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Revisão: a crise humanitária na terra Yanomami em 2023

Omissão do governo federal, violência e crescimento do garimpo ilegal causaram uma crise de saúde pública na maior terra indígena do Brasil. Relembre aqui

Por Lilian Carmona
Atualizado em 24 out 2023, 12h53 - Publicado em 24 out 2023, 12h53
Indígenas yanomami acompanham chegada de material do SUS, em Surucucu
Indígenas yanomami acompanham chegada de material do SUS, em Surucucu (Fernando Frazão/Agência Brasil)
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Em janeiro de 2023, assim que o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva se iniciou, o Ministério da Saúde declarou estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional no território yanomami, a maior terra indígena do Brasil. O motivo foram as condições em que os indígenas dessa etnia foram encontrados por profissionais da saúde, o que incluía sinais graves de desnutrição, malária e infecção respiratória. 

A combinação entre a omissão do governo passado, a violência e o crescimento do garimpo ilegal foi particularmente destrutiva na Terra Indígena Yanomami. A ocupação de vastas áreas pelo garimpo, o desmatamento, a abertura de crateras e o desvio e a poluição de rios prejudicam muito a manutenção de roças, a caça, a pesca e a coleta de frutos, principais fontes de alimentação dos yanomamis. Além disso, as crateras com água parada e a ocupação destrutiva facilitam a propagação de malária, gripe, pneumonia e outras doenças infectocontagiosas.

Um problema gravíssimo é a contaminação por mercúrio, usado nas operações do garimpo. Pesquisas de campo de 2018 e 2022 detectaram concentrações de mercúrio em pescados e em todas as pessoas examinadas na terra indígena.

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Desde 2018, entidades indígenas e aliadas denunciavam casos de violência, degradação das condições de saúde das comunidades e destruição da floresta e cobravam providências do governo para proteger a terra indígena yanomami. Mas a situação ganhou mais destaque em abril de 2023, quando a Hutukara Associação yanomami divulgou um relatório com dados, imagens aéreas e relatos de invasões que apontava que, em 2021, o garimpo ilegal havia avançado 46% na terra indígena, em comparação com 2020, e esse avanço afetava diretamente 273 comunidades indígenas, com mais de 16 mil pessoas – 56% da população total do território. A Hutukara começou a monitorar a situação em outubro de 2018, quando a área destruída pelo garimpo era de 1.200 hectares. Em dezembro de 2021, esse número aumentara 2,7 vezes, para 3.272 hectares.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2022, houve 15,5 mil casos de malária na terra indígena yanomami, o equivalente a 10% de todos os casos registrados no Brasil todo no mesmo ano. A incidência de pneumonia e desnutrição também cresceu muito, especialmente entre crianças. Pelos números do ministério, 570 crianças de até 5 anos morreram de doenças tratáveis na terra indígena yanomami entre 2019 e 2022. Cerca de 56% das crianças da área apresentavam desnutrição aguda.

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Nesse mesmo período, o desmonte da assistência aos indígenas se traduziu no fechamento ou abandono de postos de saúde, redução nos atendimentos e falta de equipamentos, mão de obra e medicamentos. Para piorar, garimpeiros ilegais se apossaram de parte da infraestrutura de saúde, como pistas de pouso e postos de saúde, e a violência do garimpo dificultou a presença de equipes médicas e a distribuição de medicamentos e alimentos.

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Em janeiro de 2023, o presidente Lula decretou estado de calamidade pública na terra indígena yanomami e criou um grupo interministerial de emergência para lidar com a crise humanitária e sanitária na terra indígena yanomami. A medida fez parte de uma série de compromissos eleitorais com as comunidades indígenas, que também incluiu a criação de um ministério específico para os povos indígenas, a retomada das demarcações, a revogação de portarias e outras medidas contra os direitos dos indígenas e a garantia da consulta prévia aos povos indígenas sobre as políticas que os afetem.

Resposta do governo

Assim que tomou posse, Lula criou o Ministério dos Povos Indígenas e pôs no seu comando Sônia Guajajara, ex-coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ele também nomeou a advogada Joenia Wapichana para presidir a Funai – Joenia foi a primeira mulher indígena eleita para a Câmara dos Deputados. É a primeira vez que a Funai está sob a direção de uma pessoa indígena. Para completar, Weibe Tapeba, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará, assumiu a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

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Além da ação emergencial na terra indígena yanomami, o novo governo criou uma força-tarefa liderada pela Polícia Federal para combater o garimpo ilegal no território, com participação da Funai, do Ibama, do Ministério da Defesa e da Força Nacional. Postos de saúde foram reabertos no território, com reforço de profissionais de saúde pública e a distribuição de cestas básicas para as comunidades. Em abril, Lula liberou, por meio de uma medida provisória, R$ 640 milhões para ações de proteção da vida, da saúde e da segurança das comunidades indígenas, especialmente dos yanomamis.

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A Funai passou por uma reorganização interna, recriou os grupos técnicos destinados a identificar e delimitar áreas indígenas em várias regiões e revogou instruções normativas e portarias do governo anterior, como a que permitia a exploração de madeira em terras indígenas. O Ministério da Saúde investiu R$ 60 milhões nas TIs para saneamento e edificações, além de retomar programas voltados para as comunidades.

Em julho, o Ministério dos Povos Indígenas, em parceria com o STF, lançou a primeira edição da Constituição Federal na língua nheengatu, uma das mais faladas na região amazônica. É a primeira versão oficial da Constituição em uma língua indígena. A tradução foi feita por indígenas da região do Alto Rio Negro e do Médio Tapajós.

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