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Unicamp: leia exemplos de redações que tiraram nota máxima (ou quase)

Veja candidatos que se destacaram na última edição, quando as propostas abordaram o trabalho análogo à escravidão e os refugiados

Por Redação
Atualizado em 2 dez 2024, 08h13 - Publicado em 29 nov 2024, 15h00
Mão de uma jovem mulher sentada escrevendo de caneta em sua prova de redação do vestibular. Ela está em uma sala de aula de aplicação da prova
 (Antonio Scarpinetti/Unicamp/Reprodução)
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Já pensou produzir uma redação para o vestibular, seu texto ser considerado exemplar pela banca e ainda ir parar em um livro de destaques? É justamente isso que acontece com alguns candidatos que prestam a Unicamp. Atingindo ou não a nota máxima, essas redações seguiram o estilo proposto e apresentaram um conteúdo coerente, além de deixarem claro o repertório dos estudantes.

Entramos em contato com algum destes candidatos exemplares da última edição e disponibilizamos abaixo seus textos. Confira!

A redação da Unicamp 2024

Seguindo o padrão de anos anteriores, a Unicamp 2024 forneceu duas propostas. A primeira tinha como tema o trabalho análogo à escravidão e deveria ser escrita no gênero de carta denúncia. Já a segunda tratava da situação enfrentada por refugiados  e demandava um discurso.

Uma boa forma de se preparar para gêneros tão diversos é praticar com provas anteriores. Embora os estilos dificilmente se repitam, essa é uma boa estratégia para treinar o olhar e se adaptar às propostas. Inspire-se abaixo com quem se saiu bem na missão!

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Beatriz Zanardo Brandolise

Uma das redações consideradas exemplares pela própria Unicamp foi a da Beatriz Zanardo Brandolise, de Tietê (SP), aprovada em Ciências Econômicas, que optou pela carta denúncia.

Vale destacar que a candidata não fez uso de um repertório erudito em seu texto, mas uma referência a um clássico da cultura popular: o Sítio do Picapau Amarelo. Veja o texto completo abaixo:

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Venho, por meio desta carta, denunciar ao Ministério Público do Trabalho um caso de trabalho análogo à escravidão.

Na casa de minha colega conheci Dona Benedita, a qual fazia todos os serviços da casa. Até flagrei a mãe da minha colega dando uma bronca na “Dita” porque o arroz passou do ponto.

Perguntei à colega quem era aquela criatura infeliz, ao que ela respondeu: “E a nossa doméstica, é como se ela fosse da família, sabe?!”.
Aquela resposta me angustiou e revoltou. Isto porque era recheada de um afeto que tenta ocultar a perversidade e esclarecia tudo. A trabalhadora é “nossa”, revelando um sentimento de posse que permanece na elite brasileira mais de 100 anos após a Lei Áurea. Contudo, ela é como se fosse da família, mostrando que a exploração do trabalho doméstico é eufemizada. São várias as telenovelas que mostram a doméstica fiel e carinhosa, que nada faz além de servir. Talvez a personagem mais emblemática nessa condição seja Tia Nastácia do Sítio do Picapau Amarelo, mulher preta que oscila entre ser quase-vo e quase-escrava.

Além disso, é importante ressaltar as consequências dessa situação. Se não há tempo para descanso, o empregado está mais suscetível a danos à saúde. Porém, por outro lado, sobra tempo para os patrões investirem em atividades mais lucrativas.

Logo, consolida-se o antagonismo de classe. Também, dificilmente há carteira assinada. Em que condições essa empregada – que não sabe se é doméstica ou domesticada – vai conseguir a aposentadoria pelo INSS? Muitas vezes, a única opção é trabalhar até morrer, como nos tempos da senzala.

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Por fim, espero que minha denúncia seja efetiva e resgate não apenas Dona Benedita, mas também contribua para a promoção da dignidade de todos os trabalhadores e trabalhadoras domésticos. Categoria que é historicamente oprimida e explorada e, mesmo com a PEC das domésticas a qual regularizou a profissão, continua tendo seus direitos sistematicamente violados.

