“Quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral”: esta afirmação, consagrada por documentos oficiais ao longo de séculos, e ensinada por muito tempo nos bancos escolares, hoje em dia é bastante questionada. E, diga-se de cara, por ótimos motivos, que vamos explicar aqui.
Mas comecemos pelo fato em si: em 22 de abril de 1500, uma esquadra portuguesa composta por 12 embarcações, sob o comando do navegador Pedro Álvares Cabral, com destino à Índia, aportou no litoral da Bahia. Permaneceu no local por dez dias, antes de seguir viagem. Cabral enviou uma das embarcações de volta a Portugal com notícias sobre o território, a conhecida carta de Pero Vaz de Caminha descrevendo a nova terra, além de amostras da vegetação e objetos coletados. Deixou em terra dois degredados.
Sem dúvida, esse é o momento oficial da “tomada de posse” por parte da Coroa Portuguesa do que viria a ser o Brasil. Mas há muitas evidências de que não houve exatamente uma “descoberta”, e que os portugueses já sabiam que encontrariam terra nessas paragens.
Tratado de Tordesilhas
A maior evidência de que a chegada de Cabral não foi acidental é que, em 1494, Portugal e Espanha haviam assinado o Tratado de Tordesilhas. Os dois países eram as grandes potências marítimas da época. Desde a primeira metade do século 15, Portugal ampliava seus territórios na África e em ilhas e arquipélagos no oceano Atlântico. Em 1492, por sua vez, Cristovão Colombo, a serviço da Espanha, chegou a terras americanas, no Caribe.
O Tratado de Tordesilhas repartia entre os dois países as terras descobertas a oeste do continente europeu tendo como referência um meridiano (linha traçada de norte a sul no globo terrestre) localizado a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde. Isso determinava uma linha que, no Brasil atual, passaria perto das cidades de Belém (PA), ao norte, e Laguna (SC) ao sul. A parte de Portugal são as terras a leste dessa linha.
É muito improvável que Portugal tivesse assinado um tratado se ignorasse a real existência de terras a leste do meridiano de Tordesilhas. Naquela época, a partir da viagem de Colombo, houve provavelmente várias viagens marítimas exploratórias sigilosas cujos resultados eram segredo de Estado.
Mesmo tomando posse oficialmente, Portugal só iniciou efetivamente a colonização do território em 1530, com a primeira expedição de colonização chefiada por Martim Afonso de Souza. Em 1534, com a criação das Capitanias Hereditárias, a Coroa Portuguesa define uma política para começar a ocupar seu novo território.
O Brasil antes de Cabral
O conceito de “descoberta” do Brasil, porém, é criticado de forma consistente com base numa realidade inquestionável: o território nacional já era povoado havia milênios antes da chegada dos portugueses. O conceito de “descoberta” parte da ótica exclusiva dos portugueses – ou seja, em termos acadêmicos, é uma visão “eurocêntrica” da história.
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Estima-se que, em 1500, viviam no território brasileiro cerca de 3 milhões de indígenas, que estariam divididos em cerca de 1,4 mil povos, que falavam 1,3 mil línguas. Tinham uma rica cultura, desenvolvida por milênios.
As condições da presença humana nas Américas ainda são objeto de bastante debate e pesquisa científica, mas já está claro que a vinda de seres humanos para o continente ocorreu em mais de um momento, e que remonta há mais do que 12 mil anos (hipótese sustentada por muito tempo pela teoria conhecida como Clóvis).
O ser humano está presente no território brasileiro há mais de 10 mil anos, como mostram estudos ocorridos nas últimas décadas. Em Lagoa Santa (MG), nos anos 1970, escavações encontraram um esqueleto humano – chamado de Luzia – que viveu entre 11 mil e 11,5 mil anos atrás. No sítio da Pedra Pintada (RR), estudos realizados na década de 1990 provaram a presença humana há 11,3 mil anos atrás.
É essa presença humana milenar que pode se desenvolver na riqueza de mais de mil línguas nativas e de grande diversidade cultural. A chegada de Cabral ao litoral, sob essa ótica, representou não uma “descoberta”, mas o início de uma presença humana invasora que modificou profundamente o território. O fato é que, nesse encontro, para o bem e para o mal, começou a nascer o país que conhecemos hoje.
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