“Memórias de Martha”: resumo e análise da obra de Júlia Lopes de Almeida
Em livro cobrado na Fuvest 2026, leitor é transportado à mente de uma mulher do século 19

“Memórias de Martha“, de Júlia Lopes de Almeida, foi uma das obras adicionadas à lista de leituras obrigatórias da Fuvest 2026, vestibular para ingresso na Universidade de São Paulo (USP). O livro transporta o leitor diretamente para dentro da mente de uma mulher no Brasil do século 19, que reconta as memórias da própria vida ao passar por todos os eventos e experiências que a fizeram ser quem ela é.
Para explicar a relevância desta obra publicada pela primeira vez em 1899, mas que aborda temas bem contemporâneos – como desigualdade social, maternidade solo, machismo estrutural e o papel da educação em vidas marginalizadas –, o GUIA DO ESTUDANTE traz abaixo um resumo do livro, além de uma análise dos principais aspectos da narrativa. Para isso, contamos com a ajuda de Renata Maia, professora de Literatura do Poliedro Colégio.
Confira!
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A história de Memórias de Martha
O enredo acompanha a trajetória de Martha, uma jovem cuja vida muda completamente após a morte do pai, acusado injustamente de roubo pelos patrões. Sem recursos financeiros e com a reputação da família comprometida, a mãe assume a liderança do lar, passa a trabalhar como engomadeira e costureira e se muda com a filha para um cortiço no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
Nesse novo cenário, Martha se depara com a fome, a desigualdade social e as dificuldades enfrentadas diariamente pelos moradores da periferia. A chance de estudar em uma escola de qualidade surge como uma possibilidade de mudança. É na escola que ela descobre o desejo de ser professora e passa a enxergar na Educação uma forma de transformar sua vida e a da mãe.
A escola, então, abre novos caminhos. Martha sai do cortiço, começa a circular por outros ambientes sociais e vive experiências importantes, como o primeiro amor, a primeira desilusão e a percepção de que, mesmo com certa ascensão social, sua origem humilde ainda representa uma barreira no relacionamento com pessoas de outras classes.
Depois de uma viagem em que percebe as limitações impostas por sua condição de origem, Martha decide se casar com Miranda. A escolha, em parte, atende ao desejo da mãe, preocupada com o julgamento social que a filha poderia sofrer por permanecer solteira. Mas logo o casamento se mostra vazio e uma prisão social.
Enquanto continua sua carreira como professora, Martha mantém a fé na Educação como caminho, mas enfrenta a dura realidade brasileira: mérito e esforço nem sempre garantem sucesso, já que o sistema privilegia quem tem conexões e sabe pedir favores.
“Suas memórias, escritas já na maturidade, não são só um desabafo pessoal, mas uma crítica sensível e firme à hipocrisia de uma sociedade que valoriza o discurso do esforço individual, mas funciona à base de compadrio”, elabora Renata Maia.
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O narrador de Memórias de Martha
Ao longo do livro, é a própria Martha quem revisita suas memórias e nos conta sua vida, alternando lembranças da infância com reflexões mais maduras.
A escolha da narrativa em primeira pessoa, na forma de um narrador personagem, dá ao romance um tom íntimo e sensível, aproximando o leitor da trajetória dessa mulher.
Em passagens pontuais a versão adulta de Martha intervém e compartilha percepções que só foram possíveis com o tempo. Um exemplo é a cena em que vê a mãe se esconder, envergonhada, ao cruzar com uma antiga amiga da família. A compreensão desse gesto só se completa anos depois, quando Martha entende com mais clareza o peso da humilhação vivida.
“A dor da pobreza, a opressão do casamento, a perda da mãe, tudo ganha uma dimensão mais humana e complexa quando contado por quem viveu”, elabora Renata. A professora defende que “a primeira pessoa faz com que Martha não seja apenas uma personagem — ela se torna uma voz real, viva, que nos convida a refletir sobre as estruturas sociais e sobre a força de resistir escrevendo.”
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O tempo e espaço da obra
O romance foi publicado pela primeira vez em 1899, em formato de folhetim, com capítulos lançados aos poucos em jornais e revistas. O Brasil passava pelo período da República Velha, que se estendeu de 1889 a 1930 e teve ao todo 12 presidentes.
