Escrito em prosa poética, esse romance é um dos principais representantes da vertente indianista do movimento romântico e traça uma espécie de mito de fundação da identidade brasileira
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Trecho 1
“- Neste momento, Tupã não é contigo! replicou o chefe. O Pajé riu; e seu riso sinistro reboou pelo espaço como o regougo da ariranha. – Ouve seu trovão e treme em teu seio, guerreiro, como a terra em sua profundeza. Araquém proferindo essa palavra terrível, avançou até o meio da cabana; ali ergueu a grande pedra e calcou o pé com força no chão; súbito, abriu-se a terra. Do antro profundo saiu um medonho gemido, que parecia arrancado das entranhas do rochedo. Irapuã não tremeu, nem enfiou de susto; mas sentiu estremecer a luz nos olhos, e a voz nos lábios. – O senhor do trovão é por ti; o senhor da guerra será por Irapuã: disse o chefe. O torvo guerreiro deixou a cabana (…)”.
Comentário
O pajé Araquém salva Martim das garras do impiedoso Irapuã graças a um interessante estratagema. A cabana do pajé era construída sobre uma galeria subterrânea, cuja entrada, secreta, ficava fechada com uma pedra. Quando Araquém quis provar que Tupã, o deus do trovão, estava com ele, retirou a pedra enquanto batia com o pé no chão. Ao ver o grande buraco e ouvir o som do ar que saía da galeria, Irapuã julgou ser aquele um poder sobrenatural, o poder de um deus que ele – mero mortal, apesar de valoroso guerreiro – não poderia enfrentar.
Trecho 2
“Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu.”
Comentário
Na descrição do primeiro encontro entre Martim e Iracema, a índia está dormindo após ter se banhado e acorda com um ruído que o deslumbrado Martim produzira. O amor do colonizador e da índia está sempre perto do sono – como na cena da perda da virgindade – e, nesse caso, duplamente próximo do sono, uma vez que Martim é flechado por Iracema e fica à beira da morte, entregue aos braços protetores da amada. Iracema é como a deusa Diana, que, ao ser flagrada nua por Ácteon, castiga violentamente o furtivo visitante. Mas é ainda uma Diana às avessas, uma vez que o castigo de Martim é também uma bênção. Um amor tão intenso só poderia nascer de forma equivalente. O platonismo da situação é evidente, e a flecha de Iracema é como a flecha de Cupido, símbolo de um amor fatal.