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Professores comentam uso de fórmulas prontas na redação do Enem

Ouvimos professores de redação e também ex-corretores do Enem sobre a prática de decorar frases ou trechos prontos para a redação. Veja o que eles disseram

Por Paulo Montoia
Atualizado em 21 out 2021, 20h46 - Publicado em 5 out 2017, 16h13
 (iStock/iStock)
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Em 2016, uma das 77 redações que receberam nota máxima no Enem continha trechos idênticos ao de duas outras redações. Na época, a nota 1.000 da candidata provocou repercussão nas redes sociais, e, desde então, todo o ano o discurso se repete. Afinal, é permitido decorar frases prontas, ou até mesmo trechos ou parágrafos inteiros, na redação do Enem? É ético? Os corretores percebem? Pedimos a professores e ex-corretores do Enem que comentassem a questão.

A coordenadora de redação do Curso Poliedro em São Paulo, Gabriela de Araújo Carvalho, revela que, apesar de seu empenho, os alunos acabam produzindo textos que são como colchas de retalhos de outras redações. “A maior parte dos alunos chega ao cursinho com uma bagagem bem ruim e, por conta do curto período de tempo para se preparar, acabam achando mais seguro decorar um monte de coisas. Acho bem possível que a pessoa que plagiou tenha decorado os textos. Os alunos fazem mesmo isso”, avalia.

Gabriela afirma ser comum que professores indiquem boas redações como exemplos para os alunos – mas que de forma alguma incentiva a cópia. “Eu acabo recorrendo a uma estrutura bastante padrão e mostro vários textos acima da média para que entendam o que precisa ser feito. Mas noto que, quando vamos chegando ao fim do ano, muitos estão produzindo ‘Frankensteins’: dá para identificar de onde veio cada frase”, relata. “A gente não incentiva isso e inclusive marca como plágio na correção. Mas então eles parafraseiam [disfarçam] as coisas. Eles sabem que estão copiando. Não é bom, mas parece que é inevitável”, completa.

Rafael Cunha, professor de redação e diretor-executivo do site Descomplica, é o autor da redação “Abrindo as cortinas” que teve seu primeiro parágrafo plagiado pela aluna no Enem 2016. Ao contrário de Gabriela, ele viu elementos positivos no plágio. “A aluna conseguiu fazer algo muito bom, demonstrou inteligência linguística ao fazer a adaptação dos textos a um novo tema. A palavra plágio traz apenas essa conotação tão negativa. Mas, como professor, eu pensei ‘que legal!, Ela usou a minha redação’. Talvez ela tenha lido tantas vezes, e gostado tanto, que as palavras ficaram na mente dela. Ela inteligentemente conseguiu usar”, comentou. E completa: “É natural que estudantes inseguros procurem redações exemplares. Eu mesmo falei para meus alunos pegarem redações com notas altas para se inspirarem”. 

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A posição do Inep

O Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enem, tem outra avaliação. Ao tomar conhecimento do ocorrido, a professora Maria Inês Fini, ex-presidente do Inep, afirmou ao Guia do Estudante: “Consideramos lamentável o episódio e um desrespeito aos jovens e adultos ainda em formação. O Inep adotará as necessárias providências para dificultar esse tipo de atitude que impacta negativamente no desenvolvimento ético de nossa juventude e população adulta e nos critérios de justiça e transparência dos processos de acesso ao ensino superior no Brasil”.

Como coibir o plágio?

“O plágio de redações e o uso de modelos pré-definidos são um problema realmente vergonhoso”, lamenta Ivan Paganotti, professor de redação do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo

escrevendo

“O plágio de redações e o uso de modelos pré-definidos são um problema realmente vergonhoso”, lamenta Ivan Paganotti, professor de redação do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Segundo ele, a prática está relacionada a um problema mais profundo: “Isso ocorre porque muitos (alunos, professores, pais e até escolas) encaram a redação de forma instrumentalizada: acham que ela só importa para a aprovação no vestibular”.

Para ele, o modelo padronizado de avaliações em massa acaba incentivando o plágio. O que se pode fazer, então? “Esse mesmo modelo poderia também desincentivar tal prática mostrando que esse crime não compensa: é necessário punir exemplarmente os casos de plágio, retirando desses alunos as vagas que eventualmente conseguiram nos vestibulares. É importante também divulgar previamente as regras para prevenir os alunos desses riscos”, propõe.

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Falam os corretores

Um ex-corretor das provas, que mantém o anonimato que era exigido pelo contrato, destaca não haver uma regra de punição para plágios. “As notas são resultado exclusivo da observação, no texto, de critérios estabelecidos por 5 níveis de qualidade em 5 competências. Não há nessa tabela de critérios, ou nas demais instruções da prova, regras que explicitem punições para casos de plágios. A sensibilidade do avaliador volta-se normalmente a citações que possam ser forçadas ou mesmo apócrifas, extraídas de muitos sites que colecionam pensamentos variados. Nesses casos, verificado o prejuízo da estratégia, o candidato perde pontos nas competências que cobram a progressão temática e a argumentação.”

“O plágio contemplado com nota é uma desmoralização do processo avaliativo”, diz um ex-corretor

O professor ressalta que não é possível ao corretor, durante a avaliação, conhecer de antemão redações de outras provas dentre as milhões entregues todos os anos. Porém, pondera: “O plágio contemplado com nota é uma desmoralização do processo avaliativo que se fixou em nossa cultura. Talvez um novo debate seja necessário, para que se retomem as principais intenções da prova do Enem. O modo como a estudante confessou o processo de ‘plágio’ como algo simples, dentro das estratégias de preparação para a prova, revela vícios nos processo de aprendizado. Estudamos para adquirir conhecimento ou para responder às duras exigências das avaliações? Afinal, o modo como um estudante se prepara é, de fato, passível de desclassificação? Ora, pelas regras mais nítidas, não é possível, em um processo que avalia apenas respostas corretas, punir desvios de conduta anteriores ao momento da prova. A aluna, ao que consta, não colou durante a prova”.

Outro ex-corretor da prova, que pede para manter o necessário anonimato, conta que o problema é abordado durante o treinamento prévio que esses profissionais recebem. “Houve um alerta sobre esse recurso de usar frases de pensadores ou trechos prontos. Houve uma blogueira que fez muito sucesso passando algumas receitas, e pegamos muitos textos que usavam trechos citados por ela. Infelizmente, não há como dar conta de tudo: os corretores ganham por redação, e ficar verificando todas é inviável. Claro, há casos em que as citações não parecem vir do autor da redação e o corretor desconfia. Existem casos em que uma mesma citação ou estrutura é repetida várias vezes, o que evidencia que partiram da mesma origem – nesses casos, é normal que o corretor faça uma busca e, se houver plágio, acabe punindo a nota do texto.”

Segundo ele, a plataforma usada pelo Enem não impede o corretor de abrir um navegador de internet simultaneamente ao seu trabalho, mas não é exigido ou sequer orientado que se façam buscas sobre textos suspeitos. “Na prática, vejo que os corretores só fazem quando o plágio é muito evidente ou incita sua curiosidade”, conta.

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Enem, Estudo
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