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Parlamentarismo volta ao debate político no Brasil – e especialistas o consideram má ideia

De origem britânica, o parlamentarismo voltou ao debate político do Brasil em 2015. Tanto o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quando parlamentares de partidos de oposição como PSDB e PPS são favoráveis ao regime, nascido no século 13 para frear a monarquia absolutista na Europa. Mas o tema, que parece uma evolução ao atual […]

Por Thiago de Araújo | Brasil Post
Atualizado em 16 Maio 2017, 13h58 - Publicado em 17 jul 2015, 17h26

De origem britânica, o parlamentarismo voltou ao debate político do Brasil em 2015. Tanto o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quando parlamentares de partidos de oposição como PSDB e PPS são favoráveis ao regime, nascido no século 13 para frear a monarquia absolutista na Europa. Mas o tema, que parece uma evolução ao atual presidencialismo, possui algumas “armadilhas”, segundo especialistas ouvidos pelo Brasil Post.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que o Brasil já viveu períodos parlamentaristas em sua História — um na época da monarquia, no século 19, e outro no início dos anos 1960. Tivemos a oportunidade de adotar o regime, durante o plebiscito de 1993. Na ocasião, o presidencialismo ganhou com ampla vantagem tanto do parlamentarismo quanto da monarquia. Após 22 anos, é hora de rediscutir o tema?

“Já houve uma rejeição da população. Qualquer mudança dependeria de um novo plebiscito, mas antes teríamos de resolver muitas questões quanto ao modelo. A população aceita perder o poder de escolha do presidente? No parlamentarismo, isso é feito pelo Legislativo, que é hoje tão mal visto quanto a presidente da República. Acho difícil convencer a população disso”, avaliou o cientista político da Unicamp Valeriano Mendes Ferreira Costa. 

 Vídeo da campanha a favor do parlamentarismo em 1993 (Reprodução/YouTube)

A opinião é compartilhada pelo cientista político do Insper Fernando Schüler. Para ele, há uma longa tradição presidencialista na América Latina, permeada pela instabilidade democrática cuja causa repousa em “déficit de governabilidade, baixo nível de consenso político e social, baixo interesse político em interesses sociais”, além das muitas rupturas democráticas ao longo do processo.

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“É natural o permanente questionamento do presidencialismo. Alguns argumentam, como Eduardo Cunha, que o parlamentarismo seria o mais propício para a resolução de crises, com possibilidade de dissolver governo e recompor a maioria. Funciona em democracias tradicionais como a Inglaterra, mas poderia usar o argumento contrário: como entregar tudo a um Congresso de partidos pouco programáticos, patrimonialistas, com sistema que permite pouca renovação e baixa representatividade? É difícil”, disse.

Parlamentarismo de 2015 tenta compor o que faltou em 1988

A Assembleia Constituinte que formulou a Constituição Federal de 1988 tinha como uma das suas premissas pós-ditadura militar a instalação do regime parlamentarista no Brasil. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi relator do Regime Interno da Constituinte, que deu poderes à Comissão de Sistematização. Foi esse grupo o responsável por um texto que previa a instalação do parlamentarismo como forma de governo.

Por outros pontos da proposta, forças mais conservadoras se aglutinaram no bloco chamado Centro Democrático, o “Centrão”, que detinha a maioria dos 559 membros da Constituinte, para reagir. Articulados junto ao então presidente José Sarney, eles aprovaram o regime presidencialista, com mandato de cinco anos. Então líder do PCB, o deputado federal Roberto Freire (hoje no PPS, amplo defensor do parlamentarismo), relembrou o desenrolar nos bastidores.

“Em um determinado momento, no qual se dava a disputa sobre a questão do mandato de cinco anos do presidente da República, ante a tentativa de reduzir o mandato presidencial, que era de seis anos para quatro, e que no final ficou em cinco. Esse debate teve no PT o partido que mais se mobilizou em torno da ideia dos quatro anos e, com isso, exercia uma pressão muito grande em relação aos outros partidos democráticos que discutiam essa questão. O PT defendia os quatro anos, mas com o presidencialismo, já que não eram parlamentaristas.

