“Urupês” – resumo e análise da obra de Monteiro Lobato
Entenda o enredo e os principais aspectos da obra
Urupês e o nascimento de Jeca Tatu
“Urupês”, obra publicada originalmente em 1918, reúne ao todo 14 contos de Monteiro Lobato. Segundo o prefácio da 2a. Edição do livro, esta obra surgiu do artigo “Velha praga”, publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo no ano de 1914. Na época, Monteiro Lobato dedicava-se ao trabalho na fazenda que recebeu como herança de seu avô e amargava um ano terrível por conta da seca. Além do problema causado pela seca do inverno, Monteiro Lobato estava exausto das constantes queimadas praticadas pelos caboclos. Por conta disso, ele resolveu escrever uma carta de indignação ao jornal, que viu naquele texto algo muito valioso e o publicou fora da seção de cartas dos leitores. “Velha praga” causou grande impacto e polêmica, fazendo com que Monteiro Lobato publicasse outros textos que dariam origem ao livro “Urupês”.
Um destes textos, cujo título dá nome ao livro (“Urupês”), dá vida ao que seria sua mais famosa personagem: o caboclo Jeca Tatu. Se o índio surgira como modelo ideal do brasileiro para os escritores do Romantismo da fase indianista, a figura do caboclo aparecia como seu substituto moderno – ao que Monteiro Lobato chamou de “caboclismo”. Porém, o caboclo de Monteiro Lobato não era em nada idealizado, mas ao contrário, trazia suas características negativas enfatizadas e o seu símbolo máximo é a personagem Jeca Tatu.
A personagem de Jeca representa toda a miséria e atraso económico do país de então, e o descaso do governo em relação ao Brasil rural. Jeca Tatu foi caracterizado por Monteiro Lobato como um homem desleixado com sua aparência e higiene pessoal, sempre de pés descalços e que mantinha uma pequena plantação apenas para subsistência. Sem nenhum tipo de educação e cultura, Jeca Tatu era um homem ingênuo e repleto de crendices. Por fim, era visto pelas pessoas como um alcoólatra e preguiçoso. Porém, como afirma Monteiro Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”, percebe-se através do texto que Jeca é uma vítima do descaso do governo.
Além do surgimento de uma das personagens mais icônicas da literatura brasileira (Jeca Tatu), Urupês trouxe uma série de inovações e sua importância se estende até os dias atuais. Uma delas diz respeito à linguagem empregada no livro. Monteiro Lobato estava preocupado em reproduzir nos seus textos a riqueza da fala brasileira da zona rural, com seus coloquialismos e neologismos tipicamente orais. De acordo com a crítica literária, o recurso da oralidade foi a maior ousadia do escritor em Urupês, pois nessa época o uso do português coloquial em obras era visto como algo “inferior” e sem valor literário. Dessa forma, pode-se dizer que Urupês é uma obra que de certa forma antecede as convenções estilísticas propostas pelos modernistas da Semana de 22.
Ainda com relação à linguagem empregada por Monteiro Lobato, é interessante notar a grande influência que Urupês teve sobre a língua portuguesa falada no Brasil. A partir do livro surgiram diversas palavras e expressões que hoje são dicionarizadas, como por exemplo o termo “jeca”, que vem da personagem Jeca Tatu e passou a ser sinônimo de “caipira”, “morador da zona rural” ou ainda “pessoa de hábitos rudimentares”.
Por fim, é importante ressaltar que a importância de Urupês não ficou restrita ao campo literário através de suas inovações estilísticas e linguísticas, mas teve também grande influência na indústria e no mercado cultural do Brasil. Isso porque até a Primeira Guerra Mundial, grande parte dos livros brasileiros eram impressos na Europa através de editoras estrangeiras, principalmente as francesas. Monteiro Lobato modificou essa forma editorial ao imprimir por conta própria o livro Urupês nas oficinas do jornal O Estado de São Paulo.
Com o dinheiro arrecadado com a venda de sua fazenda, Monteiro Lobato comprou a Revista do Brasil em 1918 e passou a publicar, além de suas próprias obras, livros de diversos outros escritores. Posteriormente, a Editora da Revista do Brasil passaria a se chamar Cia. Gráfico-Editora Monteiro Lobato e, após o colapso dessa, ressurgiria como Companhia Editora Nacional, que é a maior do Brasil e uma das maiores da América Latina. Assim, pode-se dizer que Monteiro Lobato lançou a indústria nacional do livro através da publicação de Urupês.
Principais contos
“A colcha de retalhos”
Neste conto fica muito evidente o cuidado de Monteiro lobato em preservar o registro linguístico utilizado pelos homens do campo e a riqueza do vocabulário deles. Através da decadência da moça Pingo (ou Maria das Dores), o autor expõe a decadência da zona rural e seus habitantes.
“Velha praga”
Originalmente um artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, passou a ser publicado como parte do livro Urupês a partir de sua segunda edição – uma vez que Monteiro Lobato considerava “Velha praga” a origem desse livro. Nesse texto, o autor denuncia as queimadas praticadas pelos caboclos nômades na Serra da Mantiqueira e os problemas por elas causados. Ao mesmo tempo, mostra o descaso em que essas pessoas vivem.
