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Sistema carcerário brasileiro: entenda a situação dos presídios no país

Com a terceira maior população carcerária do mundo, penitenciárias do Brasil são o berço de facções criminosas e palco da violação de direitos humanos

Por Julia Di Spagna
17 Maio 2023, 12h24
imagem mostra presidiários sentados no chão e uma cerca
As prisões no norte do país são marcadas por rebeliões e ataques flagrantes aos direitos humanos (John Moore/Getty Images)
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Em março deste ano, mais de 40 cidades do Rio Grande do Norte encararam uma onda de violência: facções criminosas orquestraram ações como incêndios e tiroteios pelas ruas, causando pânico na população. O movimento seria, segundo as investigações da polícia, uma retaliação às condições precárias dos presídios no estado.

Os ataques reacendem um debate antigo, mas latente no Brasil: como é a realidade nos presídios do país? Quais as verdadeiras condições às quais os presos são submetidos? A superlotação ainda é um problema? Como está a situação dos presos temporários? Quais são, enfim, os maiores desafios do sistema carcerário brasileiro?

Para tentar responder a essas e outras questões, o GUIA DO ESTUDANTE separou pesquisas, casos recentes e dados estatísticos que ajudam a compreender o cenário atual. Confira: 

População carcerária no Brasil

Para começar, é importante entender o perfil das pessoas encarceradas no país hoje.

Segundo dados mais recentes do Infopen, sistema que compila informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, de junho a dezembro de 2019, a autodeclaração dos presos era:

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  • 49,88% pardos; 
  • 32,29% brancos; 
  • 16,81% negros; 
  • 0,8% amarelos; 
  • 0,21 indígenas. 

Em relação à formação acadêmica, o mesmo estudo aponta que, entre eles:

  • 317.542 não completaram o Ensino Fundamental;
  • 101.793 não completaram o Ensino Médio;
  • 18.711 são Analfabetos;
  • 66.866 completaram o Ensino Médio;
  • 4.181 têm Ensino Superior completo.

Ou seja, a maior parte das pessoas presas no Brasil atualmente são negras (66,69%) e não tem o Ensino Básico completo.

Precariedade dos presídios

Quando uma pessoa é detida, ela se torna responsabilidade do Estado, que tem como dever garantir a manutenção de seus direitos básicos. De acordo com a Constituição Federal de 1988, que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, também está assegurado o respeito à integridade física e moral dos presos. 

A realidade, porém, é outra. Com a superlotação dos presídios e o descaso de autoridades, essa população enfrenta condições subumanas e a violação de direitos básicos.

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No Complexo Prisional de Alcaçuz e na Cadeia Pública de Ceará-Mirim, ambos em Natal, capital do Rio Grande do Norte, por exemplo, foram encontradas irregularidades em uma inspeção realizada em novembro de 2022 pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), do governo federal. O estudo indica que ocorreram torturas, maus-tratos, entrega de alimentos estragados, casos de doenças contagiosas e falta de atendimento à saúde dos encarcerados. 

O levantamento também aponta que foram flagrados:

  • alimentos impróprios para o consumo, com odor fétido; 
  • a água só era disponibilizada três vezes ao dia por 30 minutos, às 7h, 12h e 17h – e ela servia para ser usada desde a limpeza da cela, lavar roupas, higiene pessoal até o consumo, ou seja, os detentos não possuíam acesso à água potável para ingestão;
  • em todas as celas inspecionadas havia pessoas machucadas e com lesões;
  • vários relatos de uso de spray pimenta nas celas;
  • imagens que ilustram o documento mostram presos feridos, queimados pelo sol e com limitações físicas supostamente provocadas por ações truculentas dos policiais;
  • a ocorrência de surtos de sarna e diarreia em quase 70% da população carcerária.

De janeiro de 2021 a julho de 2022 os casos de tortura no sistema prisional brasileiro aumentaram 37,6% em comparação ao mesmo período de 2019 e 2020, aponta relatório da Pastoral Carcerária Nacional. Mas o documento Vozes e Dados da Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa alerta que os números possam ser ainda maiores do que os coletados em pesquisas, pois “um baixo número de casos pode ser resultado de atmosferas punitivas que circundam o espaço prisional, que ameaçam e alimentam o medo dos/as denunciantes que são coagidos/as a ficarem em silêncio.”