Nós éramos parlamentaristas, e cometemos um equívoco, ao não admitirmos, em nenhum momento, e esse momento existiu, uma negociação de manutenção do mandato presidencial tal como estava, nos cinco anos, e uma discussão do sistema parlamentarista, depois do final do mandato. Por conta desta pressão dos quatro anos, exercida pelo PT e de um certo patrulhamento, deixamos passar essa oportunidade. Quando digo ‘nós’, refiro-me particularmente a Mário Covas e a mim, que poderíamos, e tínhamos condições, de discutir muito o que devíamos fazer, já que éramos parlamentaristas, e não aproveitamos aquela oportunidade como devíamos, de incentivar a discussão do parlamentarismo. Preferimos imaginar que iríamos ser vitoriosos no parlamentarismo e nos quatro anos. Foi um grande equívoco nosso, porque se ganhássemos o parlamentarismo podia o mandato presidencial ser até de sete anos. Naquele momento, o debate estava atrelado à duração do governo Sarney, de reduzir o seu mandato, o que era uma bobagem, não tinha nenhum sentido. Poderíamos ter dado os cinco anos e ter feito um grande acerto, e quem sabe, o Brasil teria saído daquele processo com o parlamentarismo, e estaríamos, sem dúvida alguma, muito melhores hoje”.

Como consolo, os parlamentaristas derrotados na Constituinte conseguiram incluir a realização de um plebiscito — realizado em 1993, terminou com a derrota do parlamentarismo.

Se há um argumento em que especialistas e os favoráveis ao regime parlamentarista concordam é que o atual presidencialismo de coalizão, no qual o presidente da República loteia o Estado para obter maioria no Legislativo, governando assim a seu modo, está com o seu prazo de validade vencido. O resultado, enquanto isso não ocorre, é a crise de representatividade enfrentada pela presidente Dilma Rousseff na atual legislatura.

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Todavia, isso não quer dizer que seja preciso mudar o modelo de governo. Para os cientistas políticos ouvidos pelo Brasil Post, atribuir ao parlamentarismo a pecha de “salvação da pátria” em tempos de crise é hoje mais uma manobra de desgaste de um governo em crise do que propriamente uma tentativa de estancar o sangramento da presidente e do seu partido, o PT. Nem mesmo questionar a aprovação de Dilma – hoje em meros 9% – legitima uma mudança de regime.

“Acho que o parlamentarismo pode representar uma evolução institucional, desde que venha com uma ampla e profunda reforma política. Mantidas as nossas regras atuais, com um regime parlamentarista, seria um cenário de ficção científica. Não representaria nenhum avanço”, afirmou Schüler. “Acho que hoje é mais um ‘balão de ensaio’ para pressionar a Dilma e destacar o Cunha. A própria reforma política, do jeito que está avançando na Câmara, quer mais aumentar a confusão do que mudar alguma coisa”, completou Costa, da Unicamp.

Para os dois especialistas, caso uma proposta de regime parlamentarista realmente avance no Congresso Nacional nesta legislatura (a única que não foi arquivada até hoje data de 1995, do então deputado federal Eduardo Jorge), o caminho seria extenso. Além de o cenário político atual ser desfavorável, eles não acreditam até mesmo quem defende a mudança sustentasse o argumento até o fim. Como aconteceu em 1988.

“Quem almeja ser presidente sempre trabalhou contra o parlamentarismo. Todos tentariam sabotar a discussão. Acho que a única coisa que essa discussão traz no momento é o enfraquecimento da presidente Dilma. Soa como uma doença oportunista, que pega um paciente fraco. Tenha certeza que todos querem governar plenamente. Por isso é que essa discussão jamais decolou após o plebiscito”, destacou Costa.

Ainda de acordo com o cientista político da Unicamp, a população ainda demonstra um interesse singular pela escolha para a Presidência da República, e seria muito difícil explicar de maneira clara o funcionamento do parlamentarismo. Tanto ele quanto o colega do Insper acreditam que um regime parlamentarista, no Brasil, teria de ser quase que único, permitindo adaptações – por exemplo, assegurar que o voto popular elegesse o primeiro-ministro.

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“Na Europa já se faz isso, com o candidato a primeiro-ministro já sendo destacado logo no início das eleições”, disse Costa. “Seriam necessários filtros institucionais, porque maiorias são perigosas pelo calor do momento. Veja que Hitler [líder do regime nazista alemão] teve a maioria na Alemanha em determinado momento e deu no que deu (…). É verdade que havia um viés parlamentarista em 1988, mas a maioria da sociedade não o é. Resiste ainda um conceito de que o parlamentarismo é um regime elitista, por conta do que ocorreu com o presidente João Goulart em 1963, quando se adotou o parlamentarismo para tirar poder dele e impedi-lo de realizar reformas populares. E tudo isso é uma lenda”, emendou Schüler.

