Sede do Conclave, Capela Sistina tem críticas à Igreja escondidas por Michelangelo
Michelangelo deixou mensagens escondidas nos afrescos que servem de cenário para a escolha do novo papa

Nesta quarta-feira, 7 de maio de 2025, os olhos do mundo se voltam para a Capela Sistina, no Vaticano. É lá que cardeais se reúnem em conclave para eleger o novo líder da Igreja Católica, após o falecimento do Papa Francisco no último dia 21. Mas além de cenário das decisões mais solenes da Igreja, a capela guarda, em seus afrescos, críticas ocultas deixadas por um dos maiores artistas da humanidade.
Michelangelo Buonarroti (1475-1564), o gênio renascentista que a pintou entre 1508 e 1512, não era apenas um artista a serviço do poder: era também um homem em conflito, cuja relação com a Igreja e seus papas foi marcada por tensões, desconfiança e, sobretudo, genialidade.
A grandiosidade da Capela Sistina, com seu teto repleto de cenas bíblicas e figuras humanas em destaque, é celebrada como uma das maiores obras da história da arte. No entanto, por trás das imagens de Adão, Deus e profetas, historiadores apontam que Michelangelo teria escondido críticas à Igreja na própria obra que é considerada ícone do cristianismo. Ele teria utilizado códigos, símbolos e até mesmo tons específicos – como dourado e vermelho, cores de Roma – para expressar sua frustração com a cúria.
Algumas figuras exibem gestos, olhares ou posturas que sugeririam dúvida, cansaço ou desilusão, em contraste com a glória esperada pelo discurso oficial.
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A verdade é que quando recebeu o convite do Papa Júlio II para pintar o teto da capela, Michelangelo não comemorou. Pelo contrário, ficou reticente. Para ele, a pintura era uma arte inferior: sua verdadeira paixão era a escultura. Em um trecho de seu diário, o artista parece até usar do humor para descrever o início da sua tarefa:
“Hoje, 10 de maio de 1508, eu, Michelangelo, escultor, recebi de Sua Santidade Nosso Senhor, o Papa Júlio II, quinhentos ducados de câmara papal… por conta da pintura da abóbada da capela do Papa Sisto, para a qual comecei a trabalhar hoje, sob as condições e acordos que aparecem em um documento escrito pelo Reverendíssimo Monsenhor de Pavia e de minha própria mão.”
Dá para sentir daqui a ironia de “eu, Michelangelo, escultor”, não dá?
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Relação conturbada com a Igreja Católica
A relação de Michelangelo com o Papa Júlio II, conhecido como o Papa Guerreiro, era tudo, menos harmoniosa. O artista já havia sido chamado a Roma para criar o túmulo monumental do papa, projeto que acabou frustrado por intrigas e falta de pagamento. O convite para decorar a Sistina, segundo relatos, foi visto inicialmente por Michelangelo como uma armadilha de rivais que torciam pelo seu fracasso.
Ele aceitou a tarefa a contragosto, mas impôs exigências: recusou ajuda de outros artistas, preferindo trabalhar praticamente sozinho, do desenho à execução dos afrescos. A tensão com o Papa Júlio II era tamanha que, em certos momentos, o artista tratava o líder como igual, desafiando sua autoridade e exigindo respeito por sua genialidade.
Em seus poemas privados, o escultor chegou a lamentar a corrupção e o desvio de valores da Igreja, afirmando que “Cristo já não tem lugar em Roma, já que seu corpo está sendo vendido e todos os caminhos que levam à virtude estão fechados”.
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As mensagens escondidas na Sistina
Essa Itália do Renascimento (século 14 a 16) é marcada por conflitos entre cidades-Estado, crises econômicas, alternância de poder, epidemias e lutas de classes. Roma, sob o poder dos papas, buscava afirmar-se como centro do mundo cristão, investindo fortunas em obras de arte e arquitetura financiadas por impostos, doações e a (controversa) venda de indulgências.
A opulência da Igreja, no entanto, contrastava com as críticas crescentes à sua corrupção e à exploração dos fiéis – poucos anos depois, a insatisfação desembocaria na Reforma Protestante de Martinho Lutero, em 1517.
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No livro “Os Segredos da Capela Sistina”, os autores Roy Doliner e Benjamin Blech defendem que Michelangelo empregou alusões simbólicas misturando referências à Bíblia hebraica, ao Novo Testamento e até à tradição esotérica. Essas mensagens seriam seu apelo à reconciliação entre fé e razão, e uma crítica à decadência moral da Igreja. Conheça as principais.
1. O cérebro humano em “A criação de Adão”

