Grande número de vagas abertas, salários competitivos e oportunidades de ascensão profissional. Tudo isso associado a uma relativa estabilidade, já que o setor se mantém aquecido mesmo na crise.
Muita gente nem imagina, mas o cenário acima descreve o mercado de trabalho na área de games no Brasil.
De acordo com dados da PwC, já somos o 2º maior mercado de jogos eletrônicos da América Latina — perdemos apenas para o México, que devemos ultrapassar em 2020. Segundo a mesma fonte, consumidores e anunciantes gastarão 0,8 bilhão de dólares com games no Brasil nos próximos três anos. É dinheiro suficiente para consolidar o setor como um dos pilares mais promissores da indústria do entretenimento no país.
No resto do mundo não é diferente. O mercado consumidor de jogos eletrônicos já movimenta mais dinheiro do que Hollywood, e estima-se que haja 1,2 bilhão de “gamers” em todo o planeta.
Segundo André de Abreu, gerente de comunicação para a América Latina da Blizzard, editora e produtora responsável por jogos como “World of Warcraft”, os números impressionantes da indústria são desconhecidos pela maior parte das pessoas, o que gera dificuldade para atrair mão de obra qualificada.
“A reascensão do mercado é muito recente, não chega a ter 10 anos no Brasil”, explica ele. “O resultado é que muitos profissionais nem imaginam que podem trabalhar com isso, e não sabem que os salários, benefícios e oportunidades de carreira em games são tão atraentes quanto os oferecidos por ‘empresas dos sonhos’ como Facebook ou Google”.
A maior dificuldade, segundo Abreu, está em recrutar pessoas para atuar no pilar corporativo. Há muita gente interessada no desenvolvimento dos jogos, isto é, na atuação enquanto designers e programadores, mas poucos buscam ativamente posições em departamentos como marketing, RH, finanças ou operações. É preciso “caçar” esses talentos.
A mesma situação é relatada por Roberto Iervolino, gerente geral da Riot Games, empresa por trás de sucessos como o jogo “League of Legends”. Os profissionais mais procurados são aqueles que já têm uma posição sênior no mercado. “É um desafio identificar candidatos com mais de 35 anos que têm gosto por games, porque dificilmente a pessoa vai colocar essa informação no LinkedIn, por exemplo”, explica ele.
Aliás, ser apaixonado por “e-sports” ou “esportes eletrônicos” é uma exigência para trabalhar na Riot Games. Segundo Iervolino, o funcionário da empresa não pode simplesmente ser adepto de jogos “casuais” para smartphone — é importante que aprecie games mais densos e complexos, que podem demorar anos para serem concluídos.
Na Blizzard, ter interesse e respeito pelo mundo dos games também é requisito, mas não é obrigatório ser um jogador assíduo. “Não cobramos horas de games”, explica. “Você precisa gostar do tema, mas o mais importante é que seja um grande profissional do seu setor, tenha ‘olhar de dono’ para o negócio e seja fluente em inglês”.
Ofertas e contrapartidas
Um levantamento da consultoria de recrutamento Page Personnel indica alta consistente na procura por profissionais no setor de games. Entre 2015 e 2016, o número de vagas abertas na área saltou 61%. “A monetização do setor evoluiu muito nos últimos 5 anos”, explica Ricardo Haag, diretor da empresa responsável pelo estudo. “Hoje há plataformas online interativas que geram muita receita por meio de compras dentro do jogo”.
Como resultado, as empresas de games investem em profissionalização — e o principal método para “roubar” os melhores talentos de mercados mais tradicionais é a oferta de salários e benefícios competitivos.
A relativa estabilidade também é um atrativo. Segundo Iervolino, da Riot Games, a crise econômica enfrentada pelo Brasil não chegou a abalar os ganhos financeiros das empresas de jogos eletrônicos — embora elas pudessem ter crescido bem mais nos últimos anos se a conjuntura brasileira fosse favorável, é claro.
“Os games continuam sendo consumidos durante a recessão, tanto porque são mais baratos do que outras formas de entretenimento quanto porque trazem alívio para a tensão e o estresse trazidos pela crise”, explica Abreu, da Blizzard. A consequência é que a indústria vive menos altos e baixos do que outras, comparativamente — e essa solidez se traduz em mais segurança para funcionários em termos incertos.
Em contrapartida, diz Haag, o candidato precisa ser resiliente e alinhado a uma cultura similar à do Vale do Silício: é preciso apreciar um ambiente informal, porém bastante exigente. Como o setor costuma ser extremamente competitivo, comprometimento e alta performance são fundamentais para se dar bem.
