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Conheça ‘Raízes do Brasil’, o livro que sempre cai nos vestibulares

Do "homem cordial" à origem da corrupção no Brasil: a principal obra de Sérgio Buarque de Holanda tenta explicar a formação da sociedade brasileira

Por Taís Ilhéu
24 Maio 2023, 18h04

“Um clássico de nascença”. É assim que o crítico literário Antonio Candido descreve uma das obras fundadoras da historiografia e do pensamento sociológico do país, “Raízes do Brasil“. Escrito pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e publicado pela primeira vez em 1936, o livro tinha uma grande missão: explicar a formação da sociedade brasileira.

Caso esteja se perguntando se Sérgio Buarque obteve, afinal, sucesso na empreitada, um fato curioso ajuda a dar dimensão do que “Raízes do Brasil” significa. Nas páginas finais do livro, o historiador afirma que “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”, já que foi importada por uma aristocracia rural e semifeudal. Defende, então, que o país só teria uma plena democracia caso houvesse uma revolução, feita de baixo para cima.

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Agora, imagine só que mesmo contendo propostas e críticas como estas – sem mencionar tantas outras ao autoritarismo – “Raízes do Brasil” passou ileso e intocado aos períodos de maior repressão da Ditadura Militar. Um sinal, afinal, do espaço canônico que ele ocupa no pensamento brasileiro.

Baseado em uma visão crítica do passado agrário brasileiro e abordando conceitos como o do patrimonialismo e do homem cordial, o livro de Sérgio Buarque mudou a forma de se pensar a realidade brasileira, rompendo com análises naturalistas, evolucionistas e racistas elaboradas até então.

O GUIA DO ESTUDANTE conversou com o professor de Sociologia do Curso Anglo, Renê Araújo, e trouxe os principais pontos que você precisa conhecer sobre a obra que sempre aparece nos vestibulares.

O homem cordial

“Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’.” É assim que Sérgio Buarque de Holanda introduz a apresentação de um dos mais famosos conceitos sobre a constituição do brasileiro, e que ainda hoje suscita debates acalorados.

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Parte destes debates parte, na verdade, de uma incompreensão. Muita gente, de pronto, questiona: como esse historiador foi capaz de denominar cordial homens que por tanto tempo mantiveram a escravidão? Que ainda hoje praticam cotidianamente o racismo – fora tantos outros preconceitos?

Para não cair nessa confusão, é preciso saber, antes de tudo, o que Sérgio Buarque pretendia dizer com a palavra cordial. E isso ele mesmo explica na obra.

“A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras” , civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante.”

O “homem cordial”, apresentado pela primeira vez em “Raízes do Brasil”, não é sinônimo de um homem bondoso ou afável, mas sim daquele profundamente movido pelo coração, por uma excessiva emotividade – e isso abarca tanto o amor como sentimentos na outra ponta, o ódio e a raiva.

O resultado dessa personalidade brasileira – ainda que herdada dos portugueses – domina todos os aspectos da vida pública, definindo como será a relação entre patrões e empregados, políticos e sociedade.

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Um exemplo cotidiano – e que à primeira vista pode nem parecer tão relevante – dessa expressão é a preferência que os brasileiros têm, segundo o autor, por utilizar o emprego de diminutivos. O famoso “inho” no final das palavras.

“A terminação “inho”, aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração”, analisa Sérgio Buarque.

Uma outra expressão não tão gentil assim desta “cordialidade” é o lugar que ocupam as empregadas domésticas. Não é incomum ouvir que estas são “quase da família”, uma forma de estabelecer uma relação movida pelo sentimentalismo, mas que é convenientemente esquecida quando se trata, por exemplo, de arcar com os direitos trabalhistas dessas profissionais.

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Patrimonialismo e as raízes da corrupção

O patrimonialismo, outro conceito explorado em “Raízes do Brasil”, tem, de certa forma, muito a ver com a personalidade do homem cordial. A partir da sociologia de Max Weber, o historiador brasileiro afirma que nossa nação tem desde os seus primórdios dificuldade de separar vida pública e privada, família e Estado.

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O resultado disso é que o governo, esfera que deveria ser guiada somente pela racionalidade e pelo espírito republicano, acaba contaminado por interesses pessoais daqueles que fazem parte dele. Aí está, segundo o autor, a origem da corrupção no Brasil: desde cedo, o brasileiro entende que o bem público pode ser explorado para interesses privados.

Trocando em miúdos, é o que acontece, por exemplo, quando políticos brasileiros nomeiam familiares para cargos públicos, guiando-se não pela competência deles, mas pelo interesse em empregar pessoas pelas quais tem algum afeto. Um outro extremo deste patrimonialismo é o desvio do dinheiro público em si – a corrupção, escancarada, como tão bem conhecemos.