Segundo o MNCPT, também existe uma grande dificuldade para se investigar denúncias de tortura, especialmente nos casos de violência psicológica. Esse tipo de violência pode se dar pela proibição da comunicação do detento com seus familiares ou com o mundo exterior, redução do número de horas das visitas sociais, suspensão das visitas íntimas, ou até tratamentos humilhantes ou degradantes, como manter pessoas presas sentadas no chão debaixo de sol quente, impedir o banho de sol por dias, semanas e até meses, manter as pessoas presas dormindo no chão e aplicar castigo coletivo. 

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Também são comuns violações contra familiares, como negar envio de itens básicos de sobrevivência, direito de envio de cartas e de entrada de determinados alimentos, humilhações e xingamentos. E um dos problemas que inflama essa questão é que os relatos costumam ser desacreditados ou desvalorizados, inibindo denúncias. 

A superlotação nos presídios

Atualmente, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. E, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a população carcerária cresce cerca de 8,3% ao ano. Nesse ritmo, a previsão é que o país tenha 1,5 milhão de presos em 2025 – o equivalente à população de cidades como Belém e Goiânia.

Mas será que o país tem estrutura para sustentar essa lotação?

Segundo a organização internacional Human Rights Watch (HRW), a superlotação das prisões brasileiras é uma grave violação dos direitos humanos. Essa situação agrava a precariedade das penitenciárias, desencadeando problemas que contribuem para a violência interna e o crescimento das facções criminosas. Com as celas lotadas, o contato entre presos perigosos e os detidos por delitos leves é facilitado, e fica mais viável recrutar integrantes do que proporcionar ressocialização do indivíduo.

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Até junho de 2019, eram pouco mais de 461.000 vagas para abrigar os quase 800.000 detentos – as informações levam em conta presos em diversos regimes de cumprimento de pena e incluem até acusados contra os quais foram impostas medidas de segurança. Esse déficit prisional referido está ligado diretamente, segundo especialistas ouvidos pelo G1, à demora na conclusão dos processos, ao encarceramento de pessoas por crimes de baixo potencial lesivo e ao uso e abuso das prisões provisórias (sem condenação).

Presos provisórios 

Hoje, o Brasil possui mais de 900 mil presos. Desse total, cerca de 44% são provisórios, ou seja, que ainda não foram condenados, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). São pessoas que ainda não receberam uma sentença formalmente, mas que já cumprem pena, encarceradas. 

Para Ruth Leite, advogada da Pastoral Carcerária, a alta quantidade de presos provisórios é a maior “ferida” do sistema prisional. “É impossível funcionar com esses milhares de provisórios. É preciso investir mais nas medidas cautelares”, disse em entrevista ao G1. Algumas das alternativas seriam, por exemplo, o investimento no monitoramento eletrônico, comparecimento periódico em juízo e proibição de acesso ou de frequentar determinados lugares.

A Secretaria de Administração Penitenciária da Bahia, estado com o maior número de presos provisórios, declarou, também em depoimento ao veículo, que uma das razões desse problema é que “a criminalidade está mais ousada e os jovens têm sido cada vez mais assediados pelo mundo do crime. Isso faz com que a polícia prenda mais. Conforme as prisões ocorrem, cria-se um represamento no Poder Judiciário para julgar com a celeridade ideal. Por isso há hoje uma grande demanda de presos provisórios.”

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Possíveis soluções 

Com a superlotação dos presídios, o desrespeito aos direitos básicos dos presos e sem a possibilidade de trabalho e estudo (Ensino Básico, Médio e Profissionalizante), as penitenciárias deixam de cumprir sua função de, além de punir, promover a reintegração das pessoas na sociedade. De acordo com o Monitor da Violência de 2019, apenas 18,9% dos presos trabalhavam e 12,6% estudavam.

Para combater esses e outros desafios do sistema carcerário brasileiro, o relatório final de 2022 do MNCPT trouxe 138 recomendações ao sistema de justiça, governo estadual e federal. 

Entre as medidas estão:

  • concurso para contratação de policiais penais;
  • capacitação sobre direitos humanos;
  • uso de câmeras corporais pelos agentes;
  • correção das falhas no fornecimento de comida, na garantia de higiene e no acesso à saúde;
  • educação e trabalho dos presos.

Além disso, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, diz que já tem investido em monitoração eletrônica, em alternativas penais para os presos e ainda que tem trabalhado para ampliar o número de vagas no sistema penitenciário.

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