O guerrilheiro baiano Carlos Marighella (1911 – 1969), ou simplesmente Marighella, se tornou centro de diversas discussões sobre racismo, direitos humanos e violência – tanto do Estado quanto de seus opositores.
A fase em que atuou na luta armada durante a ditadura militar é a mais explorada da sua trajetória, o que faz com que muitos o classifiquem como terrorista. Existem, no entanto, muitos outros fatos importantes sobre sua vida, e menos explorados. Você sabia que a ditadura militar de 1964-1985 não foi a primeira que ele enfrentou? E que ele era político, escritor e poeta?
Combate na Era Vargas
Carlos Marighella nasceu em Salvador, em 1911. Filho de Augusto Marighella, operário e imigrante italiano, e de Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos, teve outros sete irmãos. O início na vida acadêmica, em 1929, quando ingressou na Escola Politécnica da Bahia para cursar Engenharia Civil, também foi a porta para seu ingresso na política e na militância.
Em 1934, enfrentou pela primeira vez a repressão por se opor ao que viria a se tornar, em 1937, o período ditatorial conhecido como Estado Novo, liderado por Getúlio Vargas. Foi preso depois de divulgar um poema em que criticava o interventor da Bahia, Juracy Magalhães, nomeado por Vargas.
Em 1934, abandonou o curso de Engenharia e se mudou para o Rio de Janeiro, onde se tornou um militante profissional do PCB. Ele era responsável pela imprensa e divulgação do partido. Dois anos depois, foi preso pela segunda vez, agora já durante a ditadura de Vargas, e torturado sob as ordens de Filinto Müller, chefe da repressão. Ficou um ano preso e só foi liberado com a “macedada”, como ficou conhecida a ordenação do ministro da Justiça à época, José Macedo Soares, que determinou que os presos políticos fossem soltos.
Depois de um ano na clandestinidade, Marighella foi preso e torturado novamente em 1939, permanecendo, dessa vez, seis anos na prisão. Em 1945, com o fim do Estado Novo, ele foi beneficiado com a anistia e solto.
Atuação na política institucional
A passagem de Carlos Marighella na política formal foi bastante curta, durou menos de um ano. Em 1946, elegeu-se deputado federal constituinte pelo PCB baiano, mas, por ordens do então presidente Eurico Gaspar Dutra, o partido voltou à ilegalidade e seu mandato foi cassado.
De volta à clandestinidade, ele ocupou diversos cargos na direção do PCB. Entre 1953 e 1954, viajou à China para conhecer de perto a Revolução Comunista no país.
Ditadura Militar
Em 1964, já depois do golpe, Marighella foi baleado e preso por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão de repressão da ditadura, dentro de um cinema. Em 1965, foi liberado por uma ação judicial, mas decidiu abandonar a resistência pacífica e aderir à luta armada contra o regime militar. Naquele mesmo ano, escreveu A Crise Brasileira.
Depois de alguns anos divergindo do partido e desobedecendo orientações (como quando decidiu ir à primeira conferências da Organização Latino-Americana de Solidariedade, em Havana, e redigiu a obra Algumas Questões sobre a Guerrilha no Brasil), ele foi expulso do partido em 1967. Em 1968, ele fundou o grupo armado Aliança Libertadora Nacional (ALN).
A ALN se tornou a mais conhecida resistência armada à ditadura, participando de assaltos a bancos e do famoso sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em conjunto com um outro grupo, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Marighella chegou a ser considerado o inimigo número um da ditadura militar brasileira e, com o endurecimento do regime, os esforços em torno de sua captura aumentaram. Até que em 4 de novembro de 1969, ele foi morto a tiros por agentes do Dops, em São Paulo.
Morte, anistia e memória
A emboscada coordenada por Sérgio Paranhos Fleury que resultou na morte do guerrilheiro foi montada a partir da informação de que ele mantinha contato com freis dominicanos em São Paulo. Alguns desses religiosos foram detidos e obrigados a marcar um encontro com Marighella na Alameda Casa Branca, nos Jardins. Chegando lá, foi surpreendido e morto a tiros. A ALN continuou suas atividades até 1974.
Em 2012, por meio da Portaria 2.780, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, oficializou a anistia post mortem de Carlos Marighella no Diário Oficial da União. O reconhecimento já havia sido atribuído a ele, no ano anterior, na Sessão de Julgamento da Caravana da Anistia, realizada em Salvador.
Embora tenha sido lembrado em filmes e algumas famosas canções (Um Comunista, de Caetano Veloso, e Mil Faces de Um Homem Leal (Marighella), dos Racionais MC’s), Marighella é um personagem relativamente pouco conhecido e debatido, assim como seus escritos.
Alguns deles estão disponíveis na internet, como o Algumas Questões Sobre as Guerrilhas no Brasil (1967) e o Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano (1969). Neste último, um dos mais famosos, ele detalhava técnicas de guerrilha urbana a serem empregadas contra regimes ditatoriais. As cópias do Mini-Manual circulavam em versões mimeografadas e fotocopiadas durante a ditadura militar.
FONTES Sites Memórias da Ditadura, Memorial da Democracia, Agência Brasil, Imprensa Nacional (Casa Civil Brasileira), Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Fundação Getúlio Vargas)
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