50 anos da morte de Vladimir Herzog, o crime que abalou a ditadura
Assassinato do jornalista uniu a oposição e deflagrou o reinício das lutas políticas contra o regime militar
Entre as 434 vítimas assassinadas pelo regime militar (1964-1985) identificadas pela Comissão Nacional da Verdade, que investigou as violações de direitos humanos ocorridas no período, uma é considerada a mais emblemática. O jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975 nas dependências do Exército na capital paulista, representa um símbolo da retomada da luta pela democracia no Brasil.
A cerimônia religiosa em sua memória, em 31 de outubro de 1975, transformou-se numa grande manifestação silenciosa de protesto contra a ditadura militar. Numa tentativa de impedir o acesso ao centro de São Paulo, o secretário estadual de Segurança Pública, coronel Erasmo Dias, mandou bloquear o trânsito de veículos. Mesmo assim, cerca de 8 mil pessoas conseguiram chegar à catedral e à Praça da Sé, em São Paulo, a maioria caminhando por parte do trajeto.
A cerimônia foi organizada pelo Sindicato dos Jornalistas, ao qual Herzog era filiado, e realizada pelo cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, como um ato ecumênico, uma vez que Herzog era judeu. Participaram os rabinos Henry Sobel e Marcelo Rittner, e o pastor da igreja presbiteriana James Wright.
A cerimônia tornou-se o primeiro grande ato político contra a ditadura militar e pela volta da democracia desde a promulgação do Ato Institucional Número 5 (AI-5), em 1968, que suprimira os direitos políticos no país e iniciara a fase mais repressora da ditadura militar.
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A farsa do suicídio
O jornalista Vladimir Herzog nasceu na Croácia, em 1937. Sua família, judia, mudou-se para a Itália fugindo do nazismo e depois, perseguida pelo fascismo, emigrou para o Brasil, em 1946. Em 1975, Vlado (seu nome de pequeno) lecionava na USP (Universidade de São Paulo) e era o diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, emissora pública estadual.
Ele começou a ser vigiado pelos agentes da repressão pois era um democrata e amigo próximo de militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Vlado se aproximara do PCB alguns meses antes e, segundo depoimento de sua viúva, Clarice Herzog, ele lhe havia explicado: “É uma questão de momento. A situação política no Brasil é grave. Só há dois movimentos organizados que podem se articular para combater a ditadura – a Igreja [católica] e o Partido Comunista. Eu sou judeu. Só tenho uma opção”.
Em 25 de outubro de 1975, atendendo a uma convocação, apresentou-se voluntariamente para depor no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), o órgão repressivo do regime, em São Paulo. Lá, foi detido de maneira ilegal, torturado e assassinado no mesmo dia por agentes do Estado. Ele tinha apenas 38 anos.
A versão oficial de sua morte – descrita como suicídio por enforcamento nas dependências do Doi-Codi – iniciou uma onda de protestos em setores da sociedade que contestavam a falsa versão dos militares. A foto divulgada pelo regime é claramente uma farsa improvisada, em que o jornalista aparece enforcado ao nível do chão.
Na preparação do corpo para o sepultamento, o rabino Sobel viu marcas de tortura e ignorou a causa da morte informada pelas autoridades. Assim, Vlado pôde ser sepultado dentro do cemitério judaico, o que é proibido aos suicidas. Já em seu enterro, em 27 de outubro, a farsa começou a ser denunciada.
O cenário da distensão
No período em que Vlado foi morto, o cenário político e econômico da ditadura sofria várias mudanças. O choque dos preços do petróleo, no final de 1973, e a alta internacional dos juros provocaram um rombo na balança comercial, agravaram a dívida externa e aceleraram os indicadores de inflação, cenário que marcou o fim do chamado Milagre Econômico (1968-1973) que sustentou a ditadura por algum tempo.
Ernesto Geisel foi alçado à Presidência em 1974 por ato de um Colégio Eleitoral formado por deputados federais e estaduais, a maioria do partido do governo, a Arena, o único dos dois permitidos pelos militares – a oposição estava organizada no MDB.
Geisel tinha o apoio majoritário dos militares que propunham enfrentar a crise com uma “distensão” política, ou seja, fazer uma transição controlada e lenta, por vários anos, para um governo civil. Porém, nas eleições de deputados estaduais, federais e senadores, no fim daquele ano, o MDB elegeu senadores em 16 dos 22 estados, dobrou sua bancada na Câmara dos Deputados e obteve maioria em diversos estados, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
O avanço da oposição levou a um aumento da divisão entre os militares adeptos da distensão e os da chamada linha dura, favoráveis a mais controle e repressão. Em 1975, além dos problemas na economia, Geisel enfrentava dificuldades em conduzir a distensão política, em razão da divisão entre os comandantes militares.
A tentativa da ala mais repressora do regime de ganhar mais poderes influenciou diretamente na detenção e no assassinato de Herzog. Ainda assim, o regime estava coeso na decisão de impedir qualquer denúncia do crime, bloqueando as apurações e sustentando a farsa.
A repercussão da morte de Vlado abalou a linha dura do regime e impulsionou o processo de enfraquecimento do regime militar.
A imprensa passou a testar os limites da censura, enquanto os movimentos estudantil e sindical ganhavam força. Em 1978, Geisel revogou o AI-5. Seu sucessor, o general João Baptista Figueiredo, assumiu a presidência em março de 1979 e deu continuidade à abertura “lenta e gradual” com o restabelecimento da liberdade de imprensa e a aprovação da Lei de Anistia, que permitiu a volta da maior parte dos exilados políticos e a libertação de opositores presos. Mas o país só voltou a ter um presidente civil com a posse de José Sarney, em 1985.
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Em busca da verdade
A versão do regime militar sobre as circunstâncias da morte de Herzog jamais convenceu sua família, que sempre buscou o reconhecimento oficial de que o jornalista foi morto pelos agentes da repressão. Em 1978, a Justiça responsabilizou a União por prisão ilegal, tortura e morte de Vladimir Herzog. Em 1997, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu o assassinato de Herzog e concedeu uma indenização aos familiares.
Mas foi somente em março de 2013, 37 anos após a morte de Herzog, que sua família obteve um novo atestado de óbito. Por iniciativa da Comissão Nacional da Verdade, foi feita a correção do documento. A causa de morte, que até então era descrita como “enforcamento por asfixia mecânica”, foi corrigida para “lesões e maus-tratos sofridos durante os interrogatórios em dependência do II Exército (Doi-Codi)”.
Em junho de 2025, a União entregou à família o documento oficial de anistia de Vladimir Herzog, o que garante uma reparação à sua família. Em 25 de outubro de 2025, a catedral da Sé ficou novamente lotada em cerimônia que marcou os 50 anos do crime.
Pelo direito internacional, o crime de assassinato sob tortura por agentes do Estado é imprescritível, ou seja, continua a ser passível de apuração e punição dos responsáveis. O andamento da questão espera uma sentença do Supremo Tribunal Federal, que está desde 2014 com um processo que contesta a validade da Lei de Anistia para crimes cometidos por agentes do Estado. O julgamento pode ser aberto a qualquer momento, a depender da decisão do STF.
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