Ozonioterapia, reiki, acupuntura: a polêmica dos tratamentos alternativos
Oferecidas até mesmo no SUS, muitas dessas terapias não têm comprovação científica e podem oferecer riscos à saúde
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) endossou a decisão do Congresso Nacional e sancionou, nesta segunda-feira (7), uma lei que autoriza todos os profissionais da saúde com Ensino Superior a aplicarem a ozonioterapia como tratamento complementar. O aval foi recebido com alarde: importantes entidades médicas se manifestaram contra a autorização e alertaram para os riscos do tratamento, alegando que não há estudos suficientes comprovando sua eficácia.
A ozonioterapia consiste na aplicação de uma mistura do gás ozônio (O3) com gás oxigênio (O2) no corpo por diferentes vias, entre elas subcutânea, anal e vaginal. Segundo os defensores da prática, como a Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), o gás tem propriedades anti-inflamatórias e antissépticas, e por isso pode auxiliar no tratamento de algumas doenças como lombalgia e osteoartrose. Os anúncios e propagandas de clínicas particulares, no entanto, vão além: prometem que a ozonioterapia pode ser usada no tratamento de câncer, HIV, Alzheimer e até distúrbios psicológicos como ansiedade e depressão.
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Até o momento, a ozonioterapia é completamente autorizada no Brasil – com aval dos respectivos conselhos da área e da Anvisa – apenas para fins odontológicos e estéticos, embora conselhos de outras classes profissionais como Farmácia (CFF), Fisioterapia (COFFITO) e Enfermagem (COFEN) também defendam o uso por seus profissionais. Mesmo agora, com a sanção da nova lei, o ozônio só poderá ser aplicado com equipamento regulado pela Anvisa – e a agência já emitiu um comunicado reafirmando que não valida o uso do gás em procedimentos além dos já permitidos.
Embora a regulamentação de tratamentos de saúde no geral seja complexa, envolvendo órgãos reguladores e conselhos, o que ocorre, na prática, é a aplicação indiscriminada e muitas vezes irregular de diversos procedimentos sem comprovação científica, como ocorre com a própria ozonioterapia. E mais: ela está longe de ser uma polêmica isolada e entra para o rol dos diversos tratamentos que são alvo de críticas e disputa, como a acupuntura, a homeopatia e até a constelação familiar.
Os tratamentos alternativos – e quando eles passam a representar um perigo
A gama de procedimentos e medicações que estão sob o guarda-chuva dos tratamentos alternativos é muito vasta. Só para se ter uma noção, apenas no SUS (Sistema Único de Saúde) são oferecidas 29 terapias deste tipo, entre elas a apiterapia (tratamentos que usam produtos derivados das abelhas), a imposição de mãos (com o intuito de equilibrar energeticamente o corpo) e a constelação familiar, método desenvolvido pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger que promete sanar traumas investigando relações familiares – mas que é acusado de reforçar discursos violentos e machistas quando define, por exemplo, que mulheres vítimas de estupro devem respeitar seus agressores. Também aparecem na lista a ayurveda, a homeopatia, o reiki, a yoga e a própria ozonioterapia, que entrou para o rol de tratamentos autorizados no sistema público de saúde em 2018.
No SUS, estes tratamentos fazem parte das chamadas PICS, as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, definidas como “recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade”.
São tratamentos muito diversos entre si, e a forma como são recebidos também não é homogênea. Natália Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), explica que as PICS não são todas iguais. “A yoga, que é uma técnica corporal, tem benefícios comprovados para a saúde“, afirmou em entrevista ao G1. Mas a especialista alerta que não é o caso da maior parte dos 29 itens da lista, nunca comprovados cientificamente. Recentemente, Pasternak lançou o livro “Que Bobagem!”, em que desmente as chamadas pseudociências.
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A ozonioterapia é um desses tratamentos alternativos que ainda carecem de comprovações sólidas. Especialistas ouvidos pela Veja Saúde explicam que a maior parte das pesquisas envolvendo o uso do ozônio medicinal são preliminares – apenas em células isoladas ou animais – ou se baseiam em relatos individuais dos pacientes, uma medida muito subjetiva. Não há, por exemplo, estudos comparando o método com um placebo.
A Academia Nacional de Medicina (ANM) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) fizeram, nos últimos anos, levantamentos bibliográficos para entender quais pesquisas estavam sendo realizadas a respeito da ozonioterapia e se eram sólidas o suficiente. Ambas as organizações concluíram que o tratamento não tem comprovação científica. A CFM, inclusive, reiterou recentemente uma resolução lançada em 2018, na qual afirma que se trata de uma prática experimental.
Na prática, isso significa que a aplicação de ozônio para fins médicos só pode ser feita no contexto de pesquisas científicas registradas, sem cobrança de nenhum valor dos pacientes. O conselho afirmou em entrevista à BBC Brasil que os médicos que não obedecerem essa resolução podem ser alvos de denúncia.
Para além do risco de simplesmente não funcionarem na prática, alguns tratamentos alternativos podem ainda representar riscos à saúde dos pacientes. A aplicação do ozônio, por exemplo, por vias retais e orais pode causar lesões no ânus e na boca dos pacientes. A ozonioterapia também pode ser feita por hemotransfusão, retirando o sangue do paciente que depois de ser misturado ao ozônio é reintroduzido no corpo. Este método, chamado de auto-hemoterapia, pode causar embolias e infecções, segundo a Academia Nacional de Medicina.
Um outro perigo das terapias não-convencionais é que, muitas vezes, elas estimulam os pacientes a retardarem ou simplesmente abandonarem outros tratamentos cientificamente comprovados. Foi o caso de uma mulher ouvida pela reportagem da BBC, que relatou ter feito sessões de ozonioterapia para tratar a endometriose – crescimento anormal das células do útero, que causa muita dor. O resultado foi que a doença continuou a progredir silenciosamente e foi necessária uma intervenção cirúrgica para remover o tecido do endométrio, que invadiu até seu intestino.
Quando o tratamento milagroso promete curar doenças graves e que progridem rapidamente, como o câncer, os efeitos podem ser ainda mais devastadores.
Por fim, a outra grande discussão envolvendo as terapias alternativas no Brasil é a sua inclusão no sistema público de saúde. Os recursos já escassos destinados à saúde acabam sendo investidos em tratamentos sem eficácia comprovada. Em 2019, por exemplo, foram feitas 1.838 sessões de constelação familiar pelo SUS, segundo relatório de monitoramento de PICS do Ministério da Saúde.
Uma outra ciência?
Embora boa parte da comunidade científica se posicione contra os tratamentos alternativos sem comprovação, a posição não é unânime. Fátima Sueli Ribeiro, epidemiologista e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), estuda as PICS no SUS e defende que estas terapias não devem ser estudadas à luz da ciência convencional, porque envolvem conceitos que ela não abarca, como o de “energia”.
“Os resultados práticos positivos de quatro mil anos da ayurveda, que é a primeira medicina que se tem história pela antropologia, não são ciência? Os chineses fazem isso há três mil anos”, afirmou em entrevista ao G1.
Para Natalia Pasternak, não se trata ignorar os conhecimentos tradicionais, mas de buscar evidências de que, de fato, eles são eficazes. Ela exemplificou citando o caso da aspirina, cujo principio ativo foi descoberto no Egito Antigo quando se usava a casca da árvore salgueiro.
“Isso foi investigado cientificamente e descobriu-se a molécula que era responsável pelo efeito analgésico e antitérmico. O medicamento foi testado, passou por testes clínicos, randomizados, controlados, com duplo placebo, teste de segurança, de eficácia e virou a aspirina”, relatou na entrevista.
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