Também foi nessa época que aconteceu a famosa “política do café com leite”, quando os presidentes do Brasil revezavam-se entre São Paulo (grande produtora de café) e Minas Gerais (grande produtora de leite).
Em 1899, o governante do país era Campos Sales. Neste momento, quem tinha mais poder eram os pequenos grupos chamados de oligarquias, associadas principalmente à agricultura e à pecuária.
No Rio de Janeiro, capital do país, os cortiços destacavam-se na paisagem urbana. Eram habitações coletivas para os mais pobres que chegavam nos grandes centros urbanos em busca de trabalho, mas não tinham dinheiro para os aluguéis elevados. A falta de privacidade e a superlotação eram características marcantes desse tipo de local.
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Os personagens de Memórias de Martha
- Martha: personagem principal e narradora;
- Martha: mãe de Martha. Sua força, seu esforço para sustentar a casa e sua constante preocupação com a reputação da filha refletem o peso das expectativas sociais sobre as mulheres pobres no final do século 19;
- Miranda: cliente da mãe e homem com quem Martha acaba se casando. Ele se interessa por ela a partir da leitura de suas cartas e representa uma figura de estabilidade, além da possibilidade de ascensão social;
- Dona Aninha: professora que percebe o potencial de Martha. É ela quem incentiva a jovem nos estudos e abre as portas para uma nova realidade;
- Luis: primo da professora Aninha, personagem por quem Martha se apaixona durante uma temporada de férias. Ele simboliza o amor idealizado, mas não correspondido, funcionando como contraponto a Miranda. A relação entre os dois destaca a distância entre o desejo pessoal e as convenções sociais, evidenciada pelas diferenças de classe e temperamento que os separam.
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As mensagens do livro
“Júlia Lopes de Almeida constrói uma protagonista que vive na pele as contradições do Brasil do século 19, revelando como a mulher pobre era empurrada para papeis limitados e invisibilizada nas estruturas de poder”, avalia a professora do Poliedro.
Assim, um dos temas centrais do romance é a crítica às estruturas sociais que mantêm a desigualdade no Brasil, mesmo quando pessoas de origem humilde conseguem ascender por meio do trabalho e da educação. Júlia Lopes de Almeida mostra o impacto dessa desigualdade na vida das famílias mais pobres, convidando o leitor a enxergar uma realidade muitas vezes invisível.
A infância de Martha no cortiço é contrastada com a vida de meninas de classes mais altas, como Lucinda, que tem acesso a aulas de piano, brinquedos e roupas novas. Enquanto isso, Martha e a mãe sobrevivem com ajuda de doações e refeições simples. O cortiço, um ambiente precário e insalubre comum no século 19, representa o lugar de origem difícil da protagonista.
O romance então estabelece um contraste forte entre o cortiço, marcado pela pobreza e violência, e a escola, que surge como um espaço organizado e iluminado, símbolo da oportunidade e transformação para Martha.
Além disso, a narrativa traz uma reflexão sobre saúde mental. Martha se revela uma personagem melancólica e pessimista, sempre atenta às tragédias possíveis, o que sugere como a desigualdade social também afeta o equilíbrio emocional dos indivíduos.
“Júlia Lopes de Almeida denuncia, sem panfletos, o quanto esse sistema sufoca os desejos, a liberdade e o pensamento crítico das mulheres.”, conclui a professora.
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A autora
Júlia Lopes de Almeida foi uma escritora e estudiosa brasileira. Nasceu no Rio de Janeiro em 1862. Filha de portugueses emigrados, cultos e ricos, teve uma educação sofisticada e liberal.
Seu primeiro livro foi um volume de contos, Traços e iluminuras, publicado autonomamente em Portugal, em 1887. Memórias de Marta foi sua estreia no gênero romance e lançado em 1889, em São Paulo.
O nome da autora foi cogitado para figurar na lista de membros fundadores da Academia Brasileira de Letras (1897), mas, com o intuito de manter a Academia exclusivamente masculina, ela foi preterida em favor do marido, o poeta Filinto de Almeida. Faleceu em 1934, vítima de malária.
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