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Alice no País das Maravilhas: resumo e análise do livro de Lewis Carroll

Um dos inauguradores do gênero nonsense, "Alice" é o primeiro livro de língua inglesa a ser cobrado na Unicamp

Por Luccas Diaz
Atualizado em 1 set 2023, 09h36 - Publicado em 31 ago 2023, 20h12
Ilustração de Alice no País das Maravilhas mostra Chapeleiro Maluco, Alice e Lebre Maluca numa mesa de chá
"Alice no País das Maravilhas" é o primeiro livro de língua inglesa a ser cobrado no vestibular da Unicamp  (John Tenniel/Reprodução)
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As aventuras da menina que caiu na toca do coelho e foi parar em uma terra fantástica é talvez uma das histórias mais conhecidas da humanidade. “Alice no País das Maravilhas” é um verdadeiro clássico. Clássico daqueles que parecem quase lendas milenares, que sempre existiram – ainda que a obra tenha sido publicada há “pouco” tempo, em 1865. Mais de 150 anos depois, o livro do britânico Lewis Carroll (1832-1898) continua relevante. “Alice” é tema de análises literárias e artigos científicos, e segue sendo uma das obras mais adaptadas e referenciadas – somente para o cinema, já foram mais de 20 versões (a primeira, inclusive, sendo de 1903!). Em 2023, a obra ganha um novo título: é o primeiro livro de língua inglesa a ser cobrado no vestibular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Para quem está prestando vestibular pela primeira vez, a inclusão do livro de Carroll pode passar despercebida, mas é um movimento interessante por parte da universidade. A tradição sempre foi as provas cobrarem livros nacionais (sobretudo, clássicos) ou de países falantes da Língua Portuguesa, como o moçambicano “Nós matamos o cão tinhoso!”, presente na lista da Fuvest.

A adição de um livro mundialmente conhecido, referenciado e presente na cultura pop como “Alice” pode representar uma nova fase para os vestibulares: não deixando Machado de Assis e Drummond de lado, mas abrindo espaço para obras mais presentes no cotidiano dos estudantes.

“Infelizmente, no contexto escolar, há uma tendência à restrição, por isso, muitos estudantes não têm a oportunidade de interagir com obras fora do ‘tradicional’, como algumas produções de literatura lusófona e de determinadas épocas. É urgente promover leituras diversificadas nas escolas, precisamos investir e descobrir o quanto as literaturas produzidas em diferentes lugares podem ser incríveis para promover um pensamento mais diversificado, autônomo e criativo”, defende Vinicius Teixeira, professor de Literatura do colégio e curso Oficina do Estudante.

Vai prestar a prova da Unicamp? Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE destrincha “Alice no País das Maravilhas” e pontua os principais aspectos que você precisa saber para prestar o vestibular.

O autor

Lewis Carroll e Alice Liddell
Lewis Carroll, e a inspiração por trás de Alice, Alice Liddel (Wikimedia Commons/Reprodução)

Charles Lutwidge Dodgson, o verdadeiro nome de Lewis Carroll, contou a história de Alice pela primeira vez em 1862, aos 30 anos. Na época, era um professor de Matemática na Christ Church, uma das faculdades constituintes da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e era tutor de Alice Liddel, a filha de 5 anos do reitor. Na tarde ensolarada de 4 de julho de 1862, Lewis passeava de barco com Alice e suas duas irmãs mais novas. Para entreter as meninas, começou a inventar a história de uma menina que ia parar acidentalmente em uma terra fantástica.

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Alice Liddel é apontada por muitos biógrafos como a principal inspiração para a protagonista do livro: era astuta, curiosa e muito inteligente para a sua idade. Foi por conta de sua insistência que Carroll colocou a história no papel e a presenteou, no final de 1864, com o primeiro manuscrito da obra, chamada então de “Alice’s Adventures Under Ground” (que depois virou “Alice’s Adventures in Wonderland”, “Alice no País das Maravilhas”, no Brasil).

No ano seguinte, a obra foi publicada ao lado das clássicas ilustrações de John Tenniel. O sucesso do livro foi tanto que pouco tempo depois, em 1871, uma sequência foi publicada: “Through the Looking-Glass and What Alice Found There” (“Alice Através do Espelho”, no Brasil).

Contexto histórico

O século 19 na Inglaterra foi marcado pelo governo da Rainha Vitória (a inspiração para a Rainha de Copas), que reinou de 1837 até a sua morte, em 1901. A chamada Era Vitoriana foi caracterizada por um momento de progresso na Grã-Bretanha, com a consolidação da indústria e a expansão das colônias britânicas na Ásia e na África.

Mas como progresso, leia “progresso para os mais ricos”. Assim como em outros momentos da História, as camadas mais pobres da população continuavam a passar fome, se contaminar com doenças, e trabalhar em condições precárias – agravadas pelo avanço das fábricas.

