Como o morcego se tornou bode expiatório da pandemia
O animal é vítima de fake news, do vírus e da ação humana
Por Bárbara Castro e Vinicius Caldeira Novais/ Esquinas
Em março de 2020, o mundo entrou em alerta com a nova pandemia. Não bastasse apenas ficar de quarentena e o medo constante de uma doença desconhecida, grande parte da população queria achar um culpado pela transmissão do vírus. Mensagens de WhatsApp, fake news, imagens de uma suposta comida típica da Ásia (“sopa de morcegos”) e a xenofobia fizeram com que o morcego se tornasse o culpado por tudo, mas a realidade é que o animal não passa de uma vítima do vírus.
O SALTO ENTRES ESPÉCIES
Os morcegos são os hospedeiros preferidos dos vírus da família Sars-Cov, mas não causaram o salto entre espécies do vírus. Outras doenças já vieram dos morcegos para os humanos: Raiva, Ebola, Nipah e o Hendra. Esses saltos entre espécies se dão pela convivência de forma inadequada entre elas. Isso por conta da invasão de território, manejo inadequado dos animais e desastres naturais. O ser humano passa a ocupar o habitat dos morcegos, tocá-los, matá-los e assim começa a ter contato com o vírus.
O vírus, por sua vez, nota a oportunidade de um novo tipo de hospedeiro e tenta atacá-lo. Quando falha, aprende e se adapta até ter sucesso, infectar e, muitas vezes, matar. E assim, graças ao abuso do homem, é feito o salto de espécies do vírus.
Mayara Nascimento Ferreira, supervisora de Educação Ambiental do Aquário de São Paulo, explica a situação: “Como esses animais estão perdendo o ambiente natural é comum que eles vão até as áreas urbanas principalmente para procurar abrigo e alimentação e isso leva a um maior contato com o ser humano”.
COMBATENDO O PRECONCEITO
“Esse mito em relação ao morcego já vem há muito tempo. O morcego vira vampiro ou o morcego vira o Batman. Isso já é carregado e está muito fixo na nossa cultura”, explica a educadora.
O Aquário de SP começou no dia 14 de abril uma campanha para informar o público sobre a situação do animal e para desmistificar sua suposta “culpa” na disseminação da Covid-19. Adesivos e aulas foram preparados para o público, explicando que o morcego não é o responsável, mas sim a vítima da invasão de seus habitats que estão sendo cada vez mais ocupados por centros urbanos.
Mayara explica que uma campanha similar já é feita com os Bugios, uma espécie de macaco, por conta do surto de febre amarela que aconteceu na cidade de São Paulo entre o final de 2017 e 2018. Na Serra da Cantareira, 3 mil bugios foram mortos pelo vírus e por ação humana.
Existe o medo que a matança se repita com os morcegos. Quando uma zoonose se torna um problema grave, pessoas mal informadas tendem a atacar o animal transmissor e com isso desequilibram o ecossistema. O morcego representa um quarto dos mamíferos do mundo (só não habita os polos) e é um agente polinizador e dispersor de sementes, além de comer insetos. Um ataque aos morcegos baseado em uma informação errada geraria danos graves na fauna e flora.
“As ações antrópicas estão acabando com o ambiente natural desses animais. Eles precisam sobreviver. Numa medida desesperada de sobrevivência, eles estão chegando cada vez mais próximos dos centros urbanos. Por isso, hoje é mais comum a gente encontrar morcegos em casa…cobras em encanamentos, mas é porque eles precisam,” finaliza Mayara.