olavo garantiram o ouro ao Brasil. Nesta edição, a equipe brasileira, composta por seis alunos, encerrou a competição em 19º lugar no ranking geral, à frente de países como França, Espanha e Áustria. No restante do time brasileiro, Rodrigo Porto levou uma medalha de prata; Eduardo Henrique do Nascimento e Gabriel Torkomian, bronze; e João Pedro Costa, a menção honrosa.

Ah! E a viagem foi toda custeada pela a Associação Olímpica Brasileira de Matemática. Como se tudo isso não fosse estimulante o suficiente, alguns vestibulares, como o da Unicamp, reservam vagas para medalhistas olímpicos, que, neste caso, não precisam prestar o vestibular.

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Ficou curioso? Dá uma espiada em um exercício da prova da última edição.

Reprodução do exercício 3 do primeiro dia de prova da IMO 2022
Vai encarar? Os exercícios cobrados na IMO são de enunciado simples, mas apresentam uma complexidade extrema na resolução (IMO 2022/Reprodução)

Se você ficou assustado com a complexidade, ou não saberia sequer por onde começar, fique tranquilo. A matemática das olimpíadas é um tanto diferente da cobrada na grade escolar. Ela se aproxima da matemática de pesquisa, e, diferentemente do que é ministrado no Ensino Médio, envolve muito mais ser original e ter um grande repertório de ideias do que decorar fórmulas.

Em geral, as questões têm enunciados simples, fáceis de entender, mas propõem problemas extremamente complexos de se resolver. O desafio está em chegar até a resposta – caminho este que pode pedir soluções inusitadas ou inspirações quase que artísticas.

Essa complexidade se reflete até mesmo na correção dos exercícios. Na IMO, as questões estão longe do binarismo entre certo e errado. Cada questão é pontuada entre 0 a 7, e pode contar com a argumentação do líder de cada país (toda equipe possui, além de seis atletas, um líder e um vice-líder).

Durante anos, tanto Marcelo quanto Olavo participaram de aulas semanais focadas em matemática olímpica, no Colégio Etapa. Esta foi a segunda IMO dos dois: no ano passado, os jovens conquistaram a medalha de prata. Marcelo é de Belo Horizonte, se mudou para São Paulo, e começou o curso Ciências da Computação da USP neste ano. Olavo já era da capital paulista e também iniciou a graduação na mesma universidade em 2022, no curso de Engenharia de Produção.

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Equipe brasileira da IMO 2022: são seis jovens rapazes segurando a bandeira do Brasil em um palco.
Equipe brasileira da IMO 2022, da esquerda para a direita: João Pedro Costa, Marcelo Machado, Gabriel Torkomian, Olavo Paschoal, Eduardo Henrique do Nascimento e Rodrigo Porto (IMO/Divulgação)

O GUIA DO ESTUDANTE conversou com os dois medalhistas e ouviu sobre como foi para cada um a jornada até a IMO. Confira:

Guia do Estudante: Como vocês descobriram o universo das olimpíadas de matemática?

Olavo Paschoal: Eu descobri quando estava entre o sétimo e o oitavo ano do Ensino Fundamental. Eu estava muito insatisfeito com a escola e não me sentia animado com aquilo que ela me oferecia. Um dia, eu estava justamente indo me desmatricular da escola onde eu estudava, e naquele momento um professor de olimpíada ouviu o meu caso e me chamou para conversar. Ele propôs que eu entrasse nas aulas de olimpíada de matemática e, naquela mesma tarde, já me apaixonei.

Marcelo Machado: Eu comecei fazendo a Olimpíada Mineira. Tive um professor no colégio, chamado Ricardo, que observou que eu tinha mais facilidade com matemática e que as coisas normais no currículo estavam fáceis demais para mim. Então, ele me indicou as olimpíadas e disse que eu iria gostar.

GE: A IMO é a olimpíada do conhecimento mais importante, como faz para participar?

OP: São várias etapas. Você começa fazendo uma OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), faz olimpíadas regionais, e aí você se classifica para o OBM (Olimpíada Brasileira de Matemática), que é a nossa olimpíada nacional. Se você tem um bom resultado na OBM, você pode ir para uma Semana Olímpica, que é uma espécie de convenção dos alunos de olimpíada de matemática do Brasil. E aí você vai sendo convocado a fazer testes e provas de seleção da IMO.

MM: Os convites para a IMO são feitos a partir dos resultados dessas olimpíadas anteriores, não há inscrições. Os testes têm caráter eliminatório e vão selecionando os candidatos até chegar ao grupo final que irá compor o time de seis que representará o país.

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GE: O que as Olimpíadas de Matemática significam para você?