Mariana Genuíno Torres

Outra redação considerada exemplar pela banca foi a da Mariana Genuíno Torres, de Brasília, aprovada em Medicina, que também optou pela carta denúncia.

Aqui, vale notar que a candidata soube explorar bem a coletânea, não apenas copiando informações, mas atrelando dados fornecidos nos textos de apoio para embasar seu raciocínio e dar mais credibilidade ao tema defendido.

Ao Excelentíssimo Senhor Ministro do Trabalho, Venho por meio desta denunciar uma situação ilegal que presenciei ao visitar a casa de meu colega de classe. Senhor Ministro, sou vestibulanda e cidadã ativa dos direitos humanos e o que presenciei é, simplesmente, tenebroso.

Deparei com uma funcionária que morava nessa casa e era considerada parte da família, mas que não era livre para morar em sua própria residência, nem tinha carteira de trabalho assinada, era cerceada em seu direito de ir e vir, de férias remuneradas e ainda era paga com um baixo salário e maus-tratos verbais. E de se esperar que essa situação seja do século XV, mas é de 2023.

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A vista disso, venho ressaltar que, apesar de a abolição ter ocorrido em 1888, o século XXI carrega traços dessa mazela dentro de muitas casas brasileiras, mascarada pelo serviço doméstico. Uma prova disso é que, em 2023, 1.443 pessoas em condições análogas à escravidão foram resgatadas pelo Ministério do Trabalho e do Emprego. Esse serviço e uma herança passada entre gerações desde o Período Colonial e ainda permeia os costumes da Casa-Grande e Senzala, nos quais a classe privilegiada vive bem na Casa-Grande e os escravizados e trabalhadores sofrem na senzala. Assim, há a herança dos papéis servis para os empregados domésticos que sofrem maus-tratos e têm seus direitos trabalhistas negados.

Ademais, Senhor Ministro, é preciso evidenciar que alguns desses abusos sofridos pela classe das domésticas é mascarado por “truques práticos” adotados pelas donas de casa para que o funcionário não perceba a violência. Dessa forma, chamar o empregado como “parte da família” é uma forma de opressão que impede o trabalhador de lutar pelos seus direitos, como a carteira assinada, pois o impede de ir contra “sua família” . Isso foi comprovado por dados recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostraram queda no número de carteiras assinadas de trabalhadores domésticos em 2023.

Logo, deve-se fazer cumprir os direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos para que toda a sociedade possa viver em harmonia. Por isso, peço resgate dessa empregada doméstica, pois ela, assim como todos, merece ter seus direitos e liberdades garantidos pelo Estado. Para mais informações sobre os dados dessa mulher, peço que entre em contato.

Respeitosamente.

Marcelo Rigo dos Santos

O texto de Marcelo Rigo dos Santos, de Vila Velha (ES), também foi considerado exemplar. Aluno de escola pública, Marcelo optou pela segunda proposta, o discurso acerca dos refugiados.

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Veja também as dicas do estudante, que acabou aprovado em Medicina na USP, Unicamp e UFMG.

A delegação brasileira compreende ser fundamental responder ao lamentável discurso proferido pelo delegado húngaro. As defender uma política de rejeição aos refugiados, suas palavras foram de encontro ao que deve ser defendido nesse plenário. Como sabemos, a definição da ACNUR explicita que os refugiados são pessoas em situação de extrema vulnerabilidade devido a diversas razões, como perseguição étnica e guerra. Conceder-lhes asilo é, sobretudo, um dever humanitário que deve estar acima de ideologias – ainda mais daquelas que tentam camuflar o preconceito e xenofobia. 

Esse discurso se fundamenta na percepção, amplamente difundida pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, de que os refugiados são uma ameaça cultural aos europeus. Além disso, Orbán também afirma não querer que o povo húngaro, nas suas palavras, se torne “mestiço”, associando a identidade coletivo à pureza racial – que é tão abjeta quanto é abominável. Apesar de parecer valorizar sua comunidade, essas afirmações, para além de seu caráter preconceituoso, são um modo de inflar, nas massas, um nacionalismo que enxergue no refugiado um inimigo a ser combatido, e não um ser humano a ser acolhido. 

