Publicado pela primeira vez em 1940, “Sentimento do mundo” é a terceira obra de Drummond e reúne 28 poemas. Neste livro, o poeta abraça de vez a poesia de cunho social, refletindo o momento de instabilidade e inquietação dos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Porém, a temática do eu (a terra natal, o indivíduo, a família etc.), muito presente nos seus livros anteriores, ainda aparece com destaque em Sentimento do Mundo.
– Leia a análise da obra “Sentimento do Mundo”
Os poemas deste livro foram escritos entre 1935 e 1940, época em que o mundo tentava se recuperar da Primeira Guerra Mundial e enfrentava a ascensão de regimes totalitários: a Alemanha de Hitler, Franco na Espanha, Mussolini na Itália e o Estado Novo de Getúlio Vargas no Brasil. E, dentro deste contexto histórico-social, o poeta individualista de Alguma Poesia e Brejo das Almas revê seu fazer poético e toma consciência do mundo, voltando-se para a experiência coletiva.
Porém, mesmo o poeta estando mais preocupado em escrever poesia social, a temática do eu continua ocupando lugar de destaque em Sentimento do Mundo, mas dessa vez com uma pitada de ironia e com um sentido mais universal. Assim, o eu não aparece mais como um indivíduo isolado, mas sim como alguém presente e conectado ao mundo. Aqui, o eu volta-se para assuntos mais universais e este seria o sentimento novo da poesia drummondiana a partir de então.
Na vanguarda do movimento modernista (que já demonstrava sinais de esgotamento em 1940), Drummond renova sua temática existencial, buscando novos caminhos para temas como o amor, a morte e o tempo. Ainda bebendo da fonte modernista, os poemas de Sentimento do Mundo não possuem rima e seus versos têm as mais diversificadas métricas, tendo até um poema em prosa (“O Operário no Mar”).
Apesar de em “Sentimento do Mundo” Drummond ter tomado consciência do indivíduo num mundo que precisa ser salvo, ele reconhece também o fatal distanciamento entre os homens. Através da utilização constante do vocativo, como se chamasse o povo para uma união coletiva, dá-se vazão à ânsia do eu-poético de reunir os homens.
Essa vontade de união entre os homens contrasta com a pessimista e sombria visão de mundo do autor. Embora o eu-lírico seja completamente descrente do presente e não acredita em dias melhores, no fundo há uma utópica esperança permeando todos os poemas do livro. Através do uso constante do vocativo e da terceira pessoa do plural, pode-se concluir que esta esperança de dias melhores nasce do ser coletivo, do “nós”. Somente com a união entre os homens é que se pode escapar desse presente sombrio e tenebroso.
O espaço interior aparece como símbolo de proteção, sendo intimamente associada a um privilégio de classe. Como exemplo, temos os moradores do “terraço mediocramente confortável” de “Privilégio do Mar”, a princesa que mora numa “casa feita de cadáveres” (ou seja, em ruínas) em “Madrigal Lúgubre” e até mesmo o eu-lírico de “Mundo Grande”. Nesses momentos é que a posição de nosso eu lírico torna-se crítica, pois será exatamente essa atitude alienada do burguês, que busca refúgio em um espaço fechado, que Drummond denunciará nesses e em outros poemas de Sentimento do Mundo.
Sobre Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902. Por insistência da família, formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Junto com outros escritores mineiros, fundou “A Revista”, importante publicação modernista mineira. Após ingressar no serviço público, mudou-se em 1934 para o Rio de Janeiro, onde viveu até morrer em 17 de agosto de 1987.
A partir dos anos de 1950, passou a dedicar-se cada vez mais à produção literária. Apesar de sua maior obra ser poética, publicou também contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Portador de uma ironia ímpar e um amargor característico, Drummond produziu uma obra que problematiza questões sociais, existencialistas, amorosas e da própria poesia. Suas poesias de cunho social fortemente marcada por uma influência de esquerda são consideradas sua obra-prima.
Entre suas principais obras poéticas estão os livros “Alguma Poesia” (1930), “Sentimento do Mundo” (1940), “A Rosa do Povo” (1945), “Claro Enigma” (1951), “Poemas” (1959), “Lição de Coisas” (1962), “Boitempo” (1968), “Corpo” (1984), além do póstumo “Farewell” (1996).