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“A Rosa do Povo”: resumo da obra de Carlos Drummond de Andrade

Síntese de seu tempo, o livro retoma o lirismo social dos anteriores e atesta a maturidade do poeta mineiro

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 7 out 2022, 19h04 - Publicado em 7 out 2022, 17h14

Depois das primeiras incursões em uma poesia participante e social em Sentimento do Mundo (1940) e José (1942), o mineiro de Itabira do Mato Dentro, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) atinge o nível mais bem-acabado dessa linhagem no livro seguinte, “A Rosa do Povo” (1945). Composta por 55 poemas, escritos entre 1943 e 1945, a obra desponta como a criação da maturidade do poeta.

No momento em que a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim, o nazi-fascismo deixava de imperar na Alemanha e na Itália e o Estado Novo de Getúlio Vargas fechava seu ciclo, a publicação do livro de Drummond surgia como um manifesto em que se denunciavam as crises de seu tempo e se anunciava um outro, amparado pela onda de esperança no socialismo soviético.

Ligado ao Partido Comunista Brasileiro (chegou a ser um dos editores da Tribuna de Imprensa, do PCB, a convite de Luís Carlos Prestes), o poeta elege a luta como força motriz de uma poesia que, até então, se nutria principalmente das idiossincrasias de uma existência centrada no eu.

Exceções feitas aos poemas O Mito e Caso do Vestido, “A Rosa do Povo” abstém-se de certos temas comuns na lírica drummondiana, como o amor e o cotidiano apreendido pelo humor. Outras temáticas predominam no livro as que Drummond identificou na própria obra quando organizou uma antologia poética em 1962 – além do choque social: o indivíduo, a terra natal, a família, a própria poesia e os amigos.

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Foi o lirismo social que tornou o livro tão bem-sucedido entre os leitores (veja abaixo trecho de Morte do Leiteiro). A palavra ganha, aqui, o poder de transformar o mundo, como se percebe em Nosso Tempo: “O poeta/ declina de toda responsabilidade/ na marcha do mundo capitalista/ e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas/ promete ajudar a destruí-lo/ como uma pedreira, uma floresta,/ um verme”.

As considerações sobre o sentido da vida, presentes nas primeiras obras, encontram exemplos em poemas como Morte no Avião e A Flor e a Náusea.

Quanto ao tema da metalinguagem – a reflexão do poeta sobre a própria poesia -, os dois textos iniciais dão conta de um programa em que Drummond enuncia como se deve compor. Em Consideração sobre o Poema, canta a dívida para com outros autores: “[…]Furto a Vinicius/ sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo./ Que Neruda me dê sua gravata/ chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakóvski. São todos meus irmãos […]”.

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Procura da Poesia aponta os caminhos equivocados do fazer poético: “Não faças versos sobre acontecimentos./ Não há criação nem morte perante a poesia./ Diante dela, a vida é um sol estático,/ não aquece nem ilumina./ As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam./ […] Nem me reveles teus sentimentos,/ que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem./ O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”.

Segundo o crítico Otto Maria Carpeaux, Drummond se tornou o “poeta público” brasileiro. Soube magistralmente fundir o eu lírico e o objeto, transformando as mazelas do mundo em suas próprias. “A Rosa do Povo” refletiu sua época e cantou a esperança: desviou-se do mero panfletarismo com um dos mais altos níveis de lirismo da poesia brasileira.

Título: A Rosa do Povo

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Autor: Carlos Drummond de Andrade

Morte do Leiteiro
(TRECHO)

Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.

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Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas,
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

[…]
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz […]
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? Se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.

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[…]
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira”, publicado em 2009 pela revista Bravo!

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