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“Olhos que Condenam”: a história de 5 jovens condenados pelo preconceito

Na série baseada em fatos reais, autoridades criam uma narrativa para acusar, sem provas, garotos inocentes

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 23 out 2019, 17h16 - Publicado em 23 out 2019, 10h53

Abusos, agressões e falsas acusações. Em Olhos que Condenam, as vidas de cinco garotos, entre 14 e 16 anos, e suas famílias são condenadas pelo preconceito racial e social. Baseada em uma história verídica, a minissérie de quatro episódios da Netflix explora um dos maiores erros cometidos pelo sistema judiciário americano.

O caso

Na noite de 19 de abril de 1989, um grupo de jovens negros foi ao Central Park, em Nova York. Enquanto alguns corriam e gritavam com pessoas que estavam pela região, outros só queriam se reunir com amigos. Policiais foram chamados e a maioria ficou retida. Em outra parte do parque, uma mulher, Patricia Meili, foi agredida e estuprada. Ela foi encontrada horas depois gravemente ferida. Quando os policiais se deram conta dos dois acontecimentos criaram uma narrativa que faria dessas duas histórias uma só. 

Cerca de 30 jovens foram levados à delegacia e, entre eles, alguns passaram por interrogatórios: Kevin Richardson, Raymond Santana, Antron McCray e Yusef Salaam. A ideia era culpá-los pelo estupro. Foram mais de 40 horas de questionamentos, insinuações, acusações e agressões. Os quatro, três negros e um latino, não tiveram pausas para comer, irem ao banheiro ou contatarem alguém. Tudo foi realizado sem a presença de um responsável, apesar de se tratar de menores de idade. Eles não se conheciam, mas os investigadores os pressionaram e jogaram uns contra os outros de forma que eles começaram se acusar. Na cabeça deles, naquele momento, a única maneira de voltarem para casa era apontar um culpado e mentir sobre o que teria acontecido naquela noite. 

A história ainda não fechava, havia muitas brechas na acusação. É nesse momento que o quinto jovem entra na história. Korey Wise não estava no parque no dia do crime, mas resolveu apenas acompanhar o amigo Yusef na delegacia. Ele era a peça que faltava nesse jogo comandado por Linda Fairstein, que chefiava a Unidade de Crimes Sexuais na época, para afirmar que os cinco teriam juntos agredido e estuprado a mulher.

A promotora de justiça da Procuradoria Distrital de Nova York, Elizabeth Lederer, enxergava os furos na história, mas, em vez de contestar, orientava investigadores e policiais sobre o que precisava ser feito para a condenação se concretizar. A narrativa pautada por mentiras foi sendo criada aos poucos. 

Após esse primeiro momento, os jovens diziam que a confissão havia sido fruto da coerção policial, mas já era tarde. Mesmo sem provas concretas, foram considerados culpados e cumpriram penas de 6 a 13 anos de prisão. A transição para a vida adulta foi feita entre o encarceramento, as agressões e humilhações a que foram submetidos. Korey, Kevin, Raymond, Antron e Yusef ficaram internacionalmente conhecidos como “Os Cinco do Central Park”. Em 2002, o verdadeiro culpado, Matias Reyes, confessou o crime e exames de DNA comprovaram o ocorrido. 

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Embora o veredito já seja uma certeza enquanto a série se desenvolve, é difícil não torcer por um final diferente e imaginar que as pessoas se dariam conta dos absurdos que estavam sendo admitidos. Chega a ser agoniante acompanhar como fatos irrefutáveis foram deixados de lado.

A série

Criada e dirigida por Ava DuVernay (também responsável pela direção do filme Selma e do documentário 13ª Emenda), a série mostra brevemente como era a vida antes das acusações, o julgamento, a prisão e, em um salto temporal, o que eles tiveram de enfrentar após a liberdade. 

O fio condutor da série é a humanização dos garotos que durante anos foram vistos pela sociedade como criminosos e tratados como animais. Mostrar o racismo estrutural que ocasionou as condenações também foi uma prioridade. Mas, assim como em nossa sociedade, isso foi feito de forma sutil, nas entrelinhas. Eles eram considerados um “grupo de arruaceiros”, e a série busca mostrar como, na verdade, se tratavam apenas de crianças inocentes, assustadas e que sofreram enormes injustiças. 

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A mídia teve sua parcela de culpa no caso. Apontando os culpados sem ao menos mostrar o outro lado ou apurar as incoerências óbvias da acusação, aflorou o preconceito e o ódio contra os meninos. Os olhares estavam todos voltados para os desdobramentos das acusações e ações eram cobradas pela sociedade. 

