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Marília de Dirceu: resumo da obra de Tomás Antônio Gonzaga

Obra clássica do arcadismo, os poemas descrevem um amor malsucedido, impedido pela perseguição à Inconfidência Mineira. O livro está na lista da Fuvest

Por Luccas Diaz
22 Maio 2023, 15h11
Montagem com Tomás Antônio Gonzaga, e Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão.
Para os românticos: Tomás Antônio Gonzaga dedica os poemas ao seu amor Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, a inspiração por trás de Marília  (Wikimedia Commons/Vecteezy/Luccas Diaz/Reprodução)
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“Eu, Marília, não sou algum vaqueiro/ Que viva de guardar alheio gado,/ De tosco trato, de expressões grosseiro,/ Dos frios gelos e dos sóis queimado./ Tenho próprio casal e nele assisto;”: é assim que Tomás Antônio Gonzaga inicia a primeira lira do livro “Marília de Dirceu“, obra de poesia publicada em 1792 cobrada no vestibular da Fuvest e que compila trabalhos do autor ao longo da carreira.

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Se fôssemos brincar de traduzir esses versos para os dias atuais, seria como postar uma selfie caprichada no story do Instagram na esperança de chamar a atenção do(a) crush. Está duvidando? Acompanhe o raciocínio.

No poema, o eu lírico nada mais está do que afirmando para Marília, a tal crush, que não é um vaqueiro qualquer; a vida dele não se resume a apenas cuidar de gado. Ele se cuida, não é “tosco trato”, e tem uma casa própria. Essa relação de conquista e admiração com Marília é uma constante durante toda a obra. Tomás Antônio Gonzaga está apaixonado! E, na ausência de uma selfie no Instagram, escreveu um livro para conquistar de vez a jovem.

Não é a toa que o título do livro seja “Marília de Dirceu”. No século 18, era comum escritores utilizarem pseudônimos. Dirceu é o pseudônimo de Tomás Antônio Gonzaga. E Marília de Dirceu é a sua Marília. O nome da jovem também é um pseudônimo de alguém que realmente existiu, ela se chamava Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão.

Mas essa história de amor não tem um final feliz… Maria Doroteia tinha dezessete anos quando conheceu Tomás Antônio Gonzaga, que já estava na casa dos quarenta. Obviamente, a família negou a união entre eles – mas, acredite, essa não é a pior parte do romance.

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Contexto histórico

Tomás Antônio Gonzaga não era brasileiro, era português, nascido na cidade do Porto em 1744. Veio para o Brasil ainda jovem e foi criado no Nordeste. Na juventude, retornou à Portugal para cursar a universidade e por lá seguiu depois de formado, trabalhando como professor. Na década de 1780, foi nomeado para ser ouvidor de Vila Rica (atual Ouro Preto, em Minas Gerais), marcando o seu retorno ao Brasil. É na cidade mineira que conhece a jovem Maria Doroteia.

Na época, Portugal enfrentava uma grave crise financeira, que tentava solucionar explorando (ainda mais) os recursos da colônia brasileira. Por aqui, este descontentamento com o governo português acabou culminando no movimento que conhecemos hoje como Inconfidência Mineira, em que parte da elite colocou em xeque a autoridade portuguesa na luta por uma maior autonomia política.

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Ao lado de outros intelectuais da elite mineira, Tomás Antônio Gonzaga era um dos principais líderes do movimento. Acabou sendo preso pelo governo português e exilado para Moçambique. Fato este que divide “Marília de Dirceu” em dois momentos: o período em que ele está em liberdade, e o período em que está preso, longe da Maria Doroteia. A obra, portanto, acaba sendo também uma testemunha do pensamento de Tomás e dos outros líderes acerca da Inconfidência Mineira.

Características principais

O primeiro ponto que precisamos considerar na obra é que se trata de uma sequência de narrativas líricas. São poemas com teor de cartas, como se todas fossem sucessivamente escritas para Marília, a Maria Doroteia. De acordo com estudiosos, os textos foram escritos durante um intervalo de 30 anos – o que mostra, talvez, que Tomás Antônio Gonzaga tenha adaptado alguns poemas já prontos para dedicar a sua amada Maria Doroteia.

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A obra serve como um resumo da carreira literária do autor, que é um dos mais importantes da virada do século 18 para o 19. Vale destacar que, na época, “Marília de Dirceu” foi um enorme sucesso de vendas, sendo traduzido, inclusive, para outras línguas. E parte do sucesso é por conta da linguagem acessível que o autor utiliza: há uma certa simplicidade e objetivismo nas palavras.

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A temática com imagens e metáforas referentes à natureza, mitologia e o amor angustiante adicionam ainda um apelo popular ao livro – algo que, hoje em dia, chamaríamos de “romance água com açúcar”.

Estas características são próprias do movimento árcade, do qual a obra pertence. É uma escrita que busca idealizar o amor romântico, com referências à Marília quase como uma figura divina. Ao longo do texto, o autor traz várias referências à mitologia grega, em especial à figura de Orfeu e a sua lira, uma harpa que toca músicas melancólicas sobre um amor que não é possível de se realizar.

