“Nebulosas”: resumo e análise do livro de Narcisa Amália
Publicado em 1972, o único livro da escritora trazia reflexões avançadas para a época, como a causa republicana e a defesa da abolição

“Olhei para o futuro, escrevi o que pensava”, afirmou certa vez Narcisa Amália em discurso denúncia sobre as condições da mulher no século 19, em que ela própria vivia. E o que pensava a escritora a respeito deste futuro? Basta ler alguns dos 44 poemas que compõe “Nebulosas“, seu único livro publicado em 1872, para compreender a sociedade pretendida por ela.
A “poeta, tradutora, ensaísta, professora, abolicionista, republicana e feminista”, como descreve Maria de Lourdes Eleutério, historiadora e socióloga especializada na obra de Narcisa, desejava, acima de tudo, justiça social. E, embora publicados há 150 anos, seus poemas ainda dialogam com a realidade e ajudam a compreender o país em que vivemos.
Não é a toa que Narcisa Amália figura na primeira lista de obras obrigatórias da Fuvest composta unicamente por mulheres, com livros que serão cobrados já na edição de 2026 do vestibular da USP (Universidade de São Paulo).
Abaixo, confira um resumo com os principais temas de “Nebulosas”, uma análise do contexto histórico da época e o movimento literário ao qual a autora se filiava.
Sobre o que fala Nebulosas
Lançado em 1872, Nebulosas está longe de marcar o início da carreira de Narcisa Amália, que já colaborava com artigos em periódicos desde a adolescência. De certa forma, no entanto, sintetiza muito sobre suas ideias e filiação literária – a começar pelo título da obra.
Em apresentação da edição mais recente do livro, lançada pela Editora 34, a historiadora Maria de Lourdes Eleutério explica que as nebulosas – que nada mais são do que nuvens de poeira cósmica – eram um tema em alta na metade do século 19. A imagem esbranquiçada e brilhante no espaço já havia sido evocada por outros poetas contemporâneos de Narcisa, e também eram frequentes em notícias científicas. Mas, para ela, tinham um significado particular: eram como uma fonte de inspiração.
Por isso, funcionando como uma introdução do livro, o poema “Nebulosas” é separado dos outros 43, divididos em 3 partes. Vale mencionar que a edição da Editora 34 seguiu a original de 1872, tendo como base de consulta um exemplar da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da USP. Outras edições contam com uma divisão diferente dos poemas entre as 3 partes.
Essa segmentação importa porque cada grupo de poemas trata de temáticas específicas, e também localizam a autora em diferentes fases do Romantismo, movimento literário em que a obra de Narcisa se enquadra.
Na primeira parte do livro, Narcisa reúne 14 poemas, todos eles de tom intimista. Basta uma consulta ao índice do livro para perceber a primeira característica comum entre eles: vários carregam como título uma única palavra que expressa profundos sentimentos (Saudades, Aflita, Aspiração, Confidência, Desengano, entre outros). O sentimento do indivíduo e o ultrarromantismo, característicos da Segunda Geração do Romantismo dão a tônica.
+ Conheça os poetas da 2ª geração romântica
Já nesta primeira parte, Narcisa estabelece diálogo com poetas que admira e fazem parte da sua formação, como uma epígrafe de Álvares de Azevedo em “Voto”. Esse diálogo se repete em muitos outros poemas de “Nebulosas”.
“[…]
Só teus olhos roreje délio pranto
De mística ternura;
Como silfos de luz cerquem-te gozos,
Enlace-te a ventura!
[…”
Já a segunda parte do livro, que se inicia com o poema “Invocação” e fecha com “Pesadelo”, estabelece diálogos com os poetas e temáticas da Primeira Geração do Romantismo – embora os últimos poemas já comecem a dialogar com a Terceira Geração.
Entre os temas dessa Primeira Geração estão a valorização da natureza e do bucólico, além da valorização nacional. O poema “O Itatiaia” é o mais marcante neste sentido.
“[…]
Ante o gigante brasíleo,
Ante a sublime grandeza
Da tropical natureza,
Das erguidas cordilheiras,
Ai, quanto me sinto tímida!
Quanto me abala o desejo
De descrever num arpejo
Essas cristas sobranceiras!”
Em “Manhã de Maio”, a poeta também declara: “a natureza é uma ode imensa”, marcando definitivamente essa fase do Romantismo. Um dos grandes poetas dessa geração, admirado por Narcisa, é Antonio Gonçalves Dias.
Por fim, o último poema da segunda parte já marca a transição para a Terceira Geração Romântica, que dá a tônica do restante do livro. “Pesadelo”, nas palavras de Maria de Lourdes Eleutério, é uma verdadeira aula de História, em que Narcisa passa por diversas revoluções, da Grécia Antiga às revoltas modernas, até enfim se dirigir à nação brasileira.
“[…]
Contempla, minha pátria, sobranceira,
Dessas hostes os louros refulgentes;
E procurando a glória em teus altares
Entretece uma c’roa a Tiradentes
[…]
Então, ó minha pátria, num lampejo
Os erros surgirão da majestade;
E arrojarás ao pó cetros e tronos
Bradando ao mundo inteiro – liberdade!