OP: Olimpíada para mim é um divertimento. É como um esporte, uma peça central na minha vida. Eu entrei em contato com esse mundo quando ainda era criança, então eu brincava de olimpíada. E desde então eu conheci pessoas excepcionais de todas as áreas, fiz amizades para vida toda. As olimpíadas são uma oportunidade para você desenvolver o seu raciocínio lógico, que é algo importante não só para esses desafios, mas para qualquer outra área do conhecimento. Eu só tenho a agradecer pelo o que a olimpíada fez por mim, e pelo o que eu consegui conquistar dentro dela.

MM: Dentro das olimpíadas, eu descobri uma matemática que eu nunca tinha visto antes. Eu acho que a olimpíada sempre vai conseguir te desafiar, no sentido de que você nunca vai conseguir ter certeza de que o seu resultado está certo. Você sempre vai estar um pouco frustrado, desafiado. Se a escola tá fácil, você tem que se desafiar e buscar alguma outra coisa que vai te deixar incompleto, com vontade de mais. E foi esse sentimento que me motivou.

GE: Agora vocês já estão formados na escola, mas como foi a rotina de estudos de vocês, considerando as várias participações em olimpíadas?

OP: A minha rotina é a mesma o ano todo, não importa se tem uma olimpíada chegando ou não, eu estudo praticamente o tempo todo. Quando eu não estava em nenhum compromisso da escola formal, estava estudando olimpíada. Independe de ter uma olimpíada se aproximando ou não, é uma preparação contínua.

MM: Eu nunca gostei de ter uma rotina fixa de estudos. Exceto pelas aulas semanais dedicadas à olimpíadas, minha rotina consistia em pensar em problemas matemáticos durante a semana. Eu estava sempre pensando em problemas, escrevendo soluções e revisando a teoria quando necessário.

GE: Vocês ficaram nervosos durante a IMO? Como lidaram com a pressão psicológica?

OP: Essa IMO em particular eu já estava bastante experiente, este foi o meu sexto ano fazendo olimpíada, e foi a minha segunda IMO. Então, não tive grandes dificuldades. Acho que aprendi a controlar a atenção ao longo dos anos. Mas ainda assim, eu fiquei doente nessa IMO, passei muito mal no primeiro dia de prova. Não sei se foi o meu corpo catalisando o nervosismo em forma de uma gripe ou algo assim.

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MM: Ano passado a IMO foi virtual, por conta da pandemia. Então, para mim, o mais difícil foi trabalhar o meu lado psicológico, para eu não me amedrontar, me diminuir ou se sentir pressionado pelo ambiente presencial. Você está ali com outras centenas de estudantes, de vários países diferentes, todos ao seu redor e você precisa focar e lembrar o porquê de você estar ali para não se distrair.

GE: E como foi a viagem para a Noruega? Vocês fizeram amizades com outros competidores?

OP: Conhecer um país novo é muito interessante, eu não sabia nada da Noruega, foi muito legal conhecer. De olimpíadas passadas, eu já tinha alguns amigos, principalmente aqui da América Latina, mas a gente conheceu pessoas da Suíça, de Luxemburgo, Estados Unidos… Apesar de serem crianças de realidades muito diferentes das nossas, eles todos têm um interesse em comum, que é matemática, então é bastante legal.

MM: Foi muito bom! A Noruega é um país muito diferente, tem uma cultura muito diferente. A gente teve oportunidade de conhecer alguns noruegueses, conversar um pouco sobre a história do país. Eu fiz amizade principalmente com outros estudantes latinos, até porque os nossos alojamentos eram mais próximos. E alguns suíços também! Tive a oportunidade de conhecer pessoas de outros países e conversar sobre matemática, que afinal de contas é o que nos une.

GE: Ser medalhista em uma olimpíada do conhecimento pode abrir muitas portas. Desde que voltaram, já surgiu alguma oportunidade de estudo ou trabalho?

OP: As empresas estão prestando mais atenção nas olimpíadas e os próprios patrocinadores da olimpíada entram em contato com a gente. A medalha com certeza já me abriu algumas portas, vamos ver como vai ser no longo prazo.

MM: Ainda não apareceu muita coisa, talvez apareça alguma oportunidade de estágio ou algo assim, mas foi muito recente, então eu diria que ainda não.

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GE: Qual conselho vocês dão para quem quer entrar no mundo das olimpíadas e, quem sabe um dia, chegar também na IMO?

OP: Está cheio de fórum na internet onde tem os problemas cobrados nas olimpíadas desde o nível mais iniciante até os mais avançados. Minha dica é pegar os exercícios e tentar resolver. Porque eles são tão diferentes daquilo que a gente é acostumado, que você realmente não tem como saber como é se não pegar para tentar de verdade.

MM: Minha dica é nunca se acomodar. Se a escola está fácil, você tem que ir além e buscar mais. Qualquer olimpíada em geral vai te oferecer coisas que o currículo normal não oferece. Você precisa estar insatisfeito com a facilidade da escola.

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Entrevista
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Marcelo Machado Lage e Olavo Paschoal Longo levaram a melhor no evento mundial sediado na Noruega

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