Quem tem interesse de ingressar no mercado precisa ter um excelente currículo e, a depender da vaga, um portfólio consistente. “Se você é um legítimo gamer, ou seja, é fã dos personagens e da cultura desse universo, vale a pena destacar suas preferências e experiências com jogos, eventos e até atividades recreativas no currículo”, orienta Haag.
Cargos mais procurados em 2017
A Page Personnel listou 6 posições muito demandadas na indústria de games em diferentes áreas de atuação, com dados como remuneração, atribuições e principais requisitos. Os salários podem chegar a 18 mil reais. Confira a seguir:
1. Supervisor de produtos (Product Owner)
O que faz: É responsável pela análise de mercado com foco na criação e aperfeiçoamento de games. Coordena equipes multidisciplinares, que incluem designers e desenvolvedores, e faz a ponte entre as áreas de produto e marketing.
Por que está em alta: O aumento na oferta de vagas reflete a expansão do mercado consumidor de games, o que exige pessoas capazes de promover inovação e garantir a competitividade dos produtos.
Requisitos: É preciso ter experiência com análise e pesquisa de mercado (benchmark), posicionamento estratégico de jogos, elaboração de objetivos e gestão de pessoas. É preciso ter formação em TI ou marketing.
Salário médio: de 12 mil a 18 mil reais
2. Desenvolvedor mobile
O que faz: Trabalha diretamente com a criação de jogos, em parceria com a equipe de desenvolvimento “back-end”, que é responsável pelo painel administrativo do produto. Seu objetivo é criar o melhor formato possível para o game em dispositivos móveis.
Por que está em alta: Smartphones e tablets são os principais meios de comunicação com o público em geral, e servem como suporte para games em massa. Nos últimos 4 anos, a demanda por competências direcionadas a mobile explodiu.
Requisitos: É preciso ter experiência prévia na programação em unity, linguagens mobile e plataformas como iOS (Apple) e Android (Google). A formação acadêmica mais comum é em TI (Tecnologia da Informação) ou cursos afins.
Salário médio: de 10 mil a 15 mil reais
3. Desenvolvedor web
O que faz: Trabalha com designers e engenheiros de software para criar jogos com mecanismos online e desenvolver novos conceitos para produtos já existentes.
Por que está em alta: Tanto em plataformas móveis quanto em fixas, o uso de mecanismos via web é constante nos games atuais. O desenvolvimento e manutenção dessa tecnologia exige profissionais capacitados.
Requisitos: Além de formação em ciências da computação ou áreas correlatas, é preciso ter experiência com temas de programação de web tais como SOAP (Protocolo Simples de Acesso a Objetos) e REST (Transparência de Estado Representacional), além de linguagens como Java Script, jQuery e Front-End. Conhecimento em UX (User Experience) é um diferencial.
Salário médio: de 8 mil a 15 mil reais
4. Gerente de marcas esportivas (Sports Brand Manager)
O que faz: Define estratégias de marketing para atrair jogadores, avalia o crescimento do mercado, estabelece e acompanha indicadores de performance (KPIs) de jogos esportivos.
Por que está em alta: Os games esportivos estão em expansão, o que demanda profissionais especializados no seu aperfeiçoamento e promoção.
Requisitos: É preciso ter raciocínio analítico, boa comunicação, facilidade para relacionamentos interpessoais e inglês fluente. A formação costuma ser em marketing, mas o perfil pessoal é mais importante do que o diploma.
Salário médio: R$ 6 mil a R$ 12 mil
5. Designer web/gráfico
O que faz: É responsável pela identidade visual dos games. Também trabalha para otimizar a experiência dos jogadores com a criação de um layout limpo e agradável.
Por que está em alta: A procura por profissionais da área está ligada ao crescimento do mercado de games jogados na internet.
Requisitos: Além de formação em design gráfico ou web design, o candidato precisa demonstrar alta capacidade artística combinada com habilidades de trabalho em equipe, organização e bons conhecimentos sobre a cultura de jogos digitais.
Salário médio: R$ 4 mil a R$ 8 mil
6. Instrutor de games
O que faz: Ministra aulas sobre games específicos com o objetivo de transformar os alunos em jogadores de alta performance. São esses “atletas digitais” que vencem prêmios e são referência para outros jogadores menos experientes.
Por que está em alta: A competitividade no mundo dos games aumentou muito nos últimos anos. Com isso, grandes marcas da indústria começaram a organizar campeonatos de games com prêmios milionários. O instrutor de games é uma figura chave para melhorar o nível dos jogadores e alimentar a disputa por excelência nos “e-sports”.
Requisitos: O candidato precisa ter conhecimento técnico dos jogos, ser reconhecido como um ótimo jogador, além de apresentar boa comunicação e didática. É exigido diploma de nível superior em qualquer área.
Salário médio: de 2 mil a 4 mil reais
Reportagem publicada originalmente no site de Exame.com.