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Sede do Conclave, Capela Sistina tem críticas à Igreja escondidas por Michelangelo

Michelangelo deixou mensagens escondidas nos afrescos que servem de cenário para a escolha do novo papa

Por Luccas Diaz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
7 Maio 2025, 16h28
Primeiro dia do Conclave de 2013, em 12 de março, na Capela Sistina
Primeiro dia do Conclave de 2013, em 12 de março, na Capela Sistina (MAURIX/Getty Images)
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Nesta quarta-feira, 7 de maio de 2025, os olhos do mundo se voltam para a Capela Sistina, no Vaticano. É lá que cardeais se reúnem em conclave para eleger o novo líder da Igreja Católica, após o falecimento do Papa Francisco no último dia 21. Mas além de cenário das decisões mais solenes da Igreja, a capela guarda, em seus afrescos, críticas ocultas deixadas por um dos maiores artistas da humanidade.

Michelangelo Buonarroti (1475-1564), o gênio renascentista que a pintou entre 1508 e 1512, não era apenas um artista a serviço do poder: era também um homem em conflito, cuja relação com a Igreja e seus papas foi marcada por tensões, desconfiança e, sobretudo, genialidade.

A grandiosidade da Capela Sistina, com seu teto repleto de cenas bíblicas e figuras humanas em destaque, é celebrada como uma das maiores obras da história da arte. No entanto, por trás das imagens de Adão, Deus e profetas, historiadores apontam que Michelangelo teria escondido críticas à Igreja na própria obra que é considerada ícone do cristianismo. Ele teria utilizado códigos, símbolos e até mesmo tons específicos – como dourado e vermelho, cores de Roma – para expressar sua frustração com a cúria.

Algumas figuras exibem gestos, olhares ou posturas que sugeririam dúvida, cansaço ou desilusão, em contraste com a glória esperada pelo discurso oficial.

+ Superinteressante: Como Michelangelo pintou o teto da Capela Sistina?

A verdade é que quando recebeu o convite do Papa Júlio II para pintar o teto da capela, Michelangelo não comemorou. Pelo contrário, ficou reticente. Para ele, a pintura era uma arte inferior: sua verdadeira paixão era a escultura. Em um trecho de seu diário, o artista parece até usar do humor para descrever o início da sua tarefa:

“Hoje, 10 de maio de 1508, eu, Michelangelo, escultor, recebi de Sua Santidade Nosso Senhor, o Papa Júlio II, quinhentos ducados de câmara papal… por conta da pintura da abóbada da capela do Papa Sisto, para a qual comecei a trabalhar hoje, sob as condições e acordos que aparecem em um documento escrito pelo Reverendíssimo Monsenhor de Pavia e de minha própria mão.”

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Dá para sentir daqui a ironia de “eu, Michelangelo, escultor”, não dá?

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Relação conturbada com a Igreja Católica

A relação de Michelangelo com o Papa Júlio II, conhecido como o Papa Guerreiro, era tudo, menos harmoniosa. O artista já havia sido chamado a Roma para criar o túmulo monumental do papa, projeto que acabou frustrado por intrigas e falta de pagamento. O convite para decorar a Sistina, segundo relatos, foi visto inicialmente por Michelangelo como uma armadilha de rivais que torciam pelo seu fracasso.

Ele aceitou a tarefa a contragosto, mas impôs exigências: recusou ajuda de outros artistas, preferindo trabalhar praticamente sozinho, do desenho à execução dos afrescos. A tensão com o Papa Júlio II era tamanha que, em certos momentos, o artista tratava o líder como igual, desafiando sua autoridade e exigindo respeito por sua genialidade.

Em seus poemas privados, o escultor chegou a lamentar a corrupção e o desvio de valores da Igreja, afirmando que “Cristo já não tem lugar em Roma, já que seu corpo está sendo vendido e todos os caminhos que levam à virtude estão fechados”.

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+ A faculdade que precisa fazer para virar cardeal – ou até mesmo papa

As mensagens escondidas na Sistina

Essa Itália do Renascimento (século 14 a 16) é marcada por conflitos entre cidades-Estado, crises econômicas, alternância de poder, epidemias e lutas de classes. Roma, sob o poder dos papas, buscava afirmar-se como centro do mundo cristão, investindo fortunas em obras de arte e arquitetura financiadas por impostos, doações e a (controversa) venda de indulgências.

A opulência da Igreja, no entanto, contrastava com as críticas crescentes à sua corrupção e à exploração dos fiéis – poucos anos depois, a insatisfação desembocaria na Reforma Protestante de Martinho Lutero, em 1517.

+ Destrinchando: 500 anos da Reforma Protestante

No livro “Os Segredos da Capela Sistina”, os autores Roy Doliner e Benjamin Blech defendem que Michelangelo empregou alusões simbólicas misturando referências à Bíblia hebraica, ao Novo Testamento e até à tradição esotérica. Essas mensagens seriam seu apelo à reconciliação entre fé e razão, e uma crítica à decadência moral da Igreja. Conheça as principais. 

