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Joe Sacco, criador do jornalismo em quadrinhos, fala sobre como escolheu sua carreira

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 16 Maio 2017, 13h53 - Publicado em 12 jul 2011, 14h17

Joe Sacco não é um jornalista tradicional. Enquanto seus colegas da faculdade de Jornalismo escolheram texto, fotografia ou vídeo para contar suas histórias, ele uniu a paixão pela profissão e pelo desenho e criou sua própria maneira de informar: o jornalismo em quadrinhos.

Nascido em Malta e vivendo nos EUA desde a adolescência, Sacco começou desenhando quadrinhos satíricos. Mas logo percebeu que aquela linguagem também era adequada para contar histórias de conflitos que o deixavam pensativo e preocupado, como o que acontecia entre palestinos e israelenses no Oriente Médio.

O começo não foi fácil. Não eram todos os editores que viam seriedade em grandes reportagens na linguagem das HQs. Mas logo as barreiras do preconceito foram quebradas e suas coberturas de grandes conflitos se tornaram mundialmente famosas.

– Quatro reportagens em quadrinhos de Joe Sacco para você ler

Sacco defende que a linguagem dos quadrinhos permite ao leitor entender todo o contexto dos acontecimentos. É como mergulhar naquela realidade, ver o rosto das pessoas e andar pelas ruas. Aliás, pessoas é o foco do jornalista, que investiga para dar voz àqueles afetados pela guerra.

Joe Sacco veio ao Brasil para participar da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) 2011, no Rio de Janeiro, no último sábado (9). Em São Paulo, conversou com o GUIA DO ESTUDANTE sobre seu trabalho e carreira e as vantagens de se fazer jornalismo em HQs.

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Joe Sacco, criador do jornalismo em quadrinhos, fala sobre como escolheu sua carreira

Crédito: Bárbara Vidal

GUIA DO ESTUDANTE – Por que você escolheu Jornalismo? Como foi essa escolha?

JOE SACCO – Foi no colégio que aprendi a amar Jornalismo. Lembro-me de trabalhar no jornal dos estudantes e, de repente, estava entrevistando alunos estrangeiros que vinham da Austrália, de Israel. Deu-me a noção de que, sendo jornalista, eu poderia conversar com qualquer um, conhecer muitas pessoas. Isso me fascinou.

Também gostava do fato de trabalhar sob pressão, gosto do sentimento de “ok, preciso entrevistar essa pessoa, escrever um artigo e entregar tudo no final do dia”. Há um suspense. E eu amo isso! Assim, naquele instante, meu futuro profissional ficou claro.

GE – E como o jornalismo começou a se envolver com sua paixão pelo desenho?

JOE – Fui para a universidade, me formei em Jornalismo e tive dificuldade para encontrar um emprego. Quando finalmente encontrei alguns, não eram interessantes. Então meu futuro já não estava mais tão claro. Penso que no Jornalismo você precisa se expressar, ter sua voz, e não era a realidade de muitas pessoas em seus empregos.

Nessa fase de não encontrar um emprego na área, comecei a fazer quadrinhos satíricos. Não ganhava muito dinheiro, só pagava minhas contas. Desenhar era uma paixão antiga, só nunca tinha imaginado que fosse viver de histórias em quadrinhos. Não sabia que isso era possível.

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Mudei para Berlim no final dos anos 1980 e lá fazia desenhos para pôsteres de shows, capas de álbuns de bandas, como Mudhoney, Soundgarden, Yo La Tengo. Na época não eram conhecidas como hoje.

Ao mesmo tempo tinha muito interesse pelas questões do Oriente Médio. Queria desenvolver um projeto que unisse esse interesse e minha paixão pelos quadrinhos. Tinha estudado jornalismo para entrevistar e conhecer pessoas e não queria desistir disso, então não demorei em planejar minhas viagens e começar este projeto.

GE – Como é o processo de apuração em campo, tanto das histórias quanto das referências que darão base para os desenhos?

JOE – Eu ajo como qualquer outro jornalista: tomo notas, falo com as pessoas, faço entrevistas. A diferença é que, quando entrevisto as pessoas e quero apurar algo que já aconteceu, não pergunto “o que aconteceu com você?”,  faço perguntas que envolvam o visual, que me ajudem a desenhar depois. Se falam de um campo, pergunto o que há nesse campo, como era, do que se lembram.

Também tiro muitas fotografias como referência. Algumas vezes não dá para tirar fotos, em uma área militar ou perigosa, por exemplo. Então eu desenho rapidamente ali mesmo. Faço também pesquisa em livros. E agora uso a internet, claro. Você usa o Google e acha imagens facilmente. Se quero saber como é determinado veículo militar, por exemplo, digito o nome do veículo e logo tenho minhas referências.