“Urupês”
Principal conto presente no livro, em “Urupês” Monteiro Lobato apresenta uma de suas maiores personagens: o Jeca Tatu. O título vem do apelido que essa personagem tem, “urupê” – que é uma espécie de fungo parasita. O Jeca Tatu é o representante máximo do caboclo que vive na lei do menor esforço, alimentando-se e curando-se daquilo que a natureza lhe oferece. Sem nenhum tipo de educação e alheio a tudo o que acontece pelo mundo, o Jeca Tatu representa a ignorância do homem do campo. Por fim, pode-se dizer que ele é a denúncia do descaso do governo com relação às pessoas da zona rural uma vez que, segundo Monteiro Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”.
Comentário do professor
O prof. Gilberto Alves da Rocha (Giba), do Curso Apogeu de Curitiba (PR), comenta que existem dois pontos em “Urupês” que merecem a atenção do candidato. O primeiro é que os contos presentes na obra têm temática regionalista e abordam os problemas das cidades da região do Vale do Paraíba, à época de Monteiro Lobato. Conforme explica o prof. Giba, esta é a primeira vez que um autor se propõe, na Literatura Brasileira, a fazer uma análise crítica da realidade do interior do Brasil. Um outro ponto a ser notado é que o conto “Os Faroleiros”, que abre a obra, destoa do estilo geral de Monteiro Lobato, já que não é regionalista: ele é ambientado no litoral.
Além disso, o prof. Giba acredita ser provável que a banca examinadora do vestibular peça questões relativas à personagem Jeca Tatu. Este é um dos personagens mais famosos da Literatura Brasileira e surge em “Urupês”, mas aparece em apenas um dos textos da obra, que é o conto que dá título ao livro. Por fim, o candidato deve ficar atento também ao estilo empregado por Monteiro Lobato em seus contos, sendo que vários deles possuem tendência expressionista (exagero, grotesco) e naturalista (aspectos sórdidos do ser humano) como “Bocatorta” e “Mata-Pau”, concluiu o prof. Giba.
Sobre Monteiro Lobato
José Bento Renato Monteiro Lobato nasceu na cidade de Taubaté, São Paulo, em 18 de abril de 1882. Foi alfabetizado inicialmente por sua mãe, mas depois chegou a frequentar a escola e formar-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. Durante seu tempo de faculdade, Monteiro Lobato já escrevia artigos para jornais sobre assuntos diversos, já sendo muito elogiado por seus comentários irônicos e originais. Após se formar, iniciou carreira como promotor público em sua cidade natal e casou-se com Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro, com quem teria quatro filhos.
Quando tinha 29 anos, seu avô falece e Monteiro Lobato herda a Fazenda Buquira. Em 1914, o jornal O Estado de São Paulo publica um artigo de Lobato chamado Velha Praga, que seria um dos contos publicados posteriormente no seu primeiro livro, Urupês (1918). A publicação deste artigo dá início à longa e prolífera carreira literária do escritor.
Em 1918, Monteiro Lobato compra a Revista do Brasil e logo depois funda a editora Monteiro Lobato & Cia, primeira editora do país. Em julho deste ano, o escritor publica o livro Urupês e o sucesso com que foi recebido fez com que Monteiro Lobato publicasse ainda em 1918 mais duas obras, Cidades Mortas e Ideias de Jeca Tatu. Em 1920, publica sua primeira obra infanto-juvenil, A menina do narizinho arrebitado, e mais outro grande sucesso, Negrinha. Em 1925, Monteiro Lobato declara a falência de sua editora, mas ele não deixa de se dedicar ao projeto editorial e à carreira literária.
Assim, envia uma carta defendendo a indústria editorial ao presidente Washington Luís, sendo muito bem reconhecido pelo presidente. Então, em 1927, Washington Luís nomeia Monteiro Lobato adido comercial nos Estados Unidos e o escritor muda-se para Nova Iorque. Lá ere irá ficar admirado com o poder económico e industrial do país. Ao regressar ao Brasil em 1931, Monteiro Lobato acreditava piamente na capacidade do país em produzir petróleo e iniciou uma luta que o deixaria pobre.
Tomando como inimigos o então presidente Getúlio Vargas e diversos empresários nacionais e internacionais, Monteiro Lobato publicou diversos livros e artigos em que tratava da questão do petróleo no Brasil. Por conta disso, chegou a ser preso duas vezes. Mesmo depois de conseguir a liberdade, Monteiro Lobato ainda enfrentou diversas lutas contra a ditadura e sua censura, vindo a aproximar-se dos comunistas.
Em 1943, Caio Prada Júnior funda a Editora Brasiliense e publica a obra completa de Monteiro Lobato. Pouco tempo depois, é indicado para a Academia Brasileira de Letras – onde já havia sido derrotado duas vezes antes em eleições para ocupar uma vaga –, mas recusa. Indignado com o governo de Eurico Gaspar Dutra, Monteiro Lobato escreve seu último livro, Zé Brasil (1947).
Em 1948, Monteiro Lobato sofre um primeiro espasmo vascular afetando sua motricidade. Cerca de três meses depois, em 4 de julho de 1948, sofre um segundo espasmo cerebral e falece aos 66 anos de idade na cidade de São Paulo.
Monteiro Lobato foi um dos maiores escritores brasileiros do século XX e sua obra é composta por dezenas de contos, artigos, críticas, traduções e romances. Além disso, é considerado o inventor e maior escritor de literatura infanto-juvenil do Brasil, publicando 23 abras na coleção Sítio do Picapau Amarelo e mais diversas outras avulsas. Suas principais obras para adultos são: “Urupês” (1918), “Cidades mortas” (1919) e “Negrinha” (1920).