É importante ressaltar que ninguém arriscaria sua vida em uma travessia pelo Mar Mediterrâneo, por exemplo, se não estivesse absolutamente desesperado. Quem morre no barco dos imigrantes que afunda não é um número, mas um lembrete de que os países estão fracassando na tarefa de oferecer ajuda humanitária. A comoção gerada pela notícia de imigrantes afogados não é suficiente – é crucial acolher, visando evitar novas tragédias como essas. 

À vista disso, reitero a posição assumida pelo Brasil de receber refugiados. A Constituição brasileira prevê a concessão de asilo político como um direito, pressupondo que isso é essencial às relações internacionais. Ademais, em consonância com a Carta Magna, pesquisas sugerem que a população brasileira possui, em relação à média global, maiores índices de preocupação com essa causa. Isso reforça que nossa posição é reflexo do sentimento comunitário, servindo de exemplo para as nações. 

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É claro que o acolhimento implica gastos públicos para a adaptação dos que chegam. Porém, no longo prazo, as custas se transformam em investimento, já que a inserção dos refugiados, na sociedade e no mercado de trabalho, caso seja bem realizada, retorna, por meio de impostos e contribuições na economia, para o Estado o que teve de ser custeado. Em um mundo onde cada vez mais se fala em muros, é função dos países abrir as portas da solidariedade e da empatia. 

Gabriela Fernandes Lima

Aprovada em Ciências do Esporte, a estudante de Jaguariúna (SP) optou pela carta-denúncia e fez uso da coletânea para desenvolver sua narrativa.

Carta-denúncia ao Ministério Público do Trabalho

Redijo este documento com o intuito de denunciar a situação de uma empregada doméstica em condições de trabalho análogo à escravidão às autoridades públicas. A trabalhadora está sendo mantida desde seus 18 anos na casa de seus patrões, o casal Henrique e Jennifer Ebberheart, nos limites de Búzios, Rio de Janeiro.

Tive conhecimento da conjuntura degradante de exploração de Lúcia Gimenes da Silva, de 39 anos, trabalhadora doméstica negra, após visitar uma colega de classe durante o fim de semana – para fins acadêmicos -, em sua casa, residência na qual Lúcia mora e trabalha. Considerada “parte da família” pelos residentes – em uma clara explicitação de violências simbólicas amaciadas sendo acobertadas por relações afetivas falsas -, a trabaIhadora sobrevive diariamente há décadas em meio a diversas violações da lei por parte de seus patrões – cuja família é pertencente a um núcleo branco de classe média-alta carioca.

Durante a minha breve presença na residência dos Ebberheart, testemunhei ao adentrar a “área de serviço” da casa, enquanto procurava por um banheiro, a patroa Jennifer da Costa Ebberheart ameaçando retirar integralmente o salário da empregada e, acima de tudo, proferindo xingamentos racistas e outras falas desumanizantes contra Lúcia. Frente a tais crimes, imediatamente saí da residência e busquei por meios legais para denunciar a conjuntura e a família Ebberheart, evidentemente criminosa, aos órgãos públicos.

Exigi respostas à minha colega sobre Lúcia e, em face de mais exemplos de explorações – como o miserável “salário” de 500 reais mensais recebido pela empregada, mantida trabalhando o dia e a noite, impedida de visitar sua família e restrita a morar em um cubículo sujo nos fundos da casa -, demando que as autoridades libertem a trabalhadora das referidas condições, tão espantosamente similares ao cotidiano da sociedade oitocentista escravocrata brasileira. Lúcia, um ser humano, está, neste exato momento, tendo sua humanidade negada, submetida às vontades de seus patrões, em um perfeito retrato da realidade violenta do Brasil em relação às empregadas domésticas, com seus direitos humanos e trabalhistas violados diariamente.

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