Através da figura de Fradique Mendes, um notável intelectual, Eça de Queirós dá voz às insatisfações da nação portuguesa em meio a crise que assolava o país no final do século XIX.
Resumo
Na primeira parte da obra, um narrador em primeira pessoa que se trata por “eu” apresenta a personagem Fradique Mendes. Este teria sido um grande homem, um poeta visionário e detentor de grande sabedoria. Para dar mais verossimilhança e fazer o leitor crer que Fradique realmente existiu, Eça utiliza pessoas reais dentro da história, como seus amigos Batalha Reis, Antero de Quental, Ramalho Ortigão e outros, fazendo de conta que eles conheceram Fradique também.
Em um primeiro momento, o narrador se encontra em um café em 1867 e lê em uma edição de “Revolução de Setembro”, uma pequena coletânea de poemas chamada “Lapidárias”, que seria de autoria de Fradique Mendes. Para o narrador, aquele seria um grande poeta extremamente original, com temas realmente novos e modernos. Ele elogia, então, sobre Baudelaire e Fradique.
Após isso entra em cena Marcos Vidigal, amigo dos tempos de faculdade do narrador, mas descrito como uma pessoa menor. Porém, para surpresa do narrador, Vidigal é parente de Fradique e promete apresenta-los. Vidigal torna-se, então, um narrador em primeira pessoa e conta toda a história de Fradique.
O poeta de “Lapidárias” teria sido filho de uma rica família dos Açores e recebido grande herança. Fradique é educado por sua madrinha, mulher de grande erudição e punho firme. Ele estuda Direito em Coimbra e, após a morte de sua madrinha, fica em Paris esperando a maioridade para receber sua herança. Livre e rico, participa de diversos acontecimentos históricos e trava contato, dentre outros, com Victor Hugo. Terminado o relato de Vidigal, volta o narrador em terceira pessoa.
O narrador é então apresentado a Fradique e a partir daí cria-se uma certa amizade. Os dois travam discussões sobre arte, literatura e questões sociais. Apesar de o narrador declarar que acha Fradique pedante, mantém sua admiração por ele, uma vez que trata-se de uma pessoa original e brilhante. Fradique e o narrador ainda se encontram no Cairo e conversam sobre as diferenças entre o Oriente e o Ocidente. Para Fradique, o Oriente está tão decadente quanto o Ocidente.
O narrador segue, então, contando uma série de fatos sobre Fradique, de modo a deixar claro a erudição desse incrível homem e criar a ilusão de que ele realmente existiu. No final dessa primeira parte, o narrador conta que não sobrou nenhuma obra impressa de Fradique e que especula-se que ele havia deixado alguma arca perdida contendo manuscritos. De concreto, só restam cartas. Começa, então, a parte epistolar do livro, que consiste em cartas que Fradique escreveu a amigos e intelectuais da época.
A segunda parte do livro apresenta 16 cartas escolhidas pelo narrador para dar credibilidade à figura de Fradique Mendes. As cartas são endereçadas tanto a pessoas reais (tais como Oliveira Martins e Ramalho Ortigão) quanto a personagens fictícias. Dentre as 16 cartas, nove são dirigidas a mulheres, sendo que Madame Jouarre recebe cinto cartas, Clara recebe três e Madame S., uma. Ao que tudo indica, todas as personagens femininas são fictícias.
Na carta a Madame S., Fradique defende o uso da língua materna, onde realmente reside o nacionalismo. Ele dá como exemplo a hilária história de sua tia, que ao viajar a países estrangeiros, recusava-se a falar outro idioma que não sua língua materna. Como ela gostava de comer ovos bem frescos, mesmo nos melhores hotéis abaixava no chão e imitava uma galinha. Conseguia, assim, comunicar-se perfeitamente.
