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Conheça a história das mulheres que desafiaram as regras na década de 1960 para participar da Maratona de Boston

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 16 Maio 2017, 13h37 - Publicado em 4 mar 2015, 23h39

Até o ano de 1972, mulheres não eram aceitas na Maratona de Boston. Não, você não leu errado. Até o começo da década de 1970 era PROIBIDO que uma mulher corresse os 42 km do percurso anual. Os argumentos para que elas não participassem eram absurdos. Diziam que as mulheres não tinham força física para aguentar o percurso (que não era “coisa de mulher”) e a “sabedoria popular” da época acreditava que correr era perigoso para a fertilidade (pois é, sem base científica nenhuma pra essas ideias).

A Maratona de Boston, realizada nos Estados Unidos, é a segunda mais antiga das maratonas, atrás apenas da maratona olímpica de Atenas, que foi criada em 1896. Disputada sem interrupções desde 1897, o evento atrai corredores do mundo todo (também já foi alvo de um atentado terrorista, em 2013). Até 1965, apenas homens cruzaram a linha de chegada. Em 1966, uma mulher decidiu desafiar todas as regras e correr, mesmo com a proibição. Roberta Louise “Bobbi” Gibb, cresceu na cidade de Boston e sempre gostou de correr e participar da competição era um de seus sonhos. Treinou forte durante dois anos, chegando a fazer mais de 60 km por dia para atingir seu objetivo. Na hora de se inscrever na Maratona de Boston, levou um “não” bem grande da organização, que alegava que era não era “fisicamente capaz” de participar. Depois disso, Gibb percebeu que havia um motivo muito maior do que o seu próprio desafio pessoal para correr: provar que as mulheres eram sim capazes de tal feito.

Então, depois que foi dada a largada da Maratona de 1966, ela esperou nos arbustos e só entrou na corrida depois que metade dos participantes já tinham avançado. Os homens aos poucos perceberam que havia uma mulher correndo entre eles e muitos apoiaram a iniciativa. No fim, Gibb chegou à frente de quase 2/3 dos corredores e foi cumprimentada pelo próprio governador do estado de Massachusetts, John Volpe. Houve um burburinho na imprensa e na comunidade esportiva para a mudança das regras, mas nada foi feito e a corredora não teve a sua participação reconhecida oficialmente. Gibb correria também em 67 e 68, sem número de inscrição. A sua “insistência” em participar, mesmo sem o aval da organização da Maratona, mostrou o quanto ela estava disposta a lutar pelo espaço da mulher na sociedade.

A primeira mulher a correr com um número de inscrição

Conheça a história das mulheres que desafiaram as regras na década de 1960 para participar da Maratona de Boston

Câmeras flagram o momento em que a corredora Kathrine Switzer foi ataca por Jock Semple, organizador da Maratona de Boston (Fotos: Reprodução/Tumblr)

Em 1967, outra mulher marcaria o seu nome na história da corrida. Inspirada no exemplo de Gibb, Kathrine Switzer, uma estudante de jornalismo de 19 anos da Syracuse Uni­versity, decidiu que também tentaria entrar na Maratona. Para a surpresa de todos, Switzer apareceu no dia com um número de inscrição colado em seu moletom. Ué, mas como ela conseguiu e Gibb não? Ela e seu amigo/treinador Arnie leram as regras da corrida e não havia nenhum indicativo sobre gênero no documento. Resolveu se registrar apenas com suas iniciais, K.V. Switzer, como costumava assinar seus trabalhos na faculdade, e pagou a taxa de inscrição. A papelada foi enviada por correio e aceita pela organização. Participaria também, além de seu treinador, o seu então namorado (conhecido pela alcunha de Big Tom Miller), um ex-jogador de futebol americano fortão. Só que ele não tinha treinado nem um dia sequer e isso intrigou Kathrine. Ela recebeu uma resposta mal-criada de Tom: “Se uma garota pode correr uma maratona, eu posso correr uma maratona”, disse.

Depois de meses de treinamento com Arnie, Kathrine iria finalmente realizar o sonho de correr na Maratona de Boston. A corrida começou tranquila. No meio da multidão, ninguém da organização percebeu a garota. Os competidores que a viram ficaram animados e a incentivaram. Momentos depois da largada, a corredora ouviu o som de alguém gritando e perseguindo-a. Instintivamente, ela virou a cabeça e viu a cara mais assustadora que já tinha visto em sua vida. Antes que ela pudesse reagir, um homem agarrou seu ombro segurando-a para que parasse, gritando para que ela saísse de sua corrida. Ela descreve o terror do momento e conta que continuou correndo, tentando se livrar do agressor. Arnie, que conhecia a pessoa – tratava-se de Jock Semple, um dos organizadores da Maratona – apareceu tentando convencê-lo a largá-la, mas não conseguiu fazer nada.

