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A longa história por trás da guerra comercial entre Estados Unidos e China

Os americanos viraram uma superpotência enquanto os chineses atravessavam guerras e dificuldades econômicas. Agora, Pequim está recuperando o tempo perdido

Por Tiago Cordeiro
16 Maio 2019, 15h12
 (Pixabay/Reprodução)
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Em 1785, um navio mercante vindo de Guangzhou, na China, atolou na costa de Baltimore, nos Estados Unidos. Três marinheiros chineses desembarcaram e desapareceram – possivelmente foram mortos. Em 1821, um navio que percorria o sentido contrário, vindo de Baltimore e ancorado em Guangzhou, provocou um incidente diplomático: as autoridades chinesas interromperam qualquer comércio com americanos até que fosse apresentado o culpado por assassinar uma vendedora chinesa que circulava entre as embarcações. Foi preciso que um membro da tripulação, um italiano chamado Francesco Terranova, fosse executado, para que o intercâmbio pudesse ser retomado.

Em 1885, um grupo de moradores de Rock Springs, no estado de Wyoming, atacou mineradores chineses que viviam na região. Morreram 28 pessoas. A ação desencadeou, em dezenas de cidades, uma onda de agressões contra chineses que, desde 1849, com o início da febre do ouro na Califórnia, vinham desembarcando nos Estados Unidos – até o fim da década de 1850, mais de 100 mil moradores do país asiático se mudariam para o oeste americano.

Em 1905, os comerciantes e moradores de Xangai e Pequim iniciaram um boicote contra todo tipo de produto americano, alegando que eles feriam a autonomia dos chineses. Em 1922, o mesmo espírito nacionalista desencadeou um ataque em massa contra centros missionários ocidentais, a maioria deles fundados por religiosos americanos, que tinham começado a chegar ao país asiático quase um século antes, a partir de 1830.

Todas essas histórias exemplificam o quanto a relação entre Estados Unidos e China é tensa, desde que tiveram início os primeiros contatos, na década de 1780. A atual guerra de tarifas, iniciada em 2018 e agravada nas últimas semanas, é apenas mais um momento de uma longa história de disputas por espaço. Os desentendimentos se explicam pela trajetória das duas nações: foi num momento de decadência da China que os Estados Unidos se impuseram como superpotência. E agora os chineses parecem correr para tirar o atraso e questionar o poderio americano.

Ascensão americana

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Entre os séculos 11 e 18, a China foi um dos países mais poderosos e influentes do planeta. Muitas das invenções mais utilizadas pelo Ocidente surgiram em terras chinesas nessa época, como o papel, a pólvora e a bússola. Até que a abertura comercial com os países ocidentais, a partir do início do século 19, se mostrou extremamente desvantajosa para os asiáticos. O desentendimento nos negócios com a Inglaterra levou às duas Guerras do Ópio, entre 1839 e 1842 e de 1856 a 1860. Depois desses dois incidentes, o império Qing foi obrigado a aceitar uma série de tratados comerciais desvantajosos com os britânicos, os franceses e os americanos.

Na época, a curiosidade dos americanos pelos chineses era enorme. Em 1839, o mercador da Filadélfia Nathan Dunn, que havia morado na China por 12 anos, fundava um Museu Chinês, itinerante, que apresentava uma coleção de arte, objetos e amostras de plantas coletadas na Ásia. Mais de 100 mil pessoas visitaram a exposição, até que ela se transferisse para Londres, em 1841.

Depois de várias décadas perdendo influência global, os chineses se viram humilhados em 1895, quando perderam uma guerra contra o Japão e se viram obrigados a aceitar que o arquipélago de Taiwan fosse controlado por japoneses, que permitiram a entrada de empresas inglesas e americanas. Naquele momento, os Estados Unidos começavam a despontar como uma potência global. Ao superar a Espanha na guerra pelo controle comercial e cultural de Cuba, em 1898, os americanos já eram um país de grande influência sobre o Caribe.

Ao fim da década de 1940, os EUA despontaram como uma das duas superpotências do planeta, ao lado da União Soviética. Era o resultado da participação decisiva de Washington na Primeira Guerra Mundial, o esforço de reconstrução da Europa a partir de 1918 e, principalmente, a vitória na Segunda Guerra e o apoio financeiro para os europeus depois de 1945. A influência dos Estados Unidos se tornou tão grande que inspirou a criação do termo “superpotência” – um país capaz de controlar os rumos financeiros, políticos, militares e até mesmo culturais de qualquer canto do globo. Ainda hoje, o termo se aplica para pouquíssimas nações, basicamente para o Reino Unido do século 19 e os americanos e soviéticos do século 20.