Nas cartas a Madame Jouarre, Fradique discorre sobre diversos assuntos. Somente com ela que Fradique fala sobre seus sentimentos. Na primeira delas, ele diz querer conhecer uma moça com quem Madame Jouarre conversava em uma festa e exalta a jovem com grandes elogios. Em outras cartas, conta de sua estadia em Lisboa e de como a cidade está decadente e provinciano. Para ele, o futuro de Portugal tende à ruína. Na última delas, Fradique fala de um conhecido de ambos: Padre Salgueiro. Este padre agiria como se fosse um funcionário público: apenas cumpre suas obrigações de padre como se fosse uma profissão como qualquer outra. Seus discursos não têm emoção e nem inteligência.
As cartas direcionadas à Clara são típicas cartas românticas. Estas cartas surgem como um contraponto às demais. Nas outras, Fradique é uma personagem intelectual e distante, mas nestas direcionadas à Clara ele se dobra perante a moça e fala a ela com um sentimento amoroso exagerado. Porém, Fradique não tem intenção de se unir a moça, mas sim apenas viver o seu amor como um objeto de adoração. Mais do que a Clara, Fradique passa a impressão de amar a ideia de estar amando.
As demais cartas, todas endereçadas a personagens masculinas, tratam de assuntos como literatura, arte e política. Em uma delas, Fradique discursa sobre religião, comparando o Budismo e o Cristianismo. Para ele, as religiões são como qualquer outra manifestação própria de uma cultura: cada deus é inventado por um povo e serve como manifestação cultural desse povo.
Em outra, fala sobre a construção de uma estrada de ferro na Palestina. Para Fradique, a Terra Santa deveria ser mantida como está, como se fosse um museu a céu aberto para intelectuais. Não importa a qualidade de vida dos moradores de lá, contanto que tudo se mantenha intacto para o deleite dos turistas. Por fim, termina por criticar os jornais dizendo que estes só servem para reforçar as três coisas capazes de matar uma sociedade: a intolerância, o juízo ligeiro e a vaidade.
Lista de personagens
Fradique Mendes: é uma personagem inventada pelo grupo Cenáculo, do qual Eça de Queirós fazia parte. Seria um poeta satanista a moda de Baudelaire, viajado e culto, estaria sempre a par das novidades da ciência.
Antero de Quental: muito amigo de Eça de Queirós, foi um escritor e poeta português que teve grande importância na chamada Geração de 70.
Oliveira Martins: político e cientista social português.
Ramalho Ortigão: importante escritor português da Geração de 70.
Madame Jourre: amiga e confidente de Fradique Mendes.
Clara: moça pela qual Fradique nutria um amor idealista e exagerado.
Sobre Eça de Queirós
José Maria de Eça de Queirós nasceu em Povoa de Varzim, Portugal, em 25 de novembro de 1845. Filho de José Maria Teixeira de Queirós e de Carolina Augusta Pereira d’Eça, foi batizado como sendo filho de mãe desconhecida. Viveu até os dez anos com seus avós paternos.
Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra e começou a publicar seus primeiros trabalhos como escritor na revista “Gazeta de Portugal”. Após se formar, mudou-se para Lisboa, onde trabalhava como advogado e jornalista. Ingressou na carreira diplomática em 1870 e trabalhou em diversas cidades, até se mudar para Paris e casar-se. Os anos mais produtivos de sua carreira literária vão de 1874 a 1878, quando trabalhou na Inglaterra. Faleceu em 16 de agosto de 1900 em sua casa na França.
Com grande senso de observação, Eça de Queirós desmistificou a hipocrisia e o falso moralismo dos costumes sociais. Optando por utilizar a linguagem corrente de Lisboa, Eça renovou a literatura portuguesa e se firmou como o maior escritor do realismo em Portugal.
Suas principais obras são: “O crime do padre Amaro” (1875), “O primo Basílio” (1878), “O mandarim” (1880), “A relíquia” (1887), “Os Maias” (1888), “A ilustre casa de Ramires” (1900) e “A cidade e as serras” (1901).