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Conheça Alan Turing, o pai da computação condenado por ser homossexual

Apontado como o criador da ciência da computação, o cientista teve um papel importante na vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial

Por Luccas Diaz
18 jun 2024, 15h00
Montagem do cientista britânico Alan Turing, com a bandeira LGBT e a representação da sua máquina criada na 2ª Guerra Mundial
Princípios descobertos pelo cientista são usados até hoje em computadores (Wikimedia Commons/The Weinstein Company/Reprodução)
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Você pode não conhecê-lo de nome, mas você deve a ele a existência de um importante objeto do seu dia a dia. Alan Turing, nascido no dia 23 de junho de 1912, na Inglaterra, foi um matemático e criptógrafo, que ficou mais conhecido mesmo por ser um dos pais da ciência da computação. O computador ou celular em que lê este texto hoje talvez não existisse se não fossem as descobertas do cientista inglês. Abertamente homossexual em uma época em que a homossexualidade era crime, Turing foi condenado à castração química e tirou a própria vida em 7 de junho de 1954.

Suas contribuições para a ciência foram diversas. Durante sua brilhante carreira, criou e colaborou para a invenção de máquinas, testes e conceitos usados até hoje na computação e na inteligência artificial. Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE te apresenta um pouco mais sobre a vida de Alan Turing.

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Gênio precoce

O jovem Alan Turing
O jovem Alan Turing (National Security Agency/Reprodução)

Desde a infância, Alan Mathison Turing se destacava das crianças da sua idade. Seus interesses em matemática e ciências o faziam um ávido leitor de obras sobre os temas. As que compilavam desafios matemáticos, criptografia e experimentos recreativos eram as favoritas do jovem. Os professores notavam sua inteligência acima da média, e o incentivavam com partidas complexas de xadrez e aulas extras de ciência.

Aos 16, estudando em uma escola privada, encontrou no amigo Christopher Morcom um parceiro para compartilhar a paixão pelos números. A amizade dos dois teve um impacto significativo no desenvolvimento pessoal e acadêmico do rapaz, que se sentia incentivado e desafiado pelo amigo. Em 1930, no entanto, Christopher morre vítima de tuberculose, acontecimento que para sempre moldaria a vida de Turing.

Com apenas 18 anos, o prodígio transforma o luto em dedicação e promete honrar a memória do amigo nos estudos. A morte repentina o incentivou a buscar conhecimentos de cunho filosófico, como os mistérios da vida e mente humana. Esses elementos, mais tarde, influenciaram o seu trabalho com inteligência artificial.

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Em 1931, foi estudar matemática na Universidade de Cambridge. Lá, foi inspirado por grandes matemáticos, como John Maynard Keynes e G. H. Hardy, e iniciou os estudos acerca da computação teórica e da lógica matemática. Cercado de semelhantes, pôde deslanchar em sua genialidade e se tornar membro da sociedade intelectual.

Em 1936, ainda em Cambridge, publica o seu principal e mais famoso artigo “On computable numbers, with an application to the Entscheidungs problem” – hoje considerado o pioneiro na ciência da computação. Nele, o autor, com apenas 24 anos, introduz o conceito pelo qual ficaria eternizado: a Máquina de Turing.

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A Máquina de Turing

Foto de Alan Turing correndo em competição de corrida
Correr era o principal hobby do cientista. Chegou a participar de torneios, até lesionar permanentemente o joelho (NewCientists/Reprodução)
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É claro que tudo ainda não passava de mera teoria. Turing escreveu em seu artigo a fundamentação, a receita, do que, posteriormente, se tornaria a base de qualquer computador. A invenção era um modelo teórico de computação: uma máquina que manipulava símbolos em uma fita de acordo com um conjunto de regras.

A engenhoca deveria possuir uma fita “infinita” dividida em células, cada uma contendo um símbolo de um alfabeto. Uma “cabeça” de leitura/escrita poderia ler e escrever os símbolos na fita, movendo-se para a esquerda ou direita. O comportamento da máquina seria determinado por uma tabela de instruções, que detalharia as ações a serem tomadas a partir do símbolo lido na disposição atual que a máquina se encontrava.

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O objetivo de Turing, resumidamente, era que a máquina pudesse “pensar” sozinha, tal qual um ser humano. Que ela conseguisse identificar e executar várias ações ao mesmo tempo, sem precisar de uma nova instrução a cada vez. Ou seja, de uma maneira ainda primitiva, teorizou o que seriam as bases para a teoria da computação e o desenvolvimento dos algoritmos. Você pode ver uma simulação prática da máquina neste Doodle de 2012, em comemoração aos 100 anos do cientista.

Contribuição na Segunda Guerra Mundial

Réplica da máquina de Alan Turing criada durante a 2ª Guerra Mundial
“Bomba” foi o nome pelo qual ficou conhecida a máquina de Turing para decodificar a Enigma alemã. Réplica é exibida em museu britânico (Bletchley Park Museum/Reprodução)
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A fama de Turing entre os acadêmicos o garantiu um emprego bem específico. Logo nos primeiros meses da Segunda Guerra Mundial, em 1939, foi contratado pelo serviço de decodificação britânico para, ao lado de um time de matemáticos e linguistas, decifrar os códigos de comunicação nazista. Na época, as mensagens dos alemães podiam facilmente ser interceptadas pelas ondas de rádio, o que levou o exército a escrever os textos em um código indecifrável.