Social e culturalmente, foi uma época efervescente e que até hoje inspira a produção de filmes, séries e livros (“Sherlock Holmes”, “Drácula” e as obras de Charles Dickens são todas deste período). O clássico, ainda muito presente, se misturava com o moderno, com o desenvolvimento de metrópoles cada vez mais tecnológicas, com a presença de rodovias, pontes, fábricas e invenções como a fotografia, o telefone, o carro e a máquina de escrever.

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Jovens na rua de Londres de 1870 tocam uma harpa.
Fotografia da cidade de Londres em 1870 (London School Of Economics Digital Library/Reprodução)

Se por um lado, a tecnologia e a ciência prosperavam, a “moral e os bons costumes” era a marca do reinado de Vitória. O “fru-fru” que muitos filmes de época retratam era real, e um passo em falso de uma dama era suficiente para ela ser “cancelada” pela alta sociedade. Morando em uma universidade, é muito provável que Carroll vivenciava na pele essa realidade dos aristocratas.

E assim como fez Oscar Wilde em “O Retrato de Dorian Gray”, o autor fez da sua obra uma oportunidade de criticar todo esse ideário conservador – e, para isso, criou um mundo invertido e absurdo.

Todos no País das Maravilhas seriam considerados loucos no mundo real, mas vivem em um universo onde o normal é justamente o anormal – ainda que imitem as instituições e convenções sociais, como um chá da tarde, um tribunal e até mesmo uma monarquia. “O texto pode ser entendido como uma crítica à sociedade da Inglaterra Vitoriana e à educação moralista concedida às crianças”, explica o professor.

Os personagens são como sátiras da sociedade britânica da época, cada um, uma simbologia subversiva, um jeito de viver fora do sistema opressor. “Nesse sentido, a obra possibilita refletir eticamente sobre o mundo no qual vivemos e como poderíamos ensaiar saídas sobre o que nos é imposto cotidianamente”, diz Teixeira.

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Desta forma, Alice, uma criança que está insatisfeita e que questiona a ordem das coisas, é uma rebelde. Um característica ousada se pensarmos na compreensão de infância que se tinha na época. “O modo como a menina é apresentada rompe com o padrão: a garota é capaz de, mesmo muito jovem, pensar e questionar com autonomia, sem o amparo de um adulto”, afirma.

Características da obra

“Alice no País das Maravilhas” é o principal representante do gênero literário nonsense. Ao lado do também britânico Edward Lear, Lewis Carroll foi o grande percursor do gênero. No nonsense (que não tem uma tradução exata para o português, mas pode ser entendido como “sem-sentido”), as regras são subvertidas – tanto no conteúdo quanto na forma – e as construções narrativas remetem ao mundo dos sonhos. No audiovisual, podemos citar o trabalho do diretor David Lynch, como a série “Twin Peaks” e o filme “Cidade dos Sonhos”.

“‘Alice’ utiliza de jogos de palavras e situações absurdas para criar uma atmosfera onírica e de desconstrução da lógica tradicional”, diz o professor. “Vemos polissemias, ambiguidades e figuras de linguagem que possibilitam uma aproximação com os devaneios do mundo dos sonhos. Por isso, é um texto com tantas camadas interpretativas”.

Ilustração original de
Em “Alice no País das Maravilhas”, os animais têm características humanas, como o Coelho Branco que está sempre atrasado (Wikimedia Commons/Reprodução)

Por mais que se assemelhe a uma fábula, “Alice” não deve ser confundida com uma. Em “Chapeuzinho Vermelho”, ao fim da história, o leitor fica com a lição de que não se deve falar com estranhos ou sair sozinho. Este fim moralizante, característica definidora das fábulas, não está presente em “Alice”. No final do livro, tudo não passava de um sonho, e não há uma moral ou uma lição explícita a ser aprendida pelos leitores.

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O próprio tempo na obra é personificado, e não existe um registro se a garota passa minutos, horas ou dias no País das Maravilhas. Assim como no mundo onírico, os eventos apenas se desencadeiam sucessivamente. É somente no final que somos colocados de volta à ordem cronológica, quando Alice acorda e percebe que não saiu do lado da irmã, em um banco no parque onde pegou no sono. Quanto ao narrador, a obra é narrada em 3ª pessoa com onisciência.

Dica para a prova

A história de Alice todos já sabem – ou pelo menos ouviram falar. Portanto, para a prova do vestibular é mais importante se atentar às características e interpretações do livro. “A prova da Unicamp tem investido em questões interdisciplinares. Por isso, acredito nas comparações entre textos literários e da crítica. Uma possibilidade é trazer algum trecho de Alice e outro trecho de alguma obra contemporânea para evidenciar como determinadas temáticas permanecem na sociedade”, afirma o professor.

Ele aconselha os estudantes a não gastarem muita energia com aspectos e dados biográficos sobre o Lewis Carroll ou a verdadeira Alice. O foco deve ser a experiência literária a partir da obra.

Vale lembrar que a Unicamp é famosa por não definir quais gêneros serão cobrados na redação, o que já indica a busca da universidade por estudantes leitores e que tenham repertório literário. “Indico, por fim, que os estudantes tentem perceber a potência narrativa de Alice, pois será muito mais interessante para a realização da prova e a formação de repertório como leitores”, conclui.

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