DuVernay também não perdeu a oportunidade de criticar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na época, o então empresário fez duras críticas aos garotos, explicitou seus preconceitos e investiu cerca de US$ 80 milhões em anúncios em jornais locais pedindo a aplicação da pena de morte no Estado. Com sabedoria, DuVernay não coloca isso apenas nos diálogos das personagens, mas chega a mostrar uma declaração de Trump na ocasião — aproximando a situação da realidade e dando a sensação ao espectador de que ele estava com a própria TV ligada em 2019 ouvindo o presidente americano fazendo um discurso de ódio. 

O destaque da série é para Jharrel Jerome, que interpreta Wise em sua versão adolescente e adulta. Com um episódio focado em sua trajetória, DuVernay expõe a complexidade do caso do jovem. Apesar de Korey não estar presente no parque no dia do crime, ele é estrategicamente envolvido na história para ligar os pontos que faltavam. Condenado como adulto, por já ter 16 anos, é o único que vai para uma prisão e é tratado como tal. 

Em boa parte do episódio, Korey está em uma solitária. Essas cenas exigem fôlego do espectador. A interpretação do ator e os cortes das câmeras passam uma sensação de claustrofobia e é como se estivesse na cela com ele. Quando a ventilação, que estava quebrada, é consertada fica mais fácil respirar. A falta de recursos impossibilita sua mãe de visitá-lo e sua solidão fica latente.

Outro ponto que a obra não deixa de lado é o efeito das prisões nas famílias. Quando um membro é preso, uma parte das mães, pais, irmãos e pessoas próximas fica retida ali também à espera da liberdade. 

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A diretora não focou nas atrocidades que os jovens tiveram de enfrentar na prisão. Ela apenas dá pequenos indícios e deixa subentendido o que aconteceu com eles entre os detentos. Mas isso não faz falta na série e chega a ser respeitoso com os garotos. Ela não se aproveita dessa violência para gerar entretenimento. Fica o dito pelo não dito e, mesmo assim, predomina a sensação de agonia em que está assistindo. Mostrar sangue e socos talvez não fosse tão eficaz para expor a violência quanto certos diálogos e silêncios.

DuVernay também explora o quanto o encarceramento prejudicou a vida deles mesmo após a liberdade. Condenados por um caso de estupro, a reinserção na sociedade, a interação com outras pessoas e a recolocação no mercado de trabalho são praticamente impossíveis. Uma série de restrições são impostas a ex-detentos, dificultando, por exemplo, a construção de uma carreira em diversas áreas. Isso sem mencionar o preconceito que enfrentam, as oportunidades que perderam, os sonhos que tiveram de abrir mão e os olhos que os condenavam mesmo após o fim das sentenças. 

Desdobramentos

Hoje, a diretora e a Netflix estão sendo processadas por difamação. Em uma cena exibida no quarto episódio, um personagem critica a “Técnica Reid”, método de interrogatório policial, afirmando que os jovens assumiram a autoria do crime porque os investigadores a utilizaram. A empresa que criou a técnica, em 1940, e a responsável por oferecê-la em cursos e treinamentos para policiais é a John E. Reid, que abriu o processo afirmando que sua reputação estava prejudicada pelo diálogo e que as afirmações trocadas eram falsas. 

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Outra pessoa que, desde a estreia da série, tem encarado retaliações é Linda, que chefiava a Unidade de Crimes Sexuais e incentivou os investigadores a pressionarem os garotos. Após construir uma carreira de sucesso como escritora de romances policiais, nunca tinha sido responsabilizada por suas ações. Agora, seus livros têm encarado boicotes e ela teve que se retirar de organizações contra violência sexual da qual fazia parte. 

E para que a experiência seja completa, após os quatro episódios da série é imprescindível assistir a uma entrevista de Oprah Winfrey com os atores, a diretora e os próprios homens acusados injustamente, também disponível na plataforma. Na conversa, eles explicitam de formas diretas e indiretas os efeitos que as falsas acusações e o cárcere desencadearam em suas vidas e personalidades. Os sonhos que foram deixados de lado, os laços rompidos, as oportunidades perdidas e tudo o que nem o tempo nem dinheiro poderiam trazer de volta. 

Falando em dinheiro, o estado de Nova York pagou uma indenização de US$ 40 milhões aos exonerados — quantia que foi dividida entre os cinco e, segundo eles, foi em grande parte para os advogados que trabalharam no processo. O pedido de desculpas pelos erros cometidos pelas autoridades e pelo estado nunca veio.

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A série é dura, mas necessária para saber o que aconteceu na vida desses homens e não permitir que algo do tipo aconteça novamente. Como afirma a diretora na entrevista com Oprah: “não podemos mudar o que não conhecemos”.

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