Os relatos de estudantes que optaram por uma outra carreira depois de anos tentando a aprovação em Medicina são bem comuns – há os que decidem seguir em cursos correlatos na Saúde ou que se arrisquem em áreas completamente diferentes. Quem começa a ouvir a história de Bruna Mendes, 35 anos, pode até pensar que ela é um destes casos, mas a Farmácia, sua primeira carreira, nunca foi uma segunda opção ou um plano B – e muito menos encarada como uma profissão inferior.
Ela conta que quando estava prestes a finalizar o Ensino Médio, sua mãe tentou a todo custo convencê-la a estudar Medicina. “Só que ela usou o argumento errado. Falava que era porque o farmacêutico não tem prestígio, e o médico tem”, relembrou em entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE. Sua resposta imediata era que ninguém deveria escolher uma carreira por essa razão. “A gente tem que ser bom em qualquer coisa que fizer”, defendia.
Hoje, depois de atuar por mais de uma década como farmacêutica, Bruna não mudou de opinião. Orgulha-se da carreira que construiu na área, trabalhando em multinacionais e aprofundando-se em conteúdos que já eram seus preferidos desde a época da escola, como Biologia e Química. Viajou o mundo e alcançou cargos importantes. Mas foi ainda durante a graduação em Farmácia que se deu conta de que aquela profissão talvez não suprisse uma das suas maiores vontades: trabalhar com gente e ter uma relação mais próxima com os pacientes.
Por mais de dez anos, sonhou com a Medicina e se planejou para uma transição de carreira. Traçou um plano que envolvia guardar dinheiro, comprar uma apartamento e depois revendê-lo. Criaria então uma reserva financeira para se sustentar enquanto estudava para ser Médica – afinal, é um curso que exige dedicação integral e ela teria que parar de trabalhar como farmacêutica. Mas, quando pegou as chaves do apartamento nas mãos, “a vida aconteceu”.
Mãe vestibulanda
O apartamento que financiaria sua graduação em Medicina, de repente, tornou-se o lar em que Bruna foi viver com o marido e o filho que estava a caminho. A farmacêutica conta que conheceu o marido, logo se casou e, no final de 2018, descobriu a gravidez. A essa altura, o sonho de se tornar médica já estava um pouco de escanteio. Mas foi o próprio parceiro – que por coincidência também estudou Farmácia e hoje é médico – quem incentivou que ela retomasse a ideia.
Com o apoio emocional e financeiro dele, que assumiu as contas da casa, Bruna decidiu: “vou voltar para o cursinho”.
Mesmo sabendo que as chances de aprovação naquele ano seriam menores, com a gestação e os 15 anos longe das salas de aula, frequentou durante todo o ano as aulas de um cursinho pré-vestibular de Jundiaí, cidade em que vive no interior de São Paulo. Os colegas de classe, adolescentes que mal haviam deixado o Ensino Médio, ajudavam a carregar os livros e os materiais quando os nove meses já se aproximavam. “Eu fui pra aula até acho que duas semanas antes do parto”, relembra.
Fez uma pausa na rotina de vestibulanda com o nascimento do filho, mas logo retornou para as salas de aula. No início de 2021, postou em um grupo no Facebook que reunia milhares de alunos que, como ela, tentavam uma vaga na Universidade de São Paulo: “Galera!! Por favor me ajudem!! Vcs acham que da pra passar em medicina numa pública fazendo Etapa [cursinho pré-vestibular] só na parte da tarde? Consegui uma boa bolsa, tenho um bebe de 1 ano e estudar à tarde seria o melhor pra rotina da casa… mas não sei se é suficiente! O que vcs acham?”. Choveram comentários de apoio e incentivo.
Ao longo de 2021, Bruna viveu uma rotina intensa de estudos, mas longe do ritmo de seus colegas que se dedicavam unicamente aos vestibulares. Cuidava do filho pela manhã e só ia para o cursinho à tarde, quando o deixava na creche. À noite, fazia mais um “turno” como mãe e voltava a estudar quando todos estavam dormindo. Para completar, o bebê precisou de acompanhamento médico nos primeiros anos de vida. O jeito era levar os livros e apostilas para estudar na sala de espera dos consultórios e hospitais.
No final daquele mesmo ano, Bruna voltou ao grupo do Facebook para comemorar: havia sido aprovado na USP pelo Sisu. Também chegaram outras aprovações em grandes universidades, como Unesp e Unifesp. Mais de quinze anos depois de deixar o Ensino Médio, Bruna tornou-se estudante de Medicina.
As vantagens da experiência
Os caminhos que levaram Bruna até esse sonho podem ser não ter sido os mais convencionais – afinal, ela não fez anos de cursinho assim que terminou o Ensino Médio e nem entrou na graduação com seus 20 e poucos anos. Mas ela vê vantagens em ter feito a escolha mais tarde.
“Eu acho que quando a gente fica mais velho também fica um pouco mais confiante. A gente se conhece melhor e eu falo que auto-conhecimento é tudo”, conta Bruna, agora no segundo ano de Medicina na USP. A inevitável comparação que vestibulandos de Medicina enfrentam na preparação para as provas, por exemplo, é algo que a afetou bem menos nessa fase da vida.
“Você sabe que caminhos funcionam para você, que caminhos não funcionam”, reflete. E isso vale para tudo, até para as tarefas mais simples. Percebeu, entre outras descobertas, que não precisava anotar freneticamente todos os conteúdos da aula só porque outros estudantes faziam isso – aprendia muito melhor ouvindo do que escrevendo. “Você vê aquelas pessoas que têm várias canetas coloridas, que põe aquele monte de cor em cima da mesa. Eu acho lindo, mas só tive uma caneta azul e uma preta quando muito porque eu nem tenho paciência”, conta se divertindo. Para ela, o que funcionava mesmo era fazer – muitas – listas de exercícios.
Bruna também vê uma outra grande vantagem em ter feito uma graduação na área da Saúde antes de tentar a Medicina – e que serve de lição para pessoas com trajetórias parecidas. Por ter trabalhado anos a fio com Farmácia, uma profissão que aplica conhecimentos da Biologia e da Química, precisou estudar apenas conteúdos mais pontuais dessas disciplinas, e já carregava uma grande bagagem que conseguiu aproveitar para as provas.
Apesar das vantagens em ter percorrido um caminho diferente, Bruna reconhece que sua trajetória não reflete a de todos os estudantes que sonham em mudar de carreira e fazer Medicina – e muito menos a das mães que se preparam para os vestibulares. A rede de apoio que teve nesta etapa, principalmente com o marido e da mãe, foi essencial para que voltasse a estudar.
“Tem mãe que engravida adolescente e não tem uma estrutura familiar, às vezes o pai do neném não quer nem saber… como essa menina faz?”, questiona. Para ela, a resposta está na criação de ações afirmativas e de uma rede de suporte para essas mulheres. “Se a gente salva essa menina de alguma forma por meio da educação, se a gente ajuda ela a vencer, estamos ajudando a criança que ela está gerando também. Afeta toda uma família”.
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