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“Lucíola” – análise da obra de José de Alencar

Entenda a obra

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 12 abr 2018, 15h27 - Publicado em 28 set 2012, 21h53

– Leia o resumo de Lucíola

Amor físico versus amor espiritual
A obra de José de Alencar pode ser dividida em quatro grupos. O primeiro deles, os romances indianistas, produziu grande parte das maiores obras, não só de sua carreira, como da literatura brasileira. Dentre elas, podemos citar Iracema, O Guarani e Ubirajara.

Já no segundo grupo, o dos romances históricos, encontram-se obras como Minas de Prata e Guerra dos Mascates. O terceiro grupo nasce da vivência nas grandes cidades e da luta entre o espírito conterrâneo e a invasão estrangeira: são os chamados romances urbanos de Alencar. Dentre eles, podemos citar Lucíola, Diva e A pata da Gazela.

Por fim, temos o quarto grupo de romances do escritor: os romances regionalistas. Dentre as obras deste período, podemos citar O Gaúcho, O Tronco do Ipê e Til. Esta nova fase na obra de José de Alencar nasce da busca de uma nova identidade nacional. Após a independência política do Brasil, os escritores românticos param de buscar na figura idealizada do índio o modelo de brasilidade. Agora, o “ser brasileiro” não se encontra mais na floresta, entre rios e animais selvagens, mas sim nas cantigas do povo, nas fazendas e até mesmo na corte.

Nos romances urbanos, José de Alencar procurou registrar os padrões de comportamento e valores da sociedade que estava em transformação no período do Segundo Império. Alencar percebeu que a sociedade era movida principalmente pelo dinheiro e estava preocupada com o status social que o poder aquisitivo dava. Nas obras dessa fase, há um conflito entre o indivíduo e esta sociedade.

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No caso de Lucíola, porém, este conflito é realçado, uma vez que estes valores e preconceitos estão enraizados nos próprios protagonistas. Assim, o conflito não se dá somente entre o indivíduo e a sociedade, mas também dentro do próprio indivíduo. Porém, para que haja uma redenção da personagem conflituosa (no caso, Lúcia), tem que haver castigo e autopunição, pois ela mesma afirma os preconceitos contra o grupo social ao qual pertence (o das cortesãs).

Esse moralismo também está presente na figura de Paulo (amor de Lúcia), e isto fica explicitado logo no início do romance: por haver uma jovem presente na sala, ele não conta sua história de amor com Lúcia para G.M. pessoalmente e resolve faze-lo por carta. Além disso, Paulo aparece como uma figura bipartida dentro do romance: um seria o Paulo-personagem, e outro seria o Paulo-narrador. Ao contar sua história, o Paulo-narrador não o faz de modo a repensar os fatos ocorridos de uma posição superior, ou seja, com os olhos do presente. Ao contrário, ele narra com os olhos do Paulo-personagem, isto é, conta sua história como se ela estivesse acontecendo naquele momento, com as emoções e sentimentos vividos durante os fatos narrados. Por conta disso, não há um distanciamento e nem uma postura autocrítica por parte do narrador. Assim, a responsabilidade sobre o que é narrado (visão sobre os fatos, as pessoas, etc.) recai inteiramente em Paulo, que é uma personagem completamente incapaz perante Lúcia.

Essa incapacidade de Paulo perante Lúcia decorre da dissociação entre o amor físico e o amor espiritual, que é a dicotomia sobre a qual o romance é estruturado. Esse par de opostos é fundamentado em uma concepção romântica de amor e gera uma série de preconceitos dentro de uma sociedade patriarcal, uma vez que o amor espiritual é aceito perante a sociedade, ao contrário do amor físico, que é condenado. Assim, a incompreensão entre Paulo e Lúcia ocorre porque em um primeiro momento a relação deles é fundamentada em um amor físico, carnal, e isso se torna um obstáculo para uma união plena entre os dois.