A partir daí, Narcisa mergulha nas temáticas sociais e políticas, tendo entre os assuntos centrais a escravidão. Firma, com isso, sua posição abolicionista e republicana. Na terceira e última parte do livro, a poeta dialoga com a chamada geração Condoreira (3ª geração romântica) e seu maior representante, o baiano Castro Alves. O primeiro poeta desse grupo leva justamente o nome do poeta, que havia morrido um ano antes, e termina com um clamor:
” […]
E lá da eternidade onde repousas,
Acolhe o canto meu que o pranto orvalha! …”
Outros poemas dessa parte final de Nebulosas também trazem a temática abolicionista, como “O africano e o poeta” – que coloca o escravizado como uma agente de voz ativa – e a Festa de São João, que destaca elementos da cultura africana. No final deste, a poeta que olhava para o futuro e escrevia o que pensava anteve a libertação dos escravizados:
“Num raio de caridade
À terra baixou radioso
O anjo da liberdade;
Que a fortes pulsos escuros
Unindo seus lábios puros
Partiu um grilhão atroz;
E de infelizes escravos
Fez talvez dez homens bravos,
Talvez dez outros heróis!”
Contexto histórico
Os poemas de Narcisa Amália ainda dialogam com um Brasil que não aboliu devidamente a escravidão e que não garante plena igualdade às mulheres. Ainda assim, muita coisa mudou de 1872 para cá. A produção de Narcisa Amália se deu no Brasil Império, durante o reinado de d. Pedro II. Localizando a poeta nesse período histórico, fica ainda mais evidente o quão combativos eram seus poemas, que clamavam pela liberdade e pelo republicanismo.
Além disso, quando “Nebulosas” foi publicado, a escravidão ainda era uma realidade no Brasil, e só seria abolida dali a 16 anos.
+7 fatos que não te contam sobre a abolição da escravidão no Brasil
A realidade das mulheres no país também era outra, e por isso não é de estranhar que até mesmo Machado de Assis, contemporâneo de Narcisa, tenha titubeado em ler seu livro. Em crítica publicada na Revista Ilustrada em dezembro de 1972, ele afirma:
“Não sem receio abro um livro publicado por uma senhora. É certo que uma senhora pode poetar e filosofar, e muitas há que neste particular valem homens, e dos melhores. Mas não são vulgares as que trazem legítimos talentos, como não são raras as que apenas se pagam de uma duvidosa ou aparente disposição, sem nenhum dote literário que verdadeiramente as distinga”
Em seguida, o autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” tece enormes elogios à obra da poeta, mas não sem antes colocar em cheque a capacidade intelectual das mulheres.
Outros críticos da época foram muito além. Maria de Lourdes Eleutério lembra que o que mais incomodava os resenhistas era justamente o posicionamento político de Narcisa – neste ponto, Machado de Assis a admirava muito –, já que consideravam que este não era um terreno feminino.
A luta da poeta era para que as mulheres tivesse direito a todos estes espaços, da literatura à política. Além de seus poemas, Narcisa publicava também ensaios em diferentes periódicos de todo o Brasil, e ajudou a fundar publicações voltadas às demandas feministas. Em seus textos, defendia, sobretudo, o direito à educação.
Suponho ter sido eu, no Brasil, quem primeiro ergueu a voz clamante contra o estado de ignorância e abatimento que jazíamos – em artigos que denominei ‘A mulher no século XIX’ e ‘A emancipaçãoa da mulher’ […] afirmaram que minhas opiniões eram hauridas em livros cuja leitura importava em atentado ao pudor da mãe de família”
Por fim, para quem vai fazer a prova da Fuvest, é importante lembrar que Narcisa foi contemporânea de outras escritoras que compõem a lista de obras obrigatórias. “O livro ‘Nebulosas’ dialoga com a crítica social e a defesa da liberdade presente em ‘Opúsculo humanitário‘ (Nísia Floresta, 1853) e ‘Memórias de Martha‘ (Júlia Lopes de Almeida, 1899)”, afirma Maria Clara Martho, Professora de Literatura e de Redação do Poliedro Curso. “Ao relacioná-las, é possível entender melhor o contexto social da época”.
Quem foi Narcisa Amália: de “Princesa das Letras” a “insubmissa poeta”
A formação de Narcisa Amália diz muito sobre a poeta que se tornou e a importância de sua obra. Nascida em 1852 no município de São João da Barra, Rio de Janeiro, era filha de professores. Seu pai, Joaquim Jácome de Oliveira Campos Filho era também poeta, e foi responsável por fundar o primeiro jornal da cidade, O Paraybano.
Também por essa influência, Narcisa passou a escrever desde cedo para jornais. Aos quinze, colaborou pela primeira vez com o Astro Rezendense, quando a família já havia se mudado para Rezende. Nos anos seguintes, seguiu escrevendo para publicações de todo o país, e começou a atuar também como tradutora. A esta altura, Narcisa já havia se casado com seu primeiro marido – o casamento aconteceu quando sequer tinha completado 14 anos. Pouco tempo depois, foi abandonada.
Publicou Nebulosas, seu único livro, em 1972, e voltou a se casar em 1880. O segundo marido, no entanto, tentou cercear sua vida artística e social, impedindo que encontrasse amigos e espalhando mentiras sobre a autoria de seus textos. Narcisa divorciou-se em 1887 e criou sozinha a filha Violeta.
Quando consolidou-se como um nome importante da literatura brasileira, Narcisa recebeu alguns títulos. Alguns a chamavam de “a princesa das letras”, outros “a gentil senhora” ou “a inteligente sonhadora”. A historiadora Eleutério dispensa todos, e os classifica como uma tentativa de diminuir o peso real da produção de uma mulher como Narcisa. Prefere chamá-la de “a insubmissa poeta”.
Prepare-se para o Enem sem sair de casa. Assine o Curso GUIA DO ESTUDANTE ENEM e tenha acesso a todas as provas do Enem para fazer online e mais de 180 videoaulas com professores do Poliedro, recordista de aprovação nas universidades mais concorridas do país.