Para isso, contavam com a máquina Enigma. O aparelho criava diariamente novos padrões de códigos para tornar as mensagens intraduzíveis por qualquer um de fora que estivesse interceptando. Sem a Enigma, poderia demorar anos para um ser humano decifrar uma única mensagem – e mesmo que conseguisse, o padrão já estaria obsoleto.

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Aplicando as teorias expostas em seu artigo, Turing iniciou a construção de uma máquina que estivesse a páreo da Enigma. O objetivo era que o equipamento poupasse os homens de fazerem milhões de contas para decifrar uma única mensagem, chegando no mesmo resultado em poucos minutos. A máquina, concluída em março de 1940, se tornaria uma verdadeira vantagem contra os nazistas.

Graças a construção de Turing, milhares de mensagens alemãs foram decodificadas pelos ingleses, que, com a vantagem, conseguiram impedir ataques ou até mesmo vencer batalhas inteiras – como foi na Batalha do Atlântico. A estimativa é que, graças a invenção do britânico, dois anos de guerra foram poupados. Um papel essencial na vitória dos Aliados.

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Pós-Guerra e Inteligência Artificial

O matemático Alan Turing, em 1936
(Wikimedia Commons/Reprodução)

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Turing continuou sua contribuição no desenvolvimento da computação moderna. Em 1945, passou a trabalhar no National Physical Laboratory (NPL), no Reino Unido, onde integrou o time de desenvolvimento do Automatic Computing Engine (ACE). A máquina seria o primeiro projeto de computador eletrônico que contasse com um programa armazenado, espaço o suficiente para guardar tanto dados quanto instruções – princípio utilizado até hoje. O projeto, no entanto, nunca fora concluído.

Em 1948, o cientista se mudou para a Universidade Manchester para assumir o cargo de vice-diretor do laboratório de computação da instituição. Lá, participou da criação do Manchester Mark I, considerado um dos primeiros computadores com um programa operacional armazenado. Dois anos depois, em 1950, publicou um novo artigo pelo qual também ficaria eternamente reconhecido, “Computing Machinery and Intelligence”.

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Nele, o cientista introduziu o conceito do “Teste de Turing”, também conhecido como o “jogo da imitação”: um teste que teria a capacidade de indicar se um computador tem inteligência própria – na verdade, se tem a habilidade de simular as habilidades cognitivas humanas. Mais uma vez, tudo não passava de uma teorização, mas a ideia do cientista era refletir de que maneira uma máquina poderia “enganar” um ser humano.

Ao longo do texto, ele afirma que se um computador fosse capaz de enganar pelo menos um terço dos seus usuários durante o teste – ou seja, se o computador pudesse fazer acreditar que os interlocutores estivessem falando com um humano de verdade –, então ele estaria pensando por si próprio. A genialidade do teste fica ainda mais impressionante quando nos lembramos que estamos falando da tecnologia de 1950, e não das Inteligências Artificiais de 2024.

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Condenação por ser homossexual e morte

Lápide de Alan Turing
“Pai da Ciência da Computação; matemático, lógico; decifrador de códigos durante a guerra; vítima do preconceito”, lê-se na lápide do cientista, na Inglaterra (Wikimedia Commons/Reprodução)

Turing nunca fez grandes esforços para esconder que era homossexual. Entre amigos e conhecidos próximos, sua orientação sexual não era nenhum segredo. No entanto, na Londres de 1950, ser “assumido” não significa o mesmo que nos dias de hoje. Ainda que não escondesse o fato, também não admitia relacionamentos homossexuais publicamente e, perante a lei, era somente um homem solteiro. Chegou a noivar com uma colega de trabalho, mas o noivado foi para o ralo quando relevou sua verdadeira orientação.

Na época, a homossexualidade era tratada como um crime de indecência.

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Em 1952, a casa de Turing foi assaltada. O cientista tinha um relacionamento com Arnold Murray, jovem de 19 anos, e desconfiava que um dos amigos do namorado é quem havia invadido a residência. Ao relatar o caso para a polícia, no entanto, acabou se colocando em uma emboscada: admitiu sem grandes hesitações que tinha uma relação amorosa com Murray. A revelação foi o suficiente para condenar os dois por “indecência grosseira”.

Em março do mesmo ano, frente a possibilidade de passar o resto da vida na prisão, Turing aceitou a alternativa proposta pela Justiça: castração química. Um tratamento hormonal de estrogênio que reduziria a  libido e, pela visão do período, a homossexualidade do cientista. Todo o louvor e status de herói da guerra conquistados ao longo de sua carreira haviam caído por terra.

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Durante o ano de tratamento, Turing sofreu graves efeitos colaterais, como o crescimento de tecido mamário e mudanças físicas e emocionais. Em 8 de junho de 1954, não compareceu ao trabalho pela manhã. Um dos colegas foi até a casa do cientista verificar o motivo da ausência. Lá, encontrou Turing sem vida, na cama, com uma maçã mordida ao lado. Ele tinha 41 anos. Segundo a investigação, a maçã estava envenenada com cianeto e o cientista havia tirado a própria vida. Ainda assim, a fruta nunca fora testada.

Décadas após sua morte, em 2009, o governo britânico emitiu um pedido de desculpas póstumos ao cientista. Em 2013, a Rainha Elizabeth II lhe concedeu perdão póstumo e instituiu a Lei Alan Turing, que concede indultos póstumos a outros milhares de homossexuais que foram historicamente condenados por suas sexualidades.

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