Síndrome de vira-lata? As críticas a “Raízes do Brasil”

Apesar de ser inegável a importância da obra maior de Sérgio Buarque de Holanda, ela deixou, há algum tempo, a prateleira “intocável” que ocupou até mesmo durante a Ditadura Militar. Hoje, à luz de outras reflexões, teóricos brasileiros contemporâneos fazem críticas mais contundentes ao livro – baseadas, inclusive, em um espírito mais decolonial.

Uma destas críticas parte do sociólogo Jessé Souza, autor de “A elite do atraso“, “A classe média no espelho” e outros livros que refletem a desigualdade social e o racismo no Brasil. Para ele, o pensamento de Sérgio Buarque contribuiu para a criação de um “vira-latismo cultural”, que diminui o valor do brasileiro colocando-o como não racional e com tendências à corrupção quando comparado, por exemplo, aos norte-americanos.

Vale lembrar que Sérgio Buarque não poupava críticas aos europeus, em especial aos portugueses, de quem afirma termos herdado alguns destes traços.

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Por fim, Jessé também critica a benevolência do autor de “Raízes do Brasil” quando se trata do mercado – aquele que controle as grandes empresas e a grande fortuna brasileira –, que é colocado em alguns momentos como racional e capaz de pôr ordem no país.

“Raízes no Brasil” nos vestibulares

O livro de Sérgio Buarque de Holanda pode não estar, ainda, na lista de obras obrigatórias dos grandes vestibulares brasileiros. Mas na prática, é como se estivesse. Ao longo dos últimos anos, provas como a Fuvest, a Unicamp e o próprio Enem basearam diversas questões em trechos do livro, reforçando ainda mais a importância dele nos estudos sobre o Brasil. Em geral, as perguntas trazem pequenos trechos da obra, e pedem que o candidato faça uma reflexão sobre os conceitos apresentados ali.

Confira algumas questões que já foram baseadas em “Raízes do Brasil”.

(ENEM 2015) Em sociedade de origens tão nitidamente personalistas como a nossa, é compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica entre os indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos. As agregações e relações pessoais, embora por vezes precárias, e, de outro lado, as lutas entre facções, entre famílias, entre regionalismos, faziam dela um todo incoerente e amorfo. O peculiar da vida brasileira parece ter sido por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras.

HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

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Um traço formador da vida pública brasileira expressa-se, segundo a análise do historiador, na

a) rigidez das normas jurídicas.

b) prevalência dos interesses privados.

c) solidez da organização institucional.

d) legitimidade das ações burocráticas.

e) estabilidade das estruturas políticas.

RESPOSTA: Alternativa B

(UFRN 2012) Na obra Raízes do Brasil, publicada pela primeira vez em 1936, Sérgio Buarque de Holanda, ao analisar o processo histórico de formação da nossa sociedade, afirma: Desde o período colonial, para os detentores dos cargos públicos, a gestão política apresentava-se como assunto de seus interesses particulares. Isso caracteriza justamente o que separa o funcionário patrimonial e o puro burocrata. Para o funcionário patrimonial, as funções, os empregos e os benefícios que deles recebe relacionam-se a direitos pessoais dos funcionários e não a interesses objetivos, como ocorre no verdadeiro Estado burocrático. Assim, no Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. [Adaptado].

Considerando as reflexões do autor e levando em conta práticas políticas constatadas no Brasil Republicano, é possível inferir que

a) os limites entre os domínios do público e do privado, no âmbito da administração pública, se confundem, não obstante as leis que visam a combater o patrimonialismo.

b) o patrimonialismo está presente nas regiões mais carentes do País, em razão apenas do baixo nível de formação dos quadros da administração pública.

c) as estruturas do poder administrativo no Brasil permanecem as mesmas do período colonial, daí a manutenção do patrimonialismo disseminado na sociedade.

d) o predomínio do interesse particular sobre o interesse público, no Brasil, foi efetivamente rompido com o êxito da Revolução de 1930.​

RESPOSTA: Alternativa A

(FUVEST 2023 – 1ª fase)

I.

“É indispensável romper com todas as diplomacias nocivas, mandar pro diabo qualquer forma de hipocrisia, suprimir as políticas literárias e conquistar uma profunda sinceridade pra com os outros e pra consigo mesmo. A convicção dessa urgência foi pra mim a melhor conquista até hoje do movimento que chamam de ‘modernismo’. Foi ela que nos permitiu a intuição de que carecemos, sob pena de morte, de procurar uma arte de expressão nacional”.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. O lado oposto e outros lados, 1926.

II.

“Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 1936.

Os dois excertos do historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda salientam que a cultura brasileira somente completará a sua formação quando:

a) souber reproduzir fielmente os modelos externos.

b) importar uma estética à altura da sua genialidade.

c) abolir a necessidade de figurar o caráter nacional.

d) deixar a posição de colônia e se tornar metrópole.

e) firmar, na arte e na vida social, a sua autenticidade.

RESPOSTA: Alternativa E

 

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