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Assim, ao longo do romance haverá uma transformação em Paulo e Lúcia para que os dois possam consumar de fato seu amor. Por um lado, Paulo irá perder um pouco de sua inocência e irá cometer erros levado pelo orgulho – sendo que irá reconhecer suas falhas e pedir perdão. Por sua vez, Lúcia será “purificada”, deixando de ser a cortesã para redescobrir a adolescente virgem e pura que fora um dia. A medida em que estas transformações vão ocorrendo, Lúcia irá negar outros homens e passará a se dedicar apenas a Paulo; porém, quando ela se purifica totalmente e volta a ser a Maria da Glória, Lúcia irá se abster totalmente de contato físico e irá negar até a Paulo um simples beijo.

Porém, Lúcia ainda não pode ser completamente perdoada, pois a sociedade não esquece, e ela sofre uma autopunição: Lúcia morre por causa do filho que ela teve com Paulo, fruto de um amor físico proibido – uma vez que eles ainda não haviam atingido o “amor espiritual” quando o conceberam. Assim, só através da aniquilação do corpo pecaminoso é que Paulo e Lúcia puderam se unir eternamente e a redenção de Lúcia pode ser alcançada.

Foco narrativo
“Lucíola” é narrado em primeira pessoa, possuindo portanto um foco narrativo mais limitado. Assim, a história é vista a partir da perspectiva particular do indivíduo (no caso, Paulo), que participa dos acontecimentos ali narrados e que está sujeito a ver esses mesmos acontecimentos de acordo com a ótica que a sociedade impõe.

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Comentário do professor
O prof. João Amalio Ribas (Joãozinho), do Colégio Acesso de Curitiba (PR), frisa que, embora “Lucíola” seja um dos mais importantes romances da estética romântica, essa obra convive de forma problemática com a estética da qual faz parte. Em primeiro lugar, isso é porque a heroína de Lucíola é uma cortesã, o que foge da idealização romântica de heroína. Em segundo lugar, há nessa obra um retrato ácido/crítico da sociedade carioca do Segundo Império, não entrando em consonância com a literatura de “diversão” dessa época, explica o prof. Joãozinho.

Porém, “Lucíola” ainda deve ser considerada uma obra romântica porque a heroína Lúcia ainda é uma personagem idealizada. Ao longo da narrativa, ela vai se transformando de mulher fatal e demoníaca em uma mulher angelical, doce, insegura e apaixonada, o que corresponde ao ideal romântico da heroína. Essas duas facetas da mulher, a mulher anjo versus a mulher demônio, é explicitada também na duplicidade nominal da personagem: há Lúcia, que exala sensualidade e é a mulher fatal; e Maria da Glória, que representa a mulher sensível, meiga, frágil e corresponde ao estereótipo romântico.

Além disso, o prof. Joãozinho lembra que o enredo de Lucíola é muito parecido com o de A dama das camélias, do escritor francês Alexandre Dumas. José de Alencar deixa essa referência muito clara na obra fazendo com que a personagem Lúcia leia A dama das camélias dentro do romance Lucíola. Conforme explica o prof. Joãozinho, a intensão do autor é estabelecer uma estética genuinamente brasileira, mas que esteja equiparada à estética literária europeia.

Outro ponto interessante ao qual deve-se estar atento é que há um “fingimento de realidade”: a história narrada em Lucíola teria de fato acontecido e teria sido transmitida ao escritor da obra (no caso a Sra. G. M.) através de cartas. Por fim, o prof. Joãozinho frisa que o título do livro também é um ponto importante e que merece atenção. Quem deu esse título à obra seria a Sra. G.M. e ela explica o porquê de “Lucíola” no prólogo do livro: “Lucíola” seria um inseto que vive na escuridão à beira dos charcos, e que brilha com uma luz muito intensa. Assim, esse inseto seria como Lúcia, que vive dentro da escuridão, mas que conserva dentro de si uma alma pura.

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