Atual crise faz parte do aprendizado democrático

Se o debate sobre o parlamentarismo no Brasil está longe de um consenso, o fato é que a situação vivida pelo País no âmbito político no presente não pode ser menosprezada. O presidencialismo de coalizão está em crise em parte também por conta da independência alcançada pelo Legislativo após as eleições de 2014. O que para os brasileiros e sua jovem democracia parece estranho – o Executivo submetido às decisões parlamentares – é justamente o esperado em Repúblicas democráticas.

“Termos essa pauta do parlamentarismo é positivo. O presidencialismo de coalizão no Brasil historicamente subvencionou o Congresso, formando a base por cooptação. Por isso temos hoje 39 ministérios, 24 mil cargos de confiança e outros loteamentos no Orçamento da União. É um sistema insustentável, e nem estou considerando a corrupção, um princípio nada republicano. Há um mal-estar, a discussão é positiva, e nesse sentido o Cunha não é só um bom articulador, mas também um propositor de pautas, embora elas soem oportunistas”, afirmou Schüler. 

Um outro adversário para o debate do parlamentarismo em um País ainda “pouco maduro” na atualidade é a instabilidade nas regras do jogo. “Fizemos o plebiscito há 22 anos só, é muito pouco tempo para querer mudar. É a mesma história da reeleição, que só temos há 17 anos. Não se muda tudo com períodos tão curtos. Achar que mudar é a resposta só por conta da baixa popularidade é um equívoco, sob pena de cairmos na ‘ditadura da popularidade’”, complementou o cientista político do Insper.

Para Costa, antes de mais nada, o Brasil precisa buscar a estabilidade e o respeito ao regime constitucional, promovendo sim reformas, mas não instalando um constante “caráter transitório”, no qual a volatilidade é o carro-chefe da política. “Vivemos um tempo em que, quando o Parlamento exerce a sua autonomia, achamos que é crise. É justamente o contrário, é aí que aflora o presidencialismo, no qual o Executivo trabalha à luz das decisões dos parlamentares. Não estávamos acostumados a isso, faz parte do aprendizado.”

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Em meio a toda a crise política e discussões como a do parlamentarismo, clara é uma lição à população: o valor do voto para o Legislativo. “A gente se acostuma a achar que eleição não vale nada, que Congresso não serve para nada. Essa autonomia atual mostra o oposto, demonstra como a escolha de deputados e senadores é importante. Veja que esse Congresso está podendo usar o seu poder para, por exemplo, chantagear e desgastar a presidente com medidas impopulares. Fosse um regime parlamentarista, a bagunça seria ainda maior”, finalizou o cientista político da Unicamp.

CURIOSIDADES SOBRE O PARLAMENTARISMO:
✎ O parlamentarismo é um regime no qual o Executivo fica com a representação da sociedade, aceitando o princípio da distribuição de poderes com o Legislativo. A tradição do regime parlamentarista está nos países europeus, encabeçados por Inglaterra e França. Todavia, os modelos podem ser três: o clássico, o racionalizado e o misto.

✎ A comissão especial criada neste ano na Câmara para a reforma política não chegou a ter o seu relatório analisado e votado, em razão de uma escolha de Cunha. Mas o parlamentarismo chegou a ser mencionado pelo relator, deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI). Para ele, não era o momento de discussão do regime, já que a população já havia rejeitado a mudança. Castro acreditava que o debate sobre o assunto deveria ficar para o futuro.

✎ Um dos maiores defeitos da Constituição de 1988 foi ter mantido as chamadas medidas provisórias – típicas de regimes parlamentarista – na redação final. “No sistema presidencialista, se vocês deixarem a medida provisória, o presidente da República vai se transformar no maior ditador de todos os tempos”, disse o ex-deputado e ex-relator-geral da Assembleia Constituinte, Bernardo Cabral.

✎ Beneficiado pela manutenção do presidencialismo em 1988, o ex-presidente Fernando Collor foi um dos que sugeriram a adoção do parlamentarismo. Foi em 2007, quando já estava no Senado. Na visão dele, o regime parlamentarista “permite um controle muito maior da sociedade sobre o governo”. A proposta dele, porém, acabou arquivada.

✎ Tido como um dos grandes articuladores contra o parlamentarismo na Constituinte, José Sarney defendeu a troca de regime no Brasil. Para o ex-presidente, só assim seria possível evitar “o descompasso entre Executivo e Legislativo”.

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