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1. O cérebro humano em “A criação de Adão”

(Wikimedia Commons/Canva/Reprodução)

A mensagem mais famosa é a semelhança entre um cérebro humano e o manto que envolve a figura de Deus em “A criação de Adão”. Michelangelo, fissurado em anatomia humana – e que dissecava cadáveres desde a juventude –, tinha conhecimento suficiente sobre o órgão para ilustrar como seria o seu formato em um corte sagital. Em 1990, o neuroanatomista Frank Meshberger publicou, no Journal of the American Medical Association, um estudo fazendo a comparação.

Michelangelo teria usado esse recurso para sugerir que Deus não apenas concede a vida, mas também a inteligência ao homem. O gesto de Deus, estendendo o dedo a Adão, pode ser interpretado como a transmissão do dom da razão, um tema muito presente no Renascimento.

+ “A criação de Adão”: entenda a obra de Michelangelo

2. A anatomia do pescoço de Deus em “A separação da luz das trevas”

Colagem com recorte do painel
(Universidade Johns Hopkins/Reprodução)
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Outra mensagem estaria no painel “A separação da luz das trevas”, onde Deus aparece com o pescoço inclinado para trás, de uma maneira bem específica. Estudos publicados por Ian Suk e Rafael Tamargo, da Universidade Johns Hopkins, em 2010, identificaram que as linhas e sombras do pescoço de Deus correspondem, novamente, à anatomia do cérebro humano – desta vez visto de baixo (base do crânio, medula e nervos ópticos).

Para efeitos de comparação, repare em outros pescoços expostos nas obras do artista. Bem diferente do de Deus, não?

Mostras de outros pescoços expostos nas obras do artista
(Neurosurgery (maio de 2010)/Reprodução)

+ 9 filmes sobre pintores famosos

3. O Autorretrato no “O juízo final”

Comparativo com pele mostrada em painel e autoretrato de Michelangelo
(Wikimedia Commons/Reprodução)
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Na parede do altar, o monumental afresco “O juízo final” traz uma das inserções mais pessoais e reconhecidas de Michelangelo: seu próprio autorretrato. O artista se retratou na pele esfolada de São Bartolomeu, que segura sua própria pele como atributo do martírio.

O rosto na pele flácida é, segundo alguns historiadores da arte, o próprio Michelangelo: uma possível expressão de angústia, humildade ou crítica à sua condição diante da Igreja.

+ Usava nome falso e foi acusado de assassinato: veja curiosidades sobre a vida do pintor Caravaggio

4. A presença das sibilas

Colagem com duas silibas presentes na Capela Sistina
(Wikimedia Commons/Reprodução)

Essa talvez seja uma das mensagens menos ocultas, mas uma das mais reveladoras sobre a linha de pensamento do artista. Entre os profetas bíblicos no teto, Michelangelo incluiu figuras de sibilas – famosas profetisas da Antiguidade pagã. Um gesto corajoso para a época, sugerindo que a revelação divina e a sabedoria não pertenciam exclusivamente ao cristianismo, mas podiam ser encontradas em outras culturas, inclusive pagãs.

As sibilas são retratadas com a mesma dignidade dos profetas, algumas até mesmo sentadas em tronos, reforçando uma visão universalista e humanista do artista.

+ Três formas de saber mais sobre Renascimento

Bônus: recado para o papa?

Colagem com recorte do profeta e do anjo, supostamente, fazendo figa, ao lado de retrato do Papa Júlio II e aproximação no gesto do querubim
(Wikimedia Commons/Reprodução)

Além dessas mensagens que já foram abordadas em artigos ou estudos da área, há ainda os “achismos” amadores. São associações em que não há consenso e nem indícios de veracidade – mas que conta com adeptos fiéis. Uma delas é a suposta provocação de Michelangelo ao Papa Júlio II, seu grande rival e patrono. Acima da porta principal por onde o papa costumava entrar na capela, o artista pintou o profeta Zacarias acompanhado de dois anjos.

O rosto de Zacarias teria traços que lembram o próprio Júlio II. Mas o detalhe que chama atenção – e faz sucesso na internet – está na mão do anjo mais próximo de Zacarias. Ele faz um gesto conhecido como figa, em que o polegar fica entre o indicador e o dedo médio, simbolizando desprezo ou insulto, equivalente ao gesto do “dedo do meio” em outras culturas. Na Roma renascentista, esse sinal era considerado obsceno e grosseiro.

Embora não haja consenso entre historiadores, há quem interprete o gesto como uma provocação sutil ao papa, resultado das desavenças e frustrações do artista durante as encomendas do líder religioso.

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