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Quadro
Quadro “O Balanço”, de Nicolas Lancret (1735), obra representa os ideais do movimento arcadista (Wikimedia Commons/Reprodução)

Alguns dos lemas árcades que identificamos na obra diz respeito, primeiramente, ao que o poeta fala sobre eliminar tudo o que não é essencial ou útil na sua vida, em busca da simplicidade e clareza. Também encontra-se o lema de não morrer completamente, ou seja, buscar a imortalidade por meio do trabalho, escrevendo algo que dure além da própria vida.

Existe também o carpe diem, que defende aproveitar o dia e viver intensamente o presente, desfrutando dos prazeres e valorizando o tempo que ainda se tem. Por último, o fugere urbem, que é a fuga dos grandes centros e das cidades por conta de toda a instabilidade e insatisfação política, almejando uma vida mais simples e calma no campo.

Assim, longas e detalhadas são as descrições da natureza, que é a maior fonte de inspiração para os artistas do movimento. Em “Marília de Dirceu”, a natureza é grandiosa, bela e inspiradora. Parece ser infinita a quantidade de adjetivos que o autor encontra para descrever a paisagem de Minas Gerais.

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Outra característica marcante é a extensa presença de metáforas, que são utilizadas na descrição dos sentimentos amorosos, dos momentos de angústias e dos de nostalgia. Não podemos também ignorar o tom melancólico, expresso, principalmente, por conta da impossibilidade de estar com o amor de Marília – como já adiantamos, a história do casal não tem um final feliz.

Não há um narrador que conte a história, há uma sucessão de vozes que vão se entrelaçando e formando um retrato variado e fragmentado do amor do casal. Isso possibilita com que o autor mergulhe em vários momentos dessa trajetória, romantizando a história dos dois de várias formas, sem que haja necessariamente uma ordem cronológica ou uma narrativa única. Nós, leitores, devemos tratar cada poema como uma pequena peça que tem a sua autonomia e colabora para construir o todo.

Resumo da obra

Quando falamos de um livro de poemas, ao contrário de um romance, por exemplo, é difícil traçar um resumo da obra. O que pode ser feito, mas não é indicado, é resumir cada uma das liras presentes no livro. Algo mais vantajoso e inteligente do que isso, no entanto, é se atentar às temáticas presentes nos textos: quais são os assuntos predominantes? Qual é o tom dos poemas? Como é o eu lírico?

Cada lira apresenta uma reflexão especifica sobre o amor entre Dirceu e Marília. É como se os poemas trouxessem fragmentos isolados do romance entre os dois, cada um com início, meio e fim. Ainda assim, a obra é divida em três partes (que, assim como os poemas, não recebem títulos).

Na primeira parte, escrita até meados de 1789, somos apresentados à Marília e ao consequente sentimento de Dirceu por ela. Lemos neste primeiro momento o florescer desse amor e a luta pela conquista do coração da jovem (e, claro, da permissão de sua família). Mas vai além disso: vemos também a celebração desse sentimento, a fé de que o amor vai vingar e que o autor passará o resto da vida ao lado da amada. É, sem dúvidas, o momento mais romântico e idealizado da obra.

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Na segunda parte, acontece uma mudança completa de tom. Se tornam comuns palavras ligadas à morte, à prisão, ao inferno. Quase como uma “masmorra”, de fato. Tudo que era marginal na primeira parte se torna o tema principal na segunda. Por quê? Porque Tomás Antônio Gonzaga é preso.

O autor só recebe a sentença do exílio para Moçambique em 1792 (ano de publicação do livro), mas entre 1789 e 1792 ele é preso pela participação na Inconfidência Mineira. Àquela altura, Tomás já estava de casamento marcado com Maria Doroteia – a família da noiva acabara permitindo a união depois da insistência. E é nesse período que o autor escreve os poemas pessimistas e tenebrosos da segunda parte do livro. Embora continue havendo a esperança de realização amorosa, já não há mais a mesma felicidade e certeza do começo. Ao sair da prisão, o autor é imediatamente exilado para Moçambique, e não pôde mais se encontrar com a amada. Avisamos que não haveria um final feliz…

Por fim, a terceira parte é, na verdade, uma publicação póstuma. Só foi publicada em 1812, e serviu como um apêndice, uma parte anexa à obra original, com textos que não foram publicados ao longo da vida do autor.

(“Marília de Dirceu”, aliás, sofreu um caso editorial curioso: por conta do sucesso do livro, alguém publicou uma terceira parte falsa da obra, como uma fanfic dos tempos de hoje. Isto é, um texto escrito por um autor se passando por Tomás Antônio Gonzaga – mas que não faz parte do livro que temos hoje.)

As temáticas dos poemas da última parte são muito semelhantes aos da primeira. Por conta disso, acredita-se que são textos que foram escritos antes da Inconfidência Mineira – o que ressalta o cuidado na hora de achar que o livro segue uma ordem cronológica: ele não segue.

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Colaboraram no texto: Vinicius Beltrão, Coordenador de Ensino e Inovação Sênior do SAS Plataforma de Educação, e Eduardo Calbucci, professor de português do Curso Anglo.

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Obra clássica do arcadismo, os poemas descrevem um amor malsucedido, impedido pela perseguição à Inconfidência Mineira. O livro está na lista da Fuvest

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