Não teve escapatória. Em dezembro de 2023, os últimos membros do grupo de K-pop BTS iniciaram o serviço militar e juntaram-se aos colegas de banda no exército sul-coreano. Embora tenha mobilizado os fãs, a notícia não foi exatamente uma novidade. Acontece que, na Coreia do Sul, todos os homens entre 18 e 28 anos de idade são obrigados a se alistar e servir no exército. Mesmo quando se faz parte de um dos maiores grupos musicais do país e do mundo, movimentando o turismo e outros setores econômicos.
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A relevância do K-pop, gênero musical do qual fazem parte, e do próprio grupo é tão grande que em 2020 o parlamento sul-coreano aprovou a “Lei BTS”, que permitiu aos membros adiar sua entrada no exército até completarem 30 anos. O prazo para os mais jovens venceu no final de 2023, e desta vez não foi possível prorrogar.
Entenda, afinal, por que o serviço militar sul-coreano é tão rígido e o que isso tem a ver com a Guerra da Coreia, que se estende há mais de 70 anos.
Dependendo do serviço prestado à sociedade coreana, é possível acabar se isentando do trabalho militar, mas é raridade. Além de casos de saúde mais extremos, o país concede a dispensa apenas a figuras notórias que conquistam títulos importantes para a Coreia do Sul, como atletas medalhistas. Ainda assim, o processo não é tão simples.
O jogador de futebol Son Heung-min, atualmente no Tottenham, havia sido liberado do treinamento de 21 meses no exército depois de liderar sua seleção nos Jogos Asiáticos de 2018, conquistando o principal título. Mesmo assim, durante a pandemia, ele precisou passar três semanas em serviço militar. De acordo com a ESPN, ainda hoje o jogador cumpre as 544 horas de serviço comunitário que lhe foram impostas para conseguir a dispensa militar.
Sebastian Fuentes, professor de geografia do Curso Anglo, explica que a população muitas vezes enxerga como algo injusto uma categoria ser liberada do serviço militar, enquanto outras seguem obrigadas. Por que um astro do K-pop mereceria a licença, se um médico ou um comerciante não têm esse direito?
Como funciona o serviço militar na Coreia do Sul
Da mesma forma que ocorre por aqui, na Coreia do Sul o alistamento militar é obrigatório apenas para os homens. No Brasil, no entanto, muitos jovens acabam dispensados depois de se apresentarem – diferente de lá, onde todos que se alistam precisam servir.
O tempo servindo ao exército também é mais extenso para os sul-coreanos. No Brasil são doze meses, independentemente da força militar escolhida. Na Coreia do Sul, dependendo do braço militar, a pessoa pode ficar até dois anos.
Tomemos como exemplo o próprio BTS. Jin, membro do grupo que está no exército desde dezembro de 2022 deve permanecer servindo às forças armadas até junho de 2024. Ao todo, ficará um ano e meio em serviços de campo. Já SUGA, do mesmo grupo, ficará entre setembro de 2023 e junho de 2025, somando 1 ano e 9 meses. Devido a uma lesão no ombro, o membro foi designado para atividades administrativas.
Um dos motivos para os sul-coreanos precisarem obrigatoriamente servir ao exército é de ordem prática: o país tem apenas 50 milhões de habitantes – pequeno se comparada ao Brasil, por exemplo, que tem 203 milhões.
Mas o tamanho da população está longe de ser a razão principal por trás da rigidez do alistamento. A Coreia do Sul precisa de um contingente militar à disposição pelo simples fato de que é um país em guerra. “A intenção é promover uma mão de obra militar qualificada e abundante para um eventual conflito com a Coreia do Norte”, explica o professor Sebastian Fuentes.
Guerra da Coreia: um conflito sem fim
Para começar a entender o conflito entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte é importante voltar no tempo e lembrar que, na verdade, elas já foram um país só. No início do século 20, a Península Coreana foi invadida e dominada pelo império japonês, que colonizou a área de maneira extremamente violenta. A Coreia só conseguiu se livrar da colonização após Segunda Guerra Mundial, com a derrota dos países do Eixo, entre eles o Japão.
Paz entre os coreanos? Nem tanto. Menos de dois anos depois, o mundo mergulhava em uma nova guerra – menos sangrenta, é verdade, mas que teria efeitos devastadores sobre a Coreia. A Guerra Fria dividiu o mundo entre os apoiadores da União Soviética e dos Estados Unidos, e na Península Coreana não foi diferente. A parte norte foi ocupada pela URSS, comunista, e a sul pelos EUA, capitalistas.
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As diferenças políticas e econômicas foram se acirrando, até que em 1948 os territórios separaram-se, criando dois Estados independentes. Mais uma vez, a separação não foi suficiente para selar a paz, já que ambos os lados reivindicavam toda a península.
Em 1950, a China se uniu à União Soviética para ajudar a Coreia do Norte a invadir a Coreia do Sul. Tropas americanas foram enviadas para auxiliar a Coreia do Sul e assim teve início a Guerra da Coreia. O conflito se estendeu até 1953 e deixou de quatro a seis milhões de mortos. Naquele ano, os dois países decidiram estabelecer um cessar-fogo. O armistício de Panmunjom foi assinado como um acordo provisório, já que nenhum dos dois países reconhecia ter perdido a guerra.
Foi estabelecida a zona desmilitarizada do paralelo 38 e, desde então, soldados dos dois lados patrulham em seu lado da fronteira. Mas uma certa tensão ainda paira no ar, com ameaças de invasão aqui e de armas nucleares acolá.
O mais próximo que os países já chegaram de pôr um fim à guerra foi em 2018, quando os líderes da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e da Coreia do Norte, Kim Jong-un, participaram de um encontro histórico e prometeram assinar um acordo de paz. A ideia também era desnuclearizar a península.
A conversa continuou entre 2019 e 2021, mas com a eleição do presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol em 2022, o país se tornou menos favorável aos acordos com a Coreia do Norte.
O balanço, hoje, é que mesmo enfraquecido o conflito ainda é alimentado pelos dois lados. “Atualmente, nós temos a Coreia do Norte criando diversas armas bélicas como mísseis, que assustam a Coreia do Sul, e a Coreia do Sul imediatamente começa a fazer parcerias militares com os Estados Unidos e Japão, o que no final das contas só reaquece cada vez mais essa tensão”, avalia o professor do Anglo, Sebastian.
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