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“Eu nunca tinha sentido tamanha vergonha e medo. Nunca tinha sido agredida por um homem, nem espancada quando era criança e a força física e a agilidade do ataque me surpreenderam. Eu me senti impossibilitada de fugir, como se estivesse enraizada lá, e de fato eu estava, porque o homem, esse tal de Jock, me segurava pela camiseta”, relata. Então, ela viu, de relance, Big Tom arremessar Jock pelo ar. Conta ela que ele “aterrissou” na lateral da estrada, como uma “pilha de roupas amassadas”. Aí sim, Kathrine entrou em pânico, achando que ele tinha matado seu agressor. “Meu deus, nós vamos todos para a cadeia”, pensou. Seu treinador estava ao seu lado e gritou para que ela corresse como nunca. Num surto de adrenalina, ela acelerou passando pelo carro de imprensa. Jornalistas e fotógrafos começaram a persegui-la, gritando e chamando sua atenção. “Eu estava muito triste, aquilo era horrível, tinha ido muito longe. Desejei que Tom não estivesse lá, que eu não estivesse lá”, declarou. Por alguns instantes, ela pensou se deveria desistir, porque não queria “estragar o prestígio da corrida”. Mas então, ideias começaram a borbulhar em sua mente:

“Eu sabia que, se desistisse, ninguém iria um dia acreditar que uma mulher tem a capacidade de correr mais de 26 milhas. Se eu desistisse, todos diriam que foi apenas um golpe publicitário. Se eu desistisse, isso prejudicaria a posição das mulheres no esporte, ao invés de impulsioná-la. Se eu desistisse, eu nunca correria a Maratona. Se eu desistisse, Jock Semple e todos aqueles como ele ganhariam. Meu medo e humilhação se transformaram em raiva”. 

A pressão dos jornalistas, perguntando em que momento ela desistiria, deixou Kathrine ainda mais furiosa. Eles corriam cada vez mais ao seu lado, a postos para não perderem o momento em que pudesse parar de correr, e isso a fez ficar ainda mais determinada a continuar correndo.

Para o alívio de Kathrine, Jock Semple estava vivo. Ele surgiu no ônibus da organização, gritando no meio de todos: “Você está encrencada!”. Todos os homens ao redor da corredora começaram a gritar obscenidades e a mostrar o dedo do meio para Semple em defesa da jovem, e Kathrine só conseguiu abaixar a cabeça e continuar a correr. Depois de um tempo o ônibus seguiu em frente, assim como o caminhão da imprensa.

Depois de mais de quatro horas, Kathrine conseguiu terminar a corrida com uma das mãos quase congeladas (na confusão, uma de suas luvas foi arrancada e estava nevando no dia), muitas bolhas e sangue no pé (na época as empresas não fabricavam tênis de corrida adequados para os tamanhos dos pés das mulheres e elas precisavam improvisar com outros calçados). No entanto, seu objetivo fora conquistado. Era, oficialmente, a primeira mulher com um número de inscrição a passar pela linha de chegada da Maratona de Boston.

A conquista pelo direto de participar da Maratona

A participação feminina extraoficial na corrida dobrou (de uma para duas mulheres) e, de 1969 a 1971, outra corredora venceu a Maratona de Boston: Sara Mae Berman, mas ainda sem o devido reconhecimento. Esportista, fundou, em 1962, a Cambridge Sports Union, o primeiro clube esportivo de competições para homens e mulheres de New England, nos EUA. Seu marido, o também corredor Larry Berman, a incentivou a se tornar uma das pioneiras na corrida. Em entrevista para o site Hcam, Bernan contou sobre a camaradagem que existia entre as corredoras mulheres e como elas se apoiavam. “Nós só queríamos treinar bem o suficiente para terminar [a maratona]”, explicou, em referência a crença geral que existia de que mulheres não seriam capazes de correr longas distâncias. “Nós tínhamos uma relação boa uma com as outras, não tínhamos tempo para ciúmes, estávamos muito ocupadas treinando, cuidando de nossas famílias e carreiras e lutando pelo reconhecimento da Amateur Athletic Union (AAU)”, revela.

O reconhecimento pelo esforço das corredoras pioneiras veio em 1972, quando a organização da Maratona de Boston resolveu criar uma divisão da corrida voltada para as mulheres. Já a aceitação por parte da organização das vitórias extraoficiais de Bobbi Gibb e Sara Mae Berman só veio mais recentemente, em 1996. Na primeira competição com ambos os sexos, oito mulheres competiram. Em 2014, cerca de 45% dos participantes eram do sexo feminino (mais de 16 mil mulheres).

Conheça a história das mulheres que desafiaram as regras na década de 1960 para participar da Maratona de Boston

As corredoras da primeira Maratona de Boston a aceitar mulheres. Da esquerda para a direita aparecem sete das oito participantes: Nina Kusciak (vencedora), Katherine Switzer, Elaine Pederson, Ginny Collins, Pat Barrett, Frances Morrison e Sara Mae Berman (não aparece na imagem – Valerie Rogosheske). (Foto: Divulgação/Facebook The Boston Marathon)

Quero encerrar o post com outro trecho (traduzido de forma livre) do depoimento dado por Kathrine Switzer, após completar a prova, com a esperança de que ele possa inspirar outras mulheres a realizarem conquistas tão significantes quanto a sua e a de Bobbi Gibb e Sara Mae Berman:

“Jock Semple não me levou a sério e, por isso, ele me atacou. Eu ficava tentando imaginar por que outras mulheres não corriam, pensando que elas simplesmente não pensavam nisso. Mas, espera aí! Talvez elas acreditassem em todos aqueles velhos mitos, como o de que correr poderia arruinar os seus órgãos reprodutivos, e isso as amedrontavam, porque elas não tinham como saber se era verdade e ninguém deu a elas a oportunidade de provar que isso era um absurdo. As mulheres não têm oportunidade de provar que elas querem essas coisas. Se elas pudessem participar, elas sentiriam esse poder e esse sentimento de satisfação e a situação mudaria. Depois do que aconteceu hoje, eu me sinto responsável por criar essas oportunidades para elas. Eu me senti eufórica, como se tivesse feito uma grande descoberta. De fato, eu fiz.” (Clique para ler o relato completo, em inglês)

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