A mensagem mais famosa é a semelhança entre um cérebro humano e o manto que envolve a figura de Deus em “A criação de Adão”. Michelangelo, fissurado em anatomia humana – e que dissecava cadáveres desde a juventude –, tinha conhecimento suficiente sobre o órgão para ilustrar como seria o seu formato em um corte sagital. Em 1990, o neuroanatomista Frank Meshberger publicou, no Journal of the American Medical Association, um estudo fazendo a comparação.
Michelangelo teria usado esse recurso para sugerir que Deus não apenas concede a vida, mas também a inteligência ao homem. O gesto de Deus, estendendo o dedo a Adão, pode ser interpretado como a transmissão do dom da razão, um tema muito presente no Renascimento.
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2. A anatomia do pescoço de Deus em “A separação da luz das trevas”

Outra mensagem estaria no painel “A separação da luz das trevas”, onde Deus aparece com o pescoço inclinado para trás, de uma maneira bem específica. Estudos publicados por Ian Suk e Rafael Tamargo, da Universidade Johns Hopkins, em 2010, identificaram que as linhas e sombras do pescoço de Deus correspondem, novamente, à anatomia do cérebro humano – desta vez visto de baixo (base do crânio, medula e nervos ópticos).
Para efeitos de comparação, repare em outros pescoços expostos nas obras do artista. Bem diferente do de Deus, não?

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3. O Autorretrato no “O juízo final”

Na parede do altar, o monumental afresco “O juízo final” traz uma das inserções mais pessoais e reconhecidas de Michelangelo: seu próprio autorretrato. O artista se retratou na pele esfolada de São Bartolomeu, que segura sua própria pele como atributo do martírio.
O rosto na pele flácida é, segundo alguns historiadores da arte, o próprio Michelangelo: uma possível expressão de angústia, humildade ou crítica à sua condição diante da Igreja.
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4. A presença das sibilas

Essa talvez seja uma das mensagens menos ocultas, mas uma das mais reveladoras sobre a linha de pensamento do artista. Entre os profetas bíblicos no teto, Michelangelo incluiu figuras de sibilas – famosas profetisas da Antiguidade pagã. Um gesto corajoso para a época, sugerindo que a revelação divina e a sabedoria não pertenciam exclusivamente ao cristianismo, mas podiam ser encontradas em outras culturas, inclusive pagãs.
As sibilas são retratadas com a mesma dignidade dos profetas, algumas até mesmo sentadas em tronos, reforçando uma visão universalista e humanista do artista.
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Bônus: recado para o papa?

Além dessas mensagens que já foram abordadas em artigos ou estudos da área, há ainda os “achismos” amadores. São associações em que não há consenso e nem indícios de veracidade – mas que conta com adeptos fiéis. Uma delas é a suposta provocação de Michelangelo ao Papa Júlio II, seu grande rival e patrono. Acima da porta principal por onde o papa costumava entrar na capela, o artista pintou o profeta Zacarias acompanhado de dois anjos.
O rosto de Zacarias teria traços que lembram o próprio Júlio II. Mas o detalhe que chama atenção – e faz sucesso na internet – está na mão do anjo mais próximo de Zacarias. Ele faz um gesto conhecido como figa, em que o polegar fica entre o indicador e o dedo médio, simbolizando desprezo ou insulto, equivalente ao gesto do “dedo do meio” em outras culturas. Na Roma renascentista, esse sinal era considerado obsceno e grosseiro.
Embora não haja consenso entre historiadores, há quem interprete o gesto como uma provocação sutil ao papa, resultado das desavenças e frustrações do artista durante as encomendas do líder religioso.
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