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“O auto da Compadecida” – Análise da obra de Ariano Suassuna

Entenda os principais aspectos da obra

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 12 abr 2018, 16h03 - Publicado em 3 set 2012, 21h23

A peça retoma elementos do teatro popular, contidos nos autos medievais, e da literatura de cordel para exaltar os humildes e satirizar os poderosos e os religiosos que se preocupam apenas com questões materiais.

Leia o resumo de O Auto da Compadecida

Atmosfera circense
A peça “Auto da Compadecida”, escrita por Ariano Suassuna em 1955, obteve grande destaque ao ser encenada no Rio de Janeiro, em 1957, por ocasião do 1º Festival de Amadores Nacionais. O Brasil descobria ali um novo tipo de teatro, calcado na tradição popular.

O enredo da peça é um trabalho de montagem e moldagem baseado em uma tradição antiquíssima, que remonta aos autos medievais de Gil Vicente e mais diretamente a inúmeros autores populares que se dedicaram ao gênero do cordel. Nesse tipo de literatura, os criadores contam e recontam as mesmas histórias e acrescentam o seu toque pessoal. Reconhecer esse “toque pessoal” de cada trabalho artesanal, contudo, exige do observador grande atenção aos detalhes.

A peça tem um pequeno texto introdutório que visa a orientar a encenação e a explicar, em linhas gerais, o espírito da obra: “O Auto da Compadecida foi escrito com base em romances e histórias populares do Nordeste. Sua encenação deve seguir, portanto, a maior linha de simplicidade, dentro do espírito em que foi concebido e realizado (…)”.

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Um pouco adiante, o autor sugere ainda que na primeira cena se utilize o palco como um “picadeiro de circo”. De fato, nessa cena, todos os personagens (com exceção de Manuel, o Jesus, representado por um ator negro, que fica escondido para preservar o efeito de surpresa) apresentam-se ao público fazendo mesuras e são anunciados em voz alta pelo Palhaço, numa atmosfera circense.

A primeira fala da peça cabe ao Palhaço, e a orientação do autor é que seja realizada em “grande voz”: “Auto da Compadecida! O julgamento de alguns canalhas, entre os quais um sacristão, um padre e um bispo (…)”.

Após um “toque de clarim”, o assunto da peça é anunciado pelo Palhaço: “A intervenção de Nossa Senhora no momento propício, para triunfo da misericórdia. Auto da Compadecida!”

Todos esses elementos antecipam partes da narrativa: desde a apresentação prévia dos personagens até o anúncio de que será realizado um julgamento e que nele Nossa Senhora intervirá de forma a salvar os condenados.

O espectador pode se perguntar: para que antecipar o que vai acontecer e estragar a surpresa? O fato é que, nesse tipo de tradição, o que importa não é um final inesperado. O que deve ser apreciado é o “como se fez”, ou seja, a habilidade do autor ao trabalhar o material conhecido de todos.

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Fenômeno parecido pode ser observado no romance Dom Quixote, no qual os títulos de cada um dos inúmeros capítulos antecipam os acontecimentos que depois serão contados detalhadamente. Esse prazer de contar e recontar histórias é típico da tradição oral e está quase extinto em nossos dias, em virtude de mudanças históricas que fazem com que o homem contemporâneo não tenha tempo nem disposição para ouvir repetidas vezes as mesmas histórias.

Comentário do professor
Confira a seguir o comentário do prof. Marcílio B. Gomes Jr, da Oficina do Estudante de Campinas (SP):

“Auto da Compadecida”, peça teatral de Ariano Suassuna, é um auto (peça de apenas um ato) que consubstancia a tradição do teatro medieval português ao contexto social e histórico do nordeste brasileiro. O argumento da peça gira em torno das aventuras quixotescas de João Grilo, um tipo pitoresco que protagoniza os acontecimentos de forma absolutamente imaginosa, e seu companheiro Chicó. Ambos se envolvem no caso do cachorro da mulher do padeiro, comprometendo um número considerável de personagens que, em meio às confusões armadas pelas mentiras de João Grilo, vão se enredando numa trama que culmina com o julgamento de algumas delas diante de Jesus, da Virgem Maria e do Diabo.

Dentre as personagens que atuam nessa trama, estão o Padeiro e sua mulher, o Padre, o Sacristão, o Bispo, o cangaceiro Severino, o Major Antônio Morais. Ao longo da peça, o autor fixa certas linhas de força que caracterizam bem o teatro brasileiro, especialmente o nordestino. Uma dessas linhas de força é a carga religiosa, especificamente o catolicismo, que se articula na lógica interna da peça, por meio do binômio “bem e mal”. Trata-se, na verdade, de um desdobramento da forte cultura religiosa do nordestino, que se apega a Deus e teme as influências do mal. Essa intervenção do elemento religioso deriva também da tradição do teatro medieval (ou mesmo vicentino), já que durante a Idade Média as manifestações artísticas estiveram sempre vinculadas à Igreja.

Ao resgatar essa tradição teatral medieval, Ariano Suassuna realiza uma leitura da moral católica muito ajustada aos tipos que cometem gestos transgressores. Outra linha de força de “Auto da Compadecida”, é a presença do anti-herói ou herói quixotesco, uma espécie de personagem folclórica que vive ao sabor do acaso e das aventuras. João Grilo é esse típico anti-herói, que se envolve com as mais diversas personagens e se compromete com as próprias mentiras. No entanto, é através dele que o autor propõe um exame dos valores sociais e da moral estabelecida. Em outras palavras, Suassuna pretende refletir sobre a fragilidade e a suscetibilidade de nossas convicções.

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O elemento religioso, a fixação da cultura popular, a presença do anti-herói e a linguagem simples bem articulada nas falas das personagens, são elementos que merecem um olhar atento, pois sua combinação constitui a arquitetura e a lógica do “Auto da Compadecida”. Vale lembrar também que Ariano Suassuna traz à tona reflexões de ordem moral por meio das quais problematiza as fraquezas humanas, relativizando valores e convicções. Não se pode ignorar a linha marcante do humor que percorre toda a estrutura da peça, caricaturizando não apenas as personagens, mas também as circunstâncias em que elas se envolvem.

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