Tudo tem que ser muito visual. Vou atrás de antigas fotos para reconstruir antigos cenários, passeio por lugares históricos. Depois, em casa, com calma, faço o script e só depois começo a desenhar. Esse processo leva anos, faço com calma.

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GE – E como fica a questão da interpretação na reportagem em quadrinhos? Porque se no texto já há subjetividade, quando se desenha há uma carga ainda maior dela…

JOE – Desenho não pode ser nada além de interpretação. Pode ser uma interpretação com informação, mas o leitor só pode conhecer aquela história através dos olhos de quem desenha. Até fotografia é interpretação: você escolhe o que vai registrar ou não, faz um recorte, escolhe ângulo, tema. Mas desenho é ainda mais interpretação porque você está deliberadamente montando tudo da maneira que você quer. A linguagem dos quadrinhos não é literal, é interpretativa.

GE – Você não quer tratar dos conflitos de uma maneira distante, certo? Você quer colocar pessoas comuns nas histórias, mostrar que há seres humanos no meio do conflito…

JOE – Sim, os grandes acontecimentos sempre afetam as pessoas, sempre há seres humanos por trás dos fatos. Mostrar isso é muito importante. Você precisa ver o conflito e entender o que aquilo significa para as pessoas. Quando você lê um nome, por exemplo, é somente um nome. Você lê uma citação, pensa “ok”. Mas se você vê uma face, é diferente. Você se lembra dos seres humanos, tem um impacto diferente. Somos criaturas visuais. Basta ver como as revistas atuais, como os sites atuais são construídos: sempre de uma maneira visualmente atraente, é a grande preocupação.

GE – Os Estados Unidos tem uma posição clara sobre o conflito palestino, por exemplo, o governo escolheu o lado dos israelenses. Então você chega trazendo a visão dos palestinos, os que têm menos voz na grande mídia. Isso criou alguma dificuldade para seu trabalho, reações negativas vindas de seu próprio país?

JOE – Houve dificuldades, mas ao longo do tempo as pessoas ficaram mais abertas a essa nova visão. Nos EUA você pode fazer um livro sobre o que você quiser, qualquer coisa. Mas a grande imprensa pode ignorá-lo. Quando meu livro saiu, alguns veículos publicaram resenhas, até o [jornal] The New York Times fez uma resenha.

Contudo, alguns lugares que eu pensava que naturalmente falariam de meu livro, por se encaixar na proposta editorial deles, simplesmente ignoraram, porque traria problemas para eles. Não queriam reclamações de pessoas que diriam que eu estava contra os israelenses, contra o povo judeu. Não são acusações verdadeiras, mas existiam. É como se o meio fosse manipulado pelo público. O povo se mobiliza para impedir que algo com o qual não concordam ganhe espaço.

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GE – Você tem ideia de que muitos estudantes usam seus livros para estudar, veem neles uma maneira mais fácil de aprender? No GUIA DO ESTUDANTE mesmo: sempre damos dicas de seus livros para entender a questão palestina, por exemplo.

JOE – Bem, faço meus livros para adultos. Mas sei que podem ser lidos por jovens que estão no colégio, na universidade. Sei que os jovens sabem o que é importante, mas que alguns desses temas podem ser difíceis. E quadrinhos são visuais, é uma maneira mais fácil de abordar um assunto e facilitam o entendimento. Os desenhos proporcionam mais intensidade. Pode ser mais fácil, mas não é superficial. Você lê e percebe que há profundidade.

Mas concordo que há um lado educacional nos quadrinhos. Sempre tento explicar bem as coisas e ajudar a desenvolver o interesse sobre aquele tema. Agora, entre um grande livro tradicional de história e meus livros, recomendo ler os dois, ter uma visão completa daquele tema. Quero que eles leiam outras coisas também.

GE – Você usa os quadrinhos para seu trabalho jornalístico porque obviamente vê vantagens nessa linguagem em comparação ao texto, acredita ser uma maneira poderosa de contar uma história. Qual a grande vantagem?

JOE  – Cada mídia tem suas forças e fraquezas. Claro que eu gosto de texto, leio muitos livros em prosa. O poder dos quadrinhos é que, quando você abre o livro, você imediatamente é transportado para um novo lugar. Pode andar pelas ruas de Gaza. Você vê as pessoas, seus rostos, toda a interação com o cenário. Isso é muito poderoso, cria-se uma atmosfera completa na mente do leitor. //

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