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Alguma poesia: resumo e análise da obra de Carlos Drummond de Andrade

Primeiro livro do poeta, Alguma Poesia revela um Drummond mais idealista e confunde quem tenta classificá-lo de acordo com as fases do Modernismo

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 1 set 2023, 09h37 - Publicado em 18 ago 2023, 17h23
Estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade
 (Wikimediacommons/Reprodução)
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Você pode conhecer o Drummond como o cara que tinha apenas duas mãos, e o sentimento do mundo. Ou então como o itabirano de tom melancólico, que escreveu sobre bombas, repressão e a impotência diante dos problemas que afligiam a humanidade. Mas este não é o Carlos Drummond de Andrade autor de “Alguma Poesia, seu primeiro livro e que foi lançado quando o poeta tinha apenas 28 anos, em 1930. Na obra, que faz parte da lista de leituras obrigatórias da Fuvest 2024, o escritor é um legítimo idealista, e trata de temas como a infância, a família e os amores da juventude.

Neste texto, entenda o contexto histórico de “Alguma Poesia”, um resumo da obra e como as principais temáticas aparecem ao longo da coletânea de 49 poemas.

Caso prefira, você também pode ouvir sobre o livro neste episódio do podcast Marca Texto.

Contexto da obra

Já alertamos: quem está acostumado a enxergar nas poesias de Drummond referências históricas à época em que foram escritas – como as críticas às guerras mundiais e ao totalitarismo em “Sentimento do Mundo” – notará que esta não é tônica de “Alguma Poesia”. A coletânea foi escrita ao longo da década de 1920, quando o mundo ainda não havia mergulhado nas grandes guerras e o Estado Novo de Getúlio Vargas não era uma realidade no Brasil.

É por isso que, neste primeiro livro de Drummond, analisar o contexto da vida do autor pode ser muito mais revelador para a compreensão dos poemas. “Vamos entender que estamos falando de um jovem que está se descobrindo poeta em torno dos 24, 25 anos”, explica o professor de Literatura do Curso Anglo, Maurício Soares. Ele conta que foi nesta época, mais especificamente em 1924, que Drummond conheceu dois grandes escritores do modernismo brasileiro, Oswald e Mário de Andrade.

Tornou-se amigo próximo deste último, e correspondiam-se por meio de cartas já que Drummond morava em Belo Horizonte, e Mário em São Paulo. O poeta mineiro não fez parte do chamado Grupo dos Cinco, responsável por organizar a Semana de Arte Moderna de 1922. Mas foi muito influenciado pelo movimento e tornou-se o principal expoente do modernismo em Minas Gerais.

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Mais tarde, ainda durante esta década, Drummond passou a se dividir entre Belo Horizonte e sua cidade natal, Itabira. Com um diploma de farmacêutico guardado na gaveta, ele havia se mudado para a capital mineira na esperança de viver da escrita: publicava crônicas e outros textos em jornais e revistas literárias. Mas percebeu que não conseguiria se sustentar com literatura. Com isso, volta para Itabira na intenção de ajudar na administração de uma das fazendas do pai.

Está se perguntando o que tudo isso tem a ver com “Alguma Poesia”?

Nos poemas do livro, o leitor se depara justamente com este jovem e idealista Drummond, dividido entre as ambições de um novo mundo que se descortinava diante dos seus olhos e a prisão representada pela famosa Itabira.

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

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Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar… as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

Alguma Poesia e o Modernismo

Assim como outros movimentos literários, o Modernismo é dividido e compreendido em algumas fases. Carlos Drummond de Andrade, no geral, é considerado um poeta da segunda fase: a mais política, arrojada e crítica. Mas seu primeiro livro, “Alguma Poesia”, não. Como já mencionado, as temáticas sociais não são o foco da coletânea publicada em 1930 – embora apareçam em um ou outro poema. O que rendeu ao mineiro a classificação de poeta da segunda fase modernista foram seus livros seguintes.

“Alguma Poesia” seria, então, um livro da primeira fase? A resposta não é tão simples assim. O professor Maurício explica que as classificações dos movimentos literários não são rígidas. “A gente sempre reforça para o aluno que na vida real não é bem assim, não há um dia em que o modernismo teria passado da primeira pra segunda fase”.

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O que “Alguma Poesia” inegavelmente é, é um livro modernista: “ele se utiliza de procedimentos que a poesia brasileira só assumiria a partir de 1922”, afirma o professor.

Aspectos formais

Os procedimentos aos quais Maurício se refere podem ser observados na obra como um todo: são poemas curtos, de linguagem simples e acessível – uma marca do modernismo em oposição ao parnasianismo – e de temáticas cotidianas. Observe alguns exemplos:

“Cota zero” exemplifica o chamado poema pílula: curtíssimo, mas que carrega um sentido completo. Nele, Drummond resume o desenvolvimentismo e a transformação tecnológica que a sociedade atravessava na época. Discute, também, a relação de dependência com estes novos aparatos: se o carro parasse, a própria vida pararia?

Cota zero

Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?

 

Vale lembrar que os chamados temas prosaicos, que se aproximam do cotidiano dos leitores, estão longe de serem banais ou irrelevantes. É uma aproximação intencional que os autores do modernismo faziam, já que a proposta do movimento era construir uma cultura nacional e revelar a verdadeira realidade brasileira.

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Esse prosaísmo, assim como a ausência de rimas e a repetição de palavras (outros recursos modernistas), aparecem no famoso poema “No meio do caminho”:

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

 

Por fim, outras características muito presentes no livro são os versos livres, que não seguem um padrão de métrica definido. O “Poema das Sete Faces” é mais um exemplo:

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Poema das sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Os grandes temas de Alguma Poesia

O “Poema das Sete Faces” também exemplifica uma outra grande característica do livro e que o distancia das obras que Drummond lançou mais tarde: aqui, a temática é focada no “eu”. Os temas que aparecem em “Alguma Poesia” estão associados à própria vivência de Drummond ou aos assuntos inerentemente humanos. Ele fala de si próprio, como no “Poema das Sete Faces”; de sua Itabira, como em “Cidadezinha Qualquer”; e das relações de amizade, como em “Sociedade”. Ou dos amores da juventude, como nos conhecidos versos de “Quadrilha”:

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

 

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