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Ascensão chinesa

Enquanto tudo isso acontecia, os chineses enfrentaram grandes dificuldades. Foram atacados pelos japoneses nos anos 1930, em um sangrento conflito que se desdobrou no teatro da Segunda Guerra no Oriente, e se viram envolvidos por uma guerra civil que levou os comunistas ao poder, em 1949. Ao longo das décadas seguintes, o país buscaria se transformar. Em alguns momentos, os projetos de reforma econômica e social se mostraram catastróficos: o Grande Salto Adiante, que deveria colocar a economia nacional no mesmo nível do Reino Unido, provocou a demolição de um terço de todas as residências do país. As políticas desastrosas do líder comunista Mao Tsé-tung, além dos expurgos e perseguições impostos à população, provocaram aproximadamente 40 milhões de mortes entre 1949 e 1976.

A partir dos anos 1980, a China retomou o crescimento econômico, de forma muito acelerada: o Produto Interno Bruto do país cresceu 6%, em média, por ano, ao longo de três décadas. Desde 2010, ela tem a segunda maior economia do mundo; desde 2009, é quem mais envia turistas para outros lugares do planeta. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que, em 2030, a China irá ultrapassar os Estados Unidos e assumir o posto de maior economia do planeta.

A China é uma superpotência?

Mas os chineses ainda não podem ser considerados uma superpotência porque sua influência diplomática, militar e cultural fora da Ásia é relativamente pequena – deverá aumentar com o maior projeto de infraestrutura da história da humanidade, a Nova Rota da Seda, que, nas próximas décadas, vai ligar a China, por terra e mar, a dezenas de pontos estratégicos na África e na Europa, ao custo de US$ 5 trilhões.

O investimento vai fortalecer a influência da China, mas sua força militar ainda não é comparável à americana. Apesar de ter multiplicado o investimento na área, o país ainda tem poucos postos de apoio no exterior. Enquanto isso, os Estados Unidos sustentam 800 bases em 70 diferentes países e dispõem de orçamento de US$ 598 bilhões para as Forças Armadas, contra US$ 176 bilhões dos chineses.

Mas o crescimento da influência econômica chinesa, inclusive dentro dos próprios Estados Unidos, ajuda a explicar por que a situação entre as duas nações ficou tensa mais uma vez: neste momento, o déficit comercial dos americanos em relação aos chineses alcança os US$ 334 bilhões em 2018, o equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto dos Estados Unidos.

Histórico de tensão

Depois de manter uma relação comercial vantajosa com os chineses na segunda metade do século 19, os Estados Unidos se acostumaram a atuar nas muitas situações de conflitos internos que se sucederam na China ao longo do século 20. Em 1900, a marinha americana foi decisiva na proteção de grupos favoráveis aos cristãos ocidentais, atacados pela revolta dos boxers, um grupo nacionalista que questionava a intromissão estrangeira nos negócios da China. Os boxers, que contavam com o apoio do imperador Guangxu, foram derrotados e o governo local, forçado a pagar uma indenização às potências ocidentais. Desgastada, a dinastia Qing, que governava desde o século 17, seria derrotada em 1912, quando o país se tornou uma república.

Em 1925, os americanos decidiram reverter todas as parcelas do pagamento da indenização resultante da Revolução Boxer para a China Foundation, uma organização que deveria investir na educação das crianças chinesas. Com a chegada ao poder do grupo liderado por Chiang Kai-shek, os Estados Unidos se tornaram parceiros do governo local – foram os americanos os primeiros a reconhecer o novo governo, em 1928: eles forneceram ajuda financeira na década de 1930 e deram apoio à guerra contra os comunistas liderados por Mao Tsé-tung.

A chegada de Mao ao poder esfriou as relações entre os dois países. Mao, que se dizia um discípulo do ditador soviético Josef Stalin, rapidamente colocou a China dentro da esfera de influência soviética. E a Guerra da Coreia, na década de 1950, posicionou o norte, apoiado pela China, contra o sul, financiado pelos americanos.

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Até que a relação entre russos e chineses desandou e, ao longo da década de 1960, Pequim se reaproximou de Washington. As relações diplomáticas se fortaleceram a partir dos anos 1990, para piorar novamente nos últimos meses – além da disputa por tarifas, os americanos ainda pediram a prisão, em dezembro de 2018, de Wanzhou Meng, diretora financeira da empresa chinesa de telecomunicações Huawei.

Até hoje, oito presidentes americanos visitaram a China: Richard Nixon, Gerald Ford, Ronald Reagan, George H. Bush, Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump – ou seja, os últimos seis presidentes dos Estados Unidos fizeram visitas oficiais ao país asiático. O gesto vem sendo retribuído: os líderes chineses Deng Xiaoping, Zhao Ziyang, Jiang Zemin, Zhu Rongji, Hu Jintao e Xi Jinping estiveram nos Estados Unidos entre 1979 e 2015.

Se as relações diplomáticas e comerciais apresentam alguns momentos de aproximação, em um aspecto, o intercâmbio entre os dois países permanece limitado: até hoje, muitos filmes de Hollywood precisam ser editados para que o governo chinês autorize a exibição (foi o caso de Titanic, Homem de Ferro III, 007 – Skyfall, Kung Fu Panda 3, Transformers – A Era da Extinção). E os maiores gigantes da internet, como Google e Facebook, são proibidos de atuar no país.

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