Relembre o movimento das Diretas Já!, que completa 40 anos
Grandes manifestações marcaram o período final da ditadura militar, mas as eleições diretas para presidente só aconteceram cinco anos depois
Era um domingo, 27 de novembro de 1983. Milhares de pessoas se aglomeravam na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, mas não era dia de jogo. O que estava acontecendo era a primeira grande manifestação de rua da campanha por eleições diretas para presidente da República. Convocada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), reuniu cerca de 10 mil pessoas. Foi como uma faísca no cenário nacional. A partir daí, o movimento deslanchou. Em 12 de janeiro de 1984, entre 30 mil e 50 mil pessoas reuniram-se no centro de Curitiba, capital do Paraná, pela primeira vez sob o lema Diretas Já!
Em 25 de janeiro, um comício na praça da Sé, em São Paulo, reuniu cerca de 300 mil pessoas na rua e todos os líderes de oposição no palanque. Estavam lá os governadores Tancredo Neves (Minas Gerais, PMDB), Franco Montoro (São Paulo, PMDB), Leonel Brizola (Rio de Janeiro, PDT), o deputado Ulisses Guimarães (PMDB-SP) e dois futuros presidentes: Luiz Inácio da Silva, o Lula (então presidente do PT), e Fernando Henrique Cardoso (na época senador do PMDB).
O amarelo, cor-símbolo da campanha, passou a fazer parte do vestuário daqueles que lutavam a favor da democracia. Manifestações multiplicaram-se por todo o Brasil. Em 10 de abril, um ato na Candelária, no Rio de Janeiro, reuniu 1,2 milhão de pessoas. Seis dias depois, uma passeata que seguiu da praça da Sé até o vale do Anhangabaú, em São Paulo, agrupou em torno de 1,7 milhão de pessoas. Naquele momento, parecia que o movimento era invencível e que o Congresso Nacional não teria como recusar a aprovação das eleições diretas para presidente.
Emenda Dante de Oliveira
O móvel da campanha era a aprovação de uma emenda à Constituição vigente, montada pela ditadura militar. Em março de 1983, o deputado mato-grossense Dante de Oliveira (1952-2006), do PMDB, partido de oposição ao regime, havia apresentado ao Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional nº 5, que determinava a volta das eleições diretas para a Presidência da República em 1984. Ele se apoiava no sucesso da retomada das eleições para governador, em 1982, e buscava quebrar legalmente a última barreira que ainda sustentava o regime militar.
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A Emenda Dante de Oliveira, como ficou conhecida, passou então a tramitar no Congresso. Em junho de 1983, os governadores Montoro e Brizola, com o PT, de Lula, formaram uma frente suprapartidária pró-diretas. Demorou um pouco para a campanha ir para a rua, mas, quando as manifestações passaram a ser convocadas, atraíram multidões. Sob a presidência do general João Baptista Figueiredo, o regime enfraquecido já não reprimia diretamente os protestos de rua.
Votação das Diretas
Mesmo apoiado em manifestações gigantescas, que reuniram milhões de pessoas em cidades de todo o Brasil, o movimento das Diretas Já! não alcançou seu objetivo parlamentar.
Em 25 de abril de 1984, a Emenda Dante de Oliveira foi encaminhada para votação no Congresso Nacional. As galerias estavam lotadas com pessoas que queriam acompanhar de preto o que prometia ser uma histórica retomada da democracia no país. Uma multidão se aglomerava fora do Congresso, manifestando-se a favor das Diretas Já!
A emenda conseguiu maioria de votos, mas não obteve os dois terços exigidos para aprovar uma alteração constitucional. O placar foi de 298 votos a favor e apenas 65 contrários, com 3 abstenções. Mas 114 deputados faltaram à votação. Como eram necessários 320 votos, faltaram 22.
Na verdade, as eleições diretas só não foram aprovadas em razão da mudança de regras impostas pelo Pacote de Abril, de 1977, decretado pelo general e presidente Ernesto Geisel, que tornava obrigatória a obtenção de dois terços dos votos do Congresso para fazer mudanças na Constituição de 1967, que institucionalizou a ditadura militar.
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Colégio Eleitoral elege Tancredo
Derrotada no Congresso a Emenda Dante de Oliveira, as eleições indiretas continuavam a valer. Abriu-se então um debate na oposição: o que fazer? O PT defendeu o boicote à eleição indireta, a ser feita no Colégio Eleitoral, segundo determinavam as regras do regime militar. A maior parte da oposição, porém, decidiu apoiar a candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, e conseguiu atrair uma expressiva dissidência do próprio partido de sustentação do regime militar, o PDS (ex-Arena).
Em janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral elegeu o oposicionista Tancredo Neves, do PMDB. Ele obteve 480 votos, contra 180 de Paulo Maluf (PDS-SP). Com a posse prevista para março de 1985, Tancredo acabou não assumindo. Adoeceu três dias antes da posse, e morreu em 21 de abril. A Presidência foi ocupada pelo vice, José Sarney. Com isso, as oposições venceram sob as regras da ditadura, mas quem assumiu acabou sendo um político ligado à ditadura militar, antigo presidente da própria Arena, partido oficial do regime.
Eleições diretas só em 1989
Mesmo não tendo conseguido obter as eleições em 1984, o movimento das Diretas Já!, ao colocar milhões nas ruas, provocou um forte impacto político, que se estendeu ao longo dos anos. Sarney, que assumiu a Presidência em 15 de março de 1985, foi levado a revogar parte da legislação autoritária do período militar, com medidas como o restabelecimento da eleição direta para a Presidência da República e a abertura para a ampla organização de partidos políticos, incluindo os até então ilegais PCB e PCdoB.
Em 1987, o Congresso Nacional reuniu-se em Assembleia Nacional Constituinte para a elaboração da nova Constituição brasileira, promulgada em 1988. A nova Carta ampliou direitos individuais e coletivos, como as garantias de proteção à mulher, ao idoso, aos índios e à criança e ao adolescente, mas manteve parte das mudanças institucionais do período da ditadura, como as polícias militares e o papel das Forças Armadas em questões internas.
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Finalmente, em 1989, o sucessor de Sarney seria eleito pelo voto direto da população brasileira. Foram as primeiras eleições presidenciais em 29 anos, desde outubro de 1960. Após disputar o 2º turno com Lula, em 17 de dezembro de 1989, o vencedor foi o ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello (PRN). Abriu-se aí um novo capítulo da história nacional.
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