O que influencia o aumento no preço dos alimentos
Pandemia, moeda em baixa, alta demanda para pouca oferta, desemprego e inflação influenciam o preço dos alimentos. Entenda
Por Politize!
Ir ao mercado fazer as compras do mês ou da semana é uma situação cotidiana, mas que nos últimos meses vem testando o planejamento da renda familiar dos brasileiros. Manter armários e geladeira abastecidos com alimentos variados é uma tarefa cada vez mais difícil. Contudo, o cenário não é novo.
Em 2008, ao analisar a crise econômica no Brasil, o ex-Diretor Geral da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO-ONU) José Graziano da Silva pontuou reflexões importantes sobre o consumo dos alimentos que ajudam na compreensão do quadro atual: “O que pagamos hoje por um alimento na realidade é resultado de uma definição que ocorreu no passado, baseada na especulação sobre a provável oferta e demanda futura, os resultados do próprio plantio e a demanda efetivado presente”.
Apesar de não ter uma pandemia para pesar em sua análise, os apontamentos de Silva direcionam para o quadro brasileiro atual. O aumento dos alimentos não é incomum, respondendo a políticas internas e externas, mas que fatores estão pesando nos preços dos alimentos hoje?
Vamos entender melhor sobre isso!
Por que os alimentos estão mais caros? Três fatores em jogo!
Arroz, feijão, óleo e leite, itens básicos da alimentação brasileira, estão mais caros. Nos últimos meses, em 2021, os preços observados nas prateleiras do mercado subiram em resposta a desvalorização do real, mudanças nos hábitos de consumo e ao aumento da inflação, aliados a crise econômica criada pela pandemia da Covid-19.
Para Patrícia Costa, economista e coordenadora da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os três fatores vêm convergindo desde o segundo semestre de 2020.
Em entrevista ao Politize! ela explica a questão: “O real desvalorizado é um fomento para exportação. Na pandemia, o Brasil assumiu uma posição de continuar exportando, enquanto outros países seguraram o estoque de suas produções. E, ainda tínhamos o auxílio emergencial de R$ 600 circulando, dando um maior poder de comprar as famílias. Com pouca oferta para muita demanda o preço subiu, impactando na inflação”.
Bom…vamos entender cada um desses fatores!
1 – O efeito da inflação
Para compreendermos o efeito da inflação, primeiro precisamos entender o impacto da alta nas commodities, produtos que servem como a matéria-prima para fabricação de terceiros – como é o caso do milho que serve de insumo para o leite e para carne – e são cotadas em dólar. De acordo com Costa, com a alta das commodities se privilegia o lucro que o agronegócio pode gerar com a exportação dos produtos em detrimento do mercado interno do país.
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Ela pontua que o equilíbrio entre a exportação e o armazenamento de alimentos para o consumo da população local é um dos fatores que ajudam a estabilizar os preços dos alimentos, mas o cenário de crise que o Brasil vivencia está tornando todo o processo, desde a produção até o consumo final, mais caro e atingindo em cheio a alta de preços observada nos supermercados.
“É uma política que privilegia a exportação sem estabelecer políticas agrícolas que controlem o consumo interno, seja estimulando um aumento da produção ou exportando menos; era o que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deveria conseguir fazer neste cenário. Existem outros elementos que se somam a conta, como a alta da gasolina e da energia elétrica que fazem parte do processo de distribuição e armazenamento dos alimentos”.
Para se ter uma ideia, entre abril de 2020 a abril de 2021, o preço das commodities agrícolas utilizadas na indústria de alimentos variou de 20% a 100%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). De acordo com o levantamento, insumos como milho, soja e arroz subiram 84%, 79% e 59%, respectivamente, ao longo do período analisado. Já o trigo e o leite tiveram alta de 37%, enquanto o café robusta subiu 36% e o açúcar ficou 40%.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação começou a registrar um aumento gradual com a distribuição do auxílio emergencial em 2020. Desde então, o preço do óleo de soja subiu 87,89%, o arroz ficou 69,80% mais caro e a batata passou custar 47,84% a mais. Os preços mais altos, que pesam para as famílias mais pobres e vulneráveis, promoveram outro cenário para os supermercados.
O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, teve lucro de R$ 1,59 bilhão no último trimestre de 2020, um aumento de 58,5% em relação ao mesmo período de 2019. Já o Carrefour registrou lucro de R$ 935 milhões, um aumento de 47% em relação ao último trimestre do ano anterior, segundo reportagem da Gênero e Número.
Vale pontuar que o índice geral de vendas, que é calculado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), disparou em 2020: os supermercados venderam 9,36% a mais do que em 2019, o maior aumento anual da categoria em 20 anos, revelou a Gênero e Número.
Moeda em baixa
Outro ponto que influência nos preços é a desvalorização do real brasileiro em comparação ao dólar. Entre dezembro de 2019 a outubro de 2020, o real perdeu 28% do seu valor perante o dólar. De acordo com um levantamento da Fundação Getúlio Vargas, divulgado pelo BBC News Brasil, é o pior desempenho entre as 30 moedas mais negociadas do mundo junto ao peso argentino.
A desvalorização do real ocorre devido à crise econômica e política vivenciada pelo país desde 2015 e agravada pela pandemia, que colocou o mercado brasileiro como “instável para o investimento estrangeiro”, devido a insegurança na capacidade de austeridade fiscal – políticas que atuam para equilibrar os gastos e a arrecadação do Estado – brasileira no pós-pandemia. É neste cenário que os diversos insumos importados acabam tendo seus preços influenciados pelas variações das cotações internacionais.
Assim, as commodities exportadas geram lucro por serem cotados em dólar, mas ficam mais caras quando importadas, afetando também o preço para o consumidor final. Em entrevista à BBC News Brasil, a economista Maria Andreia Lameiras, pesquisadora responsável pelo Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, explicou a questão:
“Aí, essa alta de alimentos no Brasil fica ainda maior, porque aquele alimento que tenho que importar fica mais caro e porque o produtor do grão, da carne, vê que é mais vantajoso exportar do que vender para o mercado interno, porque ele vai receber em dólar e acaba tendo rentabilidade muito maior”, argumenta.
Alta demanda para pouca oferta
Além do efeito da inflação nas commodities e a desvalorização da moeda, outro fator que impacta no aumento dos preços é a Lei da Oferta e Demanda, desenvolvida por Adam Smith. De acordo com Smith, o preço de uma mercadoria seria regulado com base na “quantidade efetiva colocada no mercado (oferta) e a demanda daqueles que estão dispostos a pagar pelo preço total do produto, considerando o trabalho para a sua produção e o lucro a ser pago para colocá-lo no mercado”.
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O conceito, criado ao longo do século 18, ainda se mostra atual. Um exemplo de sua funcionalidade pode ser observada com a diminuição do auxílio emergencial em 2021, que não deve passar de R$ 300 para quem conseguir o benefício. A queda no poder de compra, ou seja, de se conseguir adquirir bens através de recursos monetários, leva a uma baixa nos preços pois a demanda pelos alimentos irá diminuir enquanto outro problema se agrava pelo país.
“No momento, temos uma população extremamente empobrecida que está pagando mais caro pela pandemia. São famílias vulneráveis e informais que perderam o emprego e a oportunidade de renda. Em 2020, o auxílio compensava em certa medida o desemprego dando um maior poder aquisitivo para famílias que passaram a cozinhar mais em casa. Mas agora o que temos é insuficiente. Quando não se tem renda, a família deixa de comer. E, quando as pessoas compram menos, a demanda diminui fazendo com que o aumento não chegue ao consumidor final”, argumenta Patrícia Costa, do Diesse.
Em março deste ano, o IBGE revelou que a suspensão do auxílio emergencial, que ocorreu em dezembro, e a realização de grandes eventos no início do ano, como o Carnaval, já estavam causando este efeito com a desaceleração gradual da inflação. Para Patrícia, contudo, os preços dos alimentos continuam altos para a população, principalmente a mais vulnerável, que precisa lidar com um baixo poder aquisitivo.
“Você tem o alimento no mercado, mas a população não consegue comprar. O Diesse analisa apenas os 13 itens principais da cesta, então há comportamentos que não conseguimos acompanhar, como por exemplo, quem está trocando a carne pelo frango ou ovo. As pessoas estão sem renda, sem auxílio e com um salário mínimo abaixo da inflação”.
De acordo com edição de maio da Pesquisa Nacional da Cesta Básica do Diesse, o salário mínimo necessário para as despesas básicas de um trabalhador e sua família teria que ser de R$ 5.351,11. Esse valor corresponde a 4,86 vezes o mínimo oficial (R$ 1.100). No total, o trabalhador remunerado pelo salário mínimo comprometeu, em média, 54,84% da renda para comprar os alimentos básicos para uma pessoa adulta.
Em entrevista ao Jornal da USP no Ar, em novembro de 2020, o professor e especialista em inflação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, Heron do Carmo, já destacava o peso desigual dos alimentos na renda familiar. “Se nós calculássemos só a inflação da classe média, ela seria menor que a inflação geral, enquanto a dos mais pobres é muito maior que a geral”.
O cenário foi analisado pelo Jornal Folha de S. Paulo, com base em dados do Dieese e do Procon-SP. Em 2019, o consumidor ia ao supermercado com R$ 100 e saía com 11 produtos básicos, entre eles o arroz, feijão, açúcar e o café, sendo que ainda havia espaço para levar 1 quilo de carne de primeira, pão francês e queijo mussarela.
Com o mesmo valor em abril de 2020, contudo, a carne deu lugar ao frango congelado para que os outros itens se mantivessem no carinho. No mesmo mês, já em 2021, com o valor do novo auxílio, o paulistano conseguiria levar 39% de uma cesta completa de alimentos, que na capital, segundo o Diesse, custava em média, R$ 639,47, até fevereiro de 2021.
Sem um reajuste adequado no salário mínimo, a população brasileira vivenciará ao longo de 2021 o menor poder de compra – capacidade de adquiri bens e serviços por meio do real – em relação aos produtos da cesta básica desde 2005, segundo o Diesse.
Ainda, segundo Patrícia Costa, do DIEESE, o Brasil deveria aprender com as experiências passadas, principal mente com o cenário vivenciado na crise econômica de 2008-2009. “A pandemia da Covid-19 não permite comparação com outros anos, mas existem lições que já aprendemos. Sobrevivemos à crise de 2009 devido ao consumo interno. E o auxílio emergencial do último ano evidenciou a importância do consumidor brasileiro. Hoje, não tem nada que possibilite o crescimento interno, um real crescimento e desenvolvimento do país. Agora, seria fundamental políticas de valorização do salário mínimo e manter os alimentos [produção] aqui dentro. Estamos dando o melhor para fora quando deveríamos estar contendo a exportação. É um sistema que penaliza mais duramente as famílias de baixa renda”, argumenta.
Atualmente, está em tramitação no Senado o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 53, de 2021, que tem como objetivo vetar o aumento dos preços dos alimentos da cesta básica acima da inflação durante a pandemia. Segundo o Valor Investe, o PLP pretende conceder às famílias carentes em situação de vulnerabilidade social o direito de receber a cesta básica em meio à crise causada pela pandemia. O projeto propõe, ainda, alíquota zero para os impostos IPI, ICMS, Cofins e Pis/Pasep sobre comidas da cesta